Letícia Narrando
O sol já tava alto quando eu abri os olhos, a luz atravessando a cortina fina do quarto do Guga. p***a, a noite tinha sido insana, mas eu precisava sair logo dali. Ele ainda dormia pesado, o peito subindo e descendo devagar. Naquele momento, parecia tão tranquilo que nem dava pra imaginar que era o mesmo Guga que botava ordem na boca com o fuzil na mão.
Me levantei devagar, tentando não fazer barulho. Fui pro banheiro ajeitar o cabelo, e no espelho, vi as marcas da noite passada no meu pescoço. Dei um sorriso de lado. Esse safado sabia deixar um rastro.
Saí do quarto, peguei minhas coisas e dei uma última olhada pra ele antes de fechar a porta. Não ia acordar o Guga, porque sabia que ele ia inventar de me prender ali, e eu tinha que ir trabalhar.
Desci o morro com calma, cumprimentando umas vizinhas que fofocavam na porta de casa. As tias do Vidigal sabiam de tudo, e eu não tava afim de dar mais motivo pra falatório. Cheguei na minha casa, uma quitinete simples mas arrumadinha.
Depois de um banho, escolhi meu vestido azul com branco da Farm, um dos meus preferidos, porque ele marcava minha cintura e deixava meu silicone bem desenhado, me deixava com cara de mulherão. Combinei com uma rasteirinha branca e deixei o cabelo solto, caindo nos ombros. Fiz uma maquiagem e me senti muito bem, passei perfume e corri na cozinha pra comer alguma coisa.
Quando eu olhei a hora, eu ja tava super atrasada, meu Deus a Lívia vai me matar. Peguei minha bolsa, joguei o celular dentro e saí. Enquanto descia a rua, comecei a mexer no telefone, conferindo as mensagens. Algumas eram da Lívia, provavelmente falando sobre o movimento na loja. Outras, do grupo do trabalho, falando muita merda, como sempre.
Foi então que eu vi o Guga, parado na esquina da boca, fuzil no ombro, de boné e sem camisa, aquele corpo cheio de tatuagem brilhando no sol. Ele tava conversando com uns moleques, mas assim que me viu, parou. Os olhos dele grudaram em mim como se eu fosse a única coisa importante naquela rua cheia de gente.
— Qual foi, Guga? Tá me secando por quê? — falei, quando eu vi ele vindo rápido e parando na minha frente me impedindo de andar;
— Tô só olhando, Letícia — respondeu, com aquela voz rouca. — Tu tá gata, mas não precisava sair lá de casa assim, né?
— Assim como? — perguntei, rindo.
— Com esse vestido aí, marcando tudo. Tá querendo chamar atenção de quem?
— De ninguém, Guga. Só tô indo trabalhar. — eu falei jogando meu cabelo pro lado
Ele passou a mão na nuca, nervoso. Não ia admitir, mas eu sabia que ele tava com ciúme.
— Vai logo então, antes que eu te prenda aqui.
— Duvido que tenha coragem. — Dei um sorriso de canto e segui andando, sentindo o olhar dele me acompanhando até virar a esquina.
No caminho até o ponto, fiquei pensando em como o Guga era complicado. Ele não dizia com palavras, mas tava na cara que era louco por mim. Só que essa vida que ele levava... não tinha futuro. Eu gostava dele, mas sabia que a qualquer momento tudo podia mudar.
Cheguei no shopping e entrei na loja. A Lívia já tava lá, como sempre, mexendo no computador atrás do balcão. Ela levantou a cabeça quando me viu e deu um sorriso.
— Bom dia, Letícia. Tá um pouco atrasada, né?
— Bom dia, chefe. Tive uns contratempos no caminho — respondi, tentando soar casual.
Ela riu, mas eu sabia que Lívia tinha um jeito de enxergar além do que as pessoas mostravam.
— Contratempos, é? Sei...
— Não começa, Lívia. Já tô aqui pronta pra tocar o dia.
— Relaxa, tô só brincando. A loja tá tranquila por enquanto, mas hoje vai ser puxado. Tem entrega pra organizar, e o sistema tá lento de novo.
— Beleza, deixa comigo. O que é isso? — eu apontei pro buque de flores e a caixa enorme da Hermes
— Ah, o André menina. Pode botar essas flores em qualquer canto — ela falou sem tirar os olhos do computador
— E essa caixa da Hermes aqui?
— Ah, pega pra voce e se nao quiser, joga no lixo bem longe de mim — ela soprou irritada e eu ri
— Lívia, você é louca.
Mas eu fiz o que ela mandou, tirei as flores e a caixa de perto dela e joguei as flores no lixo e guardei a caixa no estoque. É logico que eu ia pegar pra mim, não sou boba.
Eu voltei rápido pra terminar de falar com ela, enquanto ela falava sobre o estoque e os clientes, minha mente ainda tava meio longe, pensando no Guga e na forma como ele me olhou. Mas eu sabia que precisava focar. A loja era meu lugar, onde eu me sentia no controle, diferente do caos do morro.
Passei o dia entre atendimentos e organização, trocando ideias com as meninas da equipe e segurando as pontas. Mas no fundo, minha cabeça tava cheia. Guga, com aquele jeito possessivo e ao mesmo tempo protetor, não saía da minha mente.
O dia passou voando. Tive que segurar a onda, atender cliente, organizar estoque e lidar com umas tretas internas da loja. Lívia, sempre na dela, mas eu percebia que ela estava ligando mais pros detalhes, como quando fez aquela cara de quem sabia que eu não tava 100% focada. Eu só queria sair logo, dar um rolê e relaxar. A mente tava naqueles olhos verdes do Guga, e eu não conseguia tirar ele da cabeça.
— Tá tudo certo por aqui, chefe? — perguntei, olhando o caixa enquanto Lívia contava o dinheiro no final do expediente.
— Tudo certo. Só a grana que tem que bater, né? Como sempre, a gente trabalha e o sistema atrapalha. E aí, vai fazer o quê agora? — Lívia perguntou, sem tirar os olhos dos números.
— Acho que vou sair um pouco, dar uma arejada — respondi, tentando disfarçar a tensão que tava dentro de mim.
Ela levantou uma sobrancelha.
— Sei… você e esse Guga aí, né? Vai dar uns rolê com ele? — perguntou com um sorriso malicioso.
— Cê é doida, Lívia. Não é nada disso, não. Só… uma saída, tipo uma distração. Nada demais — falei, me esquivando um pouco, mas sabia que ela já tava ligada.
Lívia deu uma risada debochada.
— Distração, é? Sei, sei. Então, bora tomar aquele chopinho no shopping, só pra dar uma relaxada. Porque, né, é bom desestressar. O trabalho já fez o que tinha que fazer. — Ela se levantou, pegando a bolsa, já se dirigindo para a saída da loja.
Eu só segui atrás dela. A última coisa que eu queria agora era voltar pro morro naquele clima tenso. O shopping tava tranquilo, e o papo com Lívia era sempre bom. Às vezes, ela me fazia esquecer do caos que a gente vivia lá em cima e a Lívia não tinha ideia do que era isso.
Comecei a mexer no celular enquanto Lívia fazia graça com a atendente. Vi a foto do Guga na minha timeline. Eu, toda arrumada, sentada com a Lívia na praça de alimentação, tomando meu chopinho. Dei aquele sorrisinho maroto e postei. Não demorou muito pra ele responder.
Guga: "Que cê tá fazendo aí, Letícia? Com essa roupa toda... você acha que vai sair assim, né?"
Era claro, o cara tava possesso. Eu dei uma risadinha, mas não respondi de imediato. Fui, de propósito, devagar. Sabia que ele tava observando tudo, vendo cada movimento meu, e isso me dava um prazer. Eu não queria ficar dependendo da atenção dele, mas também sabia que ele não ia deixar barato.
Pouco depois, o celular vibrou de novo.
Guga: "Não tem ninguém olhando pra você não, né? Não quero ver tu dando mole pra esses caras do shopping, não."
Eu ri, mas não deixei o celular na mão. Respondi na hora.
Letícia: "Que isso, Guga? Só tomando um chop, relaxa. Não é tudo sobre você."
Ele me ligou, e eu atendi na hora. Lívia olhou pra mim com uma expressão de quem já sabia o que tava acontecendo, e eu dei um sorriso de canto, não disfarçando nada.
— Oi, Guga. — Falei, com um tom de provocação na voz.
— Que "oi", p***a! O que cê tá fazendo aí com essa roupa e esses caras, hein? Me responde rápido, porque tô de olho em tudo! — Ele respondeu, o tom de raiva misturado com ciúmes.
Eu soltei uma gargalhada baixa.
— Relaxa, Guga. Tô trabalhando. E você? Tá fazendo o quê, além de ficar aí me espionando? — Eu disse, desafiando.
— Eu? Só tô vendo se tu tem noção de que ninguém vai olhar pra você desse jeito. — Ele falou, e eu ouvi o barulho do fuzil ao fundo. — E quando você voltar, a gente vai conversar direito, tá? Não gosto de misturar as coisas, mas não sou bobo.
Eu rolei os olhos. Aquela situação me incomodava, mas ao mesmo tempo, eu sabia que ele tinha esse jeito possessivo que, de certa forma, me atraía. A tensão que ele criava era sempre um jogo, e eu gostava de brincar com isso.
— Ai, Guga, para de viagem. Eu sou dona de mim, sabia? Não vou deixar de sair só porque você não gosta. E outra, quando eu voltar, a gente vê isso. Agora, me dá um tempo. — Eu falei, e desliguei.
Lívia, que já tava escutando tudo, deu uma risada.
— Ih, Guga tá com ciúmes, né? Tá desesperado, amiga. Cuidado pra não fazer ele perder a cabeça.
Eu fiquei quieta, olhando o copo de chopp vazio na mesa.
— Eu sei, Lívia. Mas eu não sou mais menina. Sei o que tô fazendo. E ele tem que entender isso. Eu não sou propriedade de ninguém. — Eu falei, mais pra mim mesma do que pra ela.
Ela me olhou com um sorriso satisfeito.
— Se você diz… Mas o que você tá querendo provar, Letícia? Que é mais forte que ele? Porque, sei lá, esse jogo tem hora que pode sair do controle.
Eu ri, mas o que ela disse ficou na minha cabeça. Eu não tava querendo provar nada. Mas no fundo, eu sabia que o Guga não ia me deixar ir tão fácil.