Tudo bem. Essa sensação que senti deve ser daquele velho tabu de sogra que a maioria tem. No caso da Helena, não é um tabu, uma velha é perturbada.
-Entrem.-Digo a Helena e Carlos.
-Que história é essa que você está grávida e não me contaram? Eu tive que saber por Sam que me contou o acidente. -Helena diz invadindo meu apartamento.
Ela vê Rafa, Andreia e Suzanna e acena pra eles.
-Na verdade eu contei para todo mundo ontem.-Digo.
Cumprimento Carlos, o pai de Sam. Ele parece com Sam. O formato do rosto e a altura, o resto, é tudo da Helena. Ela continua a mesma. Cabelos loiros e curtos. A única diferença são alguns fios de cabelos brancos e algumas rugas que antes não tinha, mas confesso que metade delas, foi eu que causei.
Helena vai até a cozinha e eu sigo minha sogra explosiva. Ela abre a geladeira e os armários.
-Eu vou fazer uma limpa aqui! Tem coisa aqui que meu neto não pode nem ver! -Helena diz.
-Ou neta! -Carlos diz.
-Eu realmente acho que não é necessário.
Eu digo, mas é inútil. Helena já está com minha pimenta favorita, refrigerantes, meu café, salame, presunto e até ovos nos braços.
-Até ovo? -Pergunto indignada.
-Ovo dá salmonela.-Ela responde.
Enfia tudo dentro de uma sacola e joga no lixo.
Olho pra mesa e meus amigos estão todos rindo.
-É o seguinte, eu sei o que é bom e o que não é bom pro meu bebê, então se já terminou, pode voltar outra hora quando Sam tiver em casa.
Nunca mudamos nossa relação. Num dia somos um amor uma com a outra, no outro, faltamos cuspir fogo, mas sei que ela gosta de mim acima de tudo.
-Eu quero que meu neto ou minha neta nasça perfeita! -Ela diz.
-Ela é minha filha, claro que vai nascer perfeita.-Falo.
Ouço a risadas dos meus amigos. Tenho certeza que devem estar arrependidos de não ter feito pipoca para assistir essa cena.
-Você me entendeu, ela tem que nascer saudável.
-Ela vai nascer...ou ele, e além disso falta muito tempo, passa aqui daqui uns sete meses.-Digo a empurrando em direção a porta.
-Quando você estiver com cólicas e azias, não venha reclamar pra mim.-Helena diz.
-Ah, não se preocupe, você é a última pessoa para quem eu reclamaria, até mais senhor Carlos, foi um prazer revê-lo.-Digo expulsado Helena e dando um beijo no rosto do meu sogro.
Carlos e Helena são completamente diferentes. Carlos é calmo e muito simpático, ao contrário de Helena.
-Ainda tem que aguentar a sogrinha?-Rafa pergunta.
-Esse é um peso que vou levar minha vida inteira!
Rafa, Andreia e Suzanna vão embora e eu fico sozinha novamente. Eu fico um pouco solitária, Sam trabalha o dia todo e eu fico só. Agora tenho meu bebê para me fazer companhia.
Estou vendo televisão com um pote de azeitonas na mão. Já passa das onze e o Sam não chegou. De noite, é a hora que acho mais criatividade para escrever, então junto algumas ideias e começo meu próximo livro. Vai se chamar O diário de uma grávida explosiva. Quero relatar todos meus momentos e dúvidas. Escrever como em um diário, o crescimento do meu bebê para mães de primeira viagem assim como eu.
Vou no meu f*******: e anuncio. Tenho setecentos mil seguidores. Não é tanto quanto meus ídolos literários, mas é o bastante e valorizo cada um deles.
Minha azeitona acaba e já é quase uma da manhã. Não tenho como ligar para Sam, pois estou sem celular e o nosso telefone fixo não faz chamadas para celular.
Sei que não vou conseguir dormir enquanto Sam não chegar, então fico deitada no sofá com a blusa levantada olhando para minha barriga. Já vi em vários filmes e livros, mães conversando com suas barrigas quando grávidas e já me disseram que isso faz bem pro bebê.
Acho que não consigo falar com minha barriga. É estranho. Sei que o bebê não vai me ouvir, então vou estar praticamente falando sozinha, mas se isso é algo que mães normais fazem, eu posso tentar.
-Er...Oi? você não vai responder né? Então...Eu estou ansiosa para a sua chegada e... tá, não consigo fazer isso.
Será que vou ser uma boa mãe? Tenho medo de não ser uma boa mãe e meu filho se revoltar comigo, como me revoltei com meus pais.
Bom, então melhor eu fazer tudo ao contrário do que eles fizeram, pode dar certo.
Vou até o quarto e tomo um banho. Vou no guarda roupa do Sam e pego uma camisa sua. Vejo o perfume que Helena deu para ele. Só de olhar, já sinto ânsia de vômito. Pego o perfume é jogo todo na privada.
Ele vai ficar furioso comigo. Eu dou um jeito de a culpa não ser minha.
Visto a blusa de Sam, uma calcinha e caio na cama. Ouço o telefone tocar. Deve ser Sam ligando da empresa ou de algum restaurante. Corro até lá e atendo.
-Alô?-Digo.
Ouço um suspiro. A pessoa diz algo incompleto, como se fosse dizer e se arrepender. Não consigo distinguir a voz mas tenho toda certeza que a pessoa disse meu nome.
-Quem é?
E o telefone desliga. Isso foi estranho.
Não sou de ter medo, mas isso realmente me deixou assustada. Está tarde e estou sozinha. Calafrios consomem meu corpo e eu me sento.
Se isso for trote, eu juro que vou arrancar os braços do desgraçado e costurar na cabeça.
Ouço um barulho atrás de mim e dou um grito histérico.
-Que isso amor, calma!-Sam diz fechando a porta atrás de si.-Você se assustou?
-Não, imagina, é que eu amo ficar gritando as duas da manhã.-Falo irônica.
-Louquinha você, né.-Ele diz tirando o paletó e a gravata.
Joga tudo no sofá como se tivesse empregada e vai pro quarto. Eu o sigo e me jogo na cama. Minutos depois, Sam vem deitar comigo.
-Porque chegou a essa hora? -Pergunto.
Geralmente quando ele tem esses jantares, chega antes da meia noite.
-A papelada veio errada e tivemos que refazer toda. -Ele diz bocejando.
-Sua mãe veio aqui hoje.-Digo.
Sam faz uma careta.
-Desculpa por isso, contei a ela acidentalmente.
Contei a ele sobre a crise de loucura e sua mãe, do meu celular quebrado e da ideia das garotas sobre a casa no campo. Sam disse que iria pensar, deu um beijo na minha testa e virou e quando vi, ele já estava roncando. Ele está meio distante. Resolvi dormir.
☆☆☆☆☆☆
-Por favor, Rafa! Nunca te pedi nada...hoje!-Falo entre uma garfada e outra de macarrão com queijo.
Ouço Rafa bufar no outro lado da linha.
-Pediu sim! Me mandou assumir a culpa por você ter derramado o perfume do Sam!-Ele diz.
-Você vai negar um favor a uma grávida? Se seu afilhado ou afilhada nascer com cara de manga, a culpa vai ser toda sua, ela vai te odiar pra sempre.-Digo de boca cheia.
Há poucos minutos, senti uma imensa vontade de comer manga. Se Rafa me der uma carona, podemos aproveitar e pegar meu celular no conserto.
-Você é impossível. É bom estar arrumada quando eu chegar aí.
Solto um grito histérico de felicidade e Rafa desliga rindo. Tomo um banho rápido e lavo meus cabelos. Coloco uma roupa solta e quando estou terminando de pentear os cabelos, Rafa chega.
Vamos em direção ao mercado mais próximo e Rafa estaciona o carro. Pego uma cesta e entramos. Enquanto vamos a parte das frutas, mas no caminho vejo azeitonas, palmito e queijo. Pego os maiores potes e coloco na cesta com Rafa me olhando como se eu fosse doida.
-Vou fazer strogonoff no jantar.-Digo dando uma desculpa.
Que nada, vou comer tudo puro mesmo. Chegamos na parte das frutas e a manga não parece mais tão apetitosa como antes, então não pego. Sou obrigada a ouvir reclamações de Rafa. Lembrei que Sam vem almoçar hoje em casa e não fiz almoço. Melhor eu comprar um frango pronto.
Vamos até as comidas prontas.
-Me dá um frango assado, senhor.-Digo ao senhor atrás do balcão.
-Vai comer frango hoje?-O senhor diz.
-Não, tô comprando pra criar, já fiz até o galinheiro. -Respondo.
Posso ter sido um pouco grossa, mas não tenho paciência para esse tipo de pergunta, se eu estou comprando um frango assado as onze da manhã, é porque eu vou almoçar ele. Não tem razão para ele ficar perguntando.
O senhor me dá um sorriso falso e me entrega o frango.
-Senhorita delicada, vamos?-Rafa pergunta.
-Vamos, mas vamos passar para pegar meu celular antes de me deixar em casa.-Digo.
-Sou seu amigo, não motorista.-Ele responde.
O ignoro e vamos até o caixa. Quase discuti com uma mulher que me mandou sair da fila preferencial pois não acreditou que eu estava grávida.
Estou com dois meses, a barriga nem se quer está arrebitada.
Rafa me tirou de lá, antes que minha paciência, que ja não é muito grande, acabasse.
Vamos até o lugar que conserta celulares.
-Vem comigo?-Pergunto ao Rafa.
-É rápido, vai lá que eu espero.
Saio do carro e vou até a loja. De longe vejo Roberto, o funcionário. Ele me vê faz uma careta.
-Bom dia.-Ele diz.
-Bom dia, meu celular tá pronto?-Pergunto.
-Só um minuto, vou falar com o meu chefe.-E entra.
Fico plantada que nem uma i****a em frente do balcão. Começo a observar. Tem um quadro de funcionário do mês com a foto do Roberto, alguns anúncios de outras filiais da loja, mas o que me chama atenção, são cartões da loja. Pego um.
Tem o endereço e o número de telefone, viro o cartão. Tem um nome em letras maiúsculas. Solto uma risada pensando que se fosse há cinco anos atrás, ver esse nome me faria rasgar o cartão inteiro.
-Ela está aqui fora.-Roberto diz vindo até mim.
Olho pra ele e congelo. Não por Roberto, mas pela pessoa atrás dele. Eu conheceria esses olhos em qualquer lugar.
Logo depois de terminar a escola, ele veio atrás de mim. Me convenceu que estava arrependido e que poderíamos voltar a ser amigos. Eu acreditei nele e ele tentou acabar com meu relacionamento com Sam. Ele sumiu da minha vida com a boca inchada e um olho roxo. Fiquei com o punho doendo por dias.
-Só pode ser pegadinha! Você é o chefe?-Falo já gritando.
-Acredite, fiquei tão surpreso quanto você quando vi sua foto nesse celular.-Ruan diz.
Eu bufo.
-Não estou surpresa, estou enojada.
Ele se aproxima de mim e eu dou um passo atrás.
-Qual é Luna, ja faz tanto tempo.
-O tempo não cura tudo, quer saber? Me da essa d***a para eu ir embora.-Falo me referindo ao celular.
-Cadê seu namoradinho? Já cansou de você? Luna, você seria mil vezes mais feliz comigo.-Ele diz. Percebo sua veia do pescoço pulsando.
-Nos seus sonhos! Me devolve meu celular ou eu mato você.-Falo já exautada.
Tanta gente no mundo e logo esse cara é dono da loja?
-Me m***r? Hoje você está sozinha, quem vai vir e salvar o dia?-Ele diz sarcástico.
-Não preciso que ninguém faça isso, tenho dois punhos perfeitamente treinados. Não lembra?
Roberto nos observa atentamente. Ele parece ter medo de Ruan. Não acredito que ele mudou tanto. Ruan era a pessoa mais calma que eu conhecia. Vai ver eu não o conhecia de verdade.
-Tenta a sorte.-Ruan diz.
Se estivéssemos em um desenho animado, estaria saindo fumaça da minha cabeça. Vou em sua direção não me importando de levar uns tapas contanto que ele leve mais, e me lembro que estou grávida. Paro no meio do caminho e involuntariamente coloco a mão na barriga. Ruan observa e seu sorriso se desfaz.
-Está grávida? -Ele pergunta.
-Sai de perto dela!-Rafa grita atrás de mim.
Agora essa i****a aparece.
-Ainda tem seus cãezinhos de guarda por perto? Que original.-Ruan fala.
Vou até ele e dou empurrão.
-Não.
Outro empurrão.
-Mexa.
Outro empurrão.
-Com.
E por fim, o empurro no chão.
-Meus amigos, e principalmente com meu bebê.
Pego meu celular que caiu no chão (dessa vez não quebrou!) e dou as costas a ele. Passo por Rafa e sinto uma mão puxando meu ombro com força. Me viro e Ruan está com sangue nos olhos. Rafa o empurra e me tira dali.
Já no carro, quando estamos mais calmos e processando tudo, Rafa se vira pra mim.
-É confirmado, você atrai encrenca.
Pela primeira vez desde que saímos daquela loja, eu sorrio.
-Eu sei, elas não me deixam nem quando eu tento ser uma pessoa normal.
Rafa ri.
-Sam vai ficar furioso. É capaz de ele voltar a loja e acabar com o Ruan.-Rafa comenta.
-Por isso não vamos contar.-Digo.
Ele olha pra mim com um olhar interrogativo.
-Eu conheço Sam, por favor, não conte. Por mim.-Imploro.
-Por você, mas só porque não quero que minha afilhada nasça com o pai na cadeia.