Ela desfilava e espalhava seu perfume por todo lugar, o cheiro que antes não estava forte, alastrou-se por todo canto. Sua voz enfeitiçava todos e levava atenção para onde ele se movesse:
- Hoje, após ter ficado ausente por um dia, acumulei história suficiente para contar, de um conquistador cujo reino infinito não pôde controlar e afundou a própria vida na discórdia. O reino era da escandinava, mas foi de terras anglo-saxônicas e terras da península itálica. Seu amor aprisionou uma alma livre desvairada, que viajava sem parar até onde o sol não pôde tocar, e isso o fez abdicar da sua prole e do seu reino, que a cada dia consumia o que um dia chamou de liberdade.
Cecília fez uma breve pausa para pegar sua bebida que estava no balcão, virou tudo que estava no copo goela abaixo e fez um som como se ingerisse água gelada em pleno verão:
- Sua maldição não ceifou o maior traidor, que foi seu amigo e protetor, mas ambicioso que o reino, mas sim o início e fim onde seu nome tocou.
Todos contemplavam sua história como a maior obra literária já vista, ou escutado. Ficavam em silêncio, mas quando Cecília terminava, todos conversam dentre cochichos sobre o que acabaram de ouvir. A noite só estava começando, mas conseguiu preencher o que os outros dias não conseguiram.
Cecília não parou por aí! Ela pediu mais uma dose da sua favorita, sinalizou para os músicos detrás. A música começou sorrateiramente: bem calma, chegando devagar, com ritmos fúnebres, mas a música tinha a química diferente do ritmo, ela era alegremente inebriante. Sua dança que parecia conduzir a música e seu corpo embelezava cada movimento, até mesmo o som. Eram as misturas ideais e tudo aquilo era incorporado com sua beleza, a música ganhou corpo com sua presença. Aos poucos, o ritmo ficava mais alegre e se desprendia do ritmo fúnebre de antes para algo cheio de vivacidade, sedutoramente charmoso. O ritmo acelerava mais, trazendo ainda mais vida. Todos então enchiam seus olhos de vigor e esplendor de todo aquele ritmo, batiam seus pés que encaixara no ritmo dos instrumentos e dava mais personalidade a dança deslumbrante, e de repente..., o ritmo tornou-se fúnebre novamente e sua dança se desfez com os demais instrumentos como flauta e violão. Cecília foi até mim e me puxou para o meio para dançar a próxima música, que era mais calma. Ela estava suada e aparentemente cansada, mas todo aquele vigor era inabalável, ela tinha energia suficiente para dançar sem parar ou até contar seus contos, porém, sem dizer sequer uma palavra, apenas recostou-se sobre meu ombro e dançou lentamente comigo. Não ousei desfazer aquele momento perguntando sobre coisas do “trabalho”, mas devo admitir que viver como fugitivos têm vantagens até, como por exemplo: esses momentos são ainda mais desfrutados como devem ser, não como namorar ou ter vida de casado e se prender as rotinas como aniversário de casamento e algo esperado do tipo: jantar, uma viagem e afins só para concluir uma tarefa. Aqui é porque não sabemos quando teremos outra oportunidade, nem se teremos! O melhor de ter esses momentos, era que nada..., fazia relembrar a vida comum que tínhamos. Não n**o o fato de ter pensado em uma vida pós caos, uma vida com Cecília: dois boêmios desvairados que traziam vida por onde quer que passássemos, dois viajantes explorando um mundo novo e sem a sensação de sermos perseguidos – espero que meu subconsciente não se acostume com isso, pois sentir falta dessa adrenalina não faz parte dos meus planos. Enfim, enquanto estávamos embalados, Cecília envolveu-me com seus braços macios e cheirosos, pondo-os no meu pescoço. Ela fitou-me com seu sorriso aliviado e seus olhos repletos de tenência e felícia, e disse suavemente:
- Aposto que pensou nessa situação melhor do que qualquer um... – enquanto continuava fitar-me.
- Como assim? – questionei um pouco confuso.
Cecília se aproximou gentilmente do meu ouvido, deixando-me arrepiado com o som doce de sua voz e seu abraço fervoroso:
- Deve ter pensado..., hmmmmmmmm..., que tudo aqui é diferente enquanto corremos riscos, acertei? – em seguida, retirou seus lábios do meu ouvido.
- Ha..., acertou. Sabe..., é outra sensação quando você tem momentos assim, faz com que queiramos desfrutar até o limite.
- Ou além – respondeu Cecília com seu sorriso e olhar malicioso, e eu..., bom..., apenas devolvi aquele sorriso sagaz e pecaminoso, com entrelinhas que davam a tantas opções. E uma delas me tentava.
- Já pensou no que fazer, depois disso tudo? – indaguei.
- Talvez possamos ter uma vida juntos, quem sabe. Desfrutar do nosso jeito. Creio que aprendemos tantas coisas por aqui, então devemos viver e morrer satisfeitos, porque isso tudo não deve ser em vão, não é? Aliás..., tem forma melhor do que pisar assim em Victor? Esfregando nosso triunfo?
Soltei uma gargalhada abafada e continuei fitando-a ainda mais devoto, entregue de corpo e alma solenemente, e talvez já não fosse mais mistério. Ficamos unidos por motivos em comum, talvez terminando juntos pelo mesmo motivo, e isso eu devia agradecer, seguindo todas as leis da atratividade e sua filosofia, agradecer e reconhecer Victor, ou Os Olhos Mortos por nos unir dessa forma. Talvez o melhor da minha vida tenha sido o pior, lado a lado. Quando ela estava se aproximando com sua respiração ofegante, que a cada segundo parecia mais alta e intensa, com seu rosto entregue ao que estava prestes a fazer. Relaxada e sendo levada, como as ondas no mar que nos arrasta e leva, sendo arrastada por suas emoções sem titubear. Estava certa e eu também, meu coração já estava na boca, meu corpo congelado e já ansiando por aqueles lábios tão bem desenhados. Eu ficava quente, praticamente fervendo, enquanto meu coração palpitava mais alto que todo ambiente! Eu desejei, ansiei, e com os mais profanos pensar, violei tocar aqueles lábios como o músico que harpeja lenta e precisamente os mais calmos dos sons, como o vento do luar e o mar. Profanei isso mais que qualquer coisa, senão tudo, desde quando trouxe o que me faltava reconhecer e sentir. Ela foi o meu melhor de tudo isso e hoje estava tendo certeza de que talvez ela pensasse o mesmo..., as palavras que vinham como um sonho do qual não quero acordar, era chamar-te de minha amada, mas infortunadamente, uma tragédia, um ultraje de tão inconveniente que foi. Seja quem for, citei todo tipo de maldição quando ocorreu seja lá quem fosse. Desejei que os mortos o levassem e até pisoteasse nele por ter interrompido com algumas palmas inconveniente, como se desejássemos aquilo, como se ninguém tivesse trocado afeto ou carícia com quem ama. Cecília, na verdade: ambos! Paramos e viramos em direção das palmas, e o serzinho inconveniente, desprezível e crápula INCOVENIENTE..., de novo, era ele, quem tanto queríamos encontrar nesta noite perfeita, todo pomposo com seu sorriso prepotente nos encarando..., Victor, Os Olhos Mortos diante de nós, debochado e interrompendo nossa cena dessa história infame cheio de amor, vida e morte.
Paramos tudo, até nosso abraço desfez, assim como nossa dança. Observamos ele como nossa pressa e ele fez o mesmo, quase não pisquei. Não queria por segundo sequer tirar os olhos desse infeliz. Ele fez um sinal para Fabrício, ainda mantendo seu sorriso cínico como se também esperasse por nós. O clima era de guerra, eram duas grandes energias guerreando sem se tocar, e era nítido de ver em seus olhares de ódio, um querendo avançar no outro. Aparentemente, ninguém além de mim e Fabrício sentiu o peso daquelas ilustres personalidades prestes a entrar em batalha.
Saí do meio e fui me sentar, ainda sem tirar os olhos dele, esperando que ele fizesse sua esquisitice e nos levasse para sua toca de horror, mas Cecília não se sentou e continuou encarando-o, só mudou um pouco sua expressão acrescentando um sorriso. Victor olhou em volta e disse, ainda sorrindo:
- Hoje é uma noite de muuuuuita alegria, pessoal, principalmente para vocês. Olha quem está aqui..., diante dos meus, a ilustre, magnânima, MINHA QUISTA CECÍLIA. Achei que custaria mais que uma vida te encontrar.
Olhos se olhavam sem entender e murmuravam, somente nós o compreendíamos. Victor foi até onde estava sentado, junto com Cecília e nos fitou sem parar com um sorriso que eu desejei tanto tirar, na verdade..., desejo ardor que emanava só em meu olhar, por ora, e em meus punhos contraídos:
- Vocês são incrivelmente previsíveis, às vezes até esqueço porque são tão fascinantes, mas lembro da minha obrigação. – Fabrício se aproximara com nossas bebidas e saiu rapidamente, sem querer interromper Victor, que logo prosseguiu: Vou adivinhar, depois podem dizer se acertei. Hã... – Victor virou seu copo de bebida e continuou – querem recuperar um diário, um livreto, um bloco i****a de anotações composto por coisas muuuuuito valiosas, dentre essas coisas valiosas, acho que tem algo tipo um..., o quê mesmo? Espera..., deixa eu pensar – Victor olhava para todos os lados, realizando uma falsa busca para intensificar sua zombaria com seu triunfo, tentando nos irritar mais – tinha um passe, para algum lugar, um lugar, qualquer lugar, talvez um lugar que nem podem mais, mas por quê? Ah, SIM! Droga..., não tem mais isso, e isso quer dizer que só resta uma coisa... se entregar. Acabou. Não tem mais como lutar, não há nada que possa fazer, só aceitar o destino inconveniente de vocês. Tenha respeito pelo que restou de dignidade.
Cecília apenas ficou em silêncio apenas retribuindo com seu sorriso guardando o que ela tinha para esse maldito prepotente.
- Espero que mantenha esse sorriso enquanto acabou com o que restou de você! – respondeu Victor com um leve tom de fúria.
Cecília virou o copo de bebida e desfilou até o centro do bar novamente, e os músicos fizeram um barulho para entregar os holofotes à ela, que se preparava graciosamente com o mesmo olhar, só que agora desafiador e pronto para derrubar Victor. Ele era a atração principal para a plateia que eram seus olhos:
- Hoje é uma grande noite, pois finalmente veremos a queda de um tirano, um manipulador e o verdadeiro atormentado. Contarei a vocês o inacabável, e tão esperado conto dos Olhos Mortos. Ah, m*l sei ou bem sei sobre alguém tão perdido que se esconde nossos mortos e em uma vida que nunca terá. Chega a dar pena quando o vejo cercado de seus lacaios tão vazios quanto seu mestre perdido..., ignorante..., solitário..., A qualquer custo tenta preencher sua miserável vida com os abnóxios e o desespero que lhe resta para lutar, mas em uma noite, quando ele acordou sorrindo achando que seu triunfo chegou, foi quando sua queda veio e libertou todos que vivenciavam seus tormentos. Os Olhos Mortos, por mais que tivesse pompa, não tinha escrúpulo e não é mais livre que a formiga que deve trabalhar todos os dias para rainha. Assim como seus lacaios, está sempre gritando por dentro e incomodando todos a sua volta com choramingo – Cecília colocou suas mãos no rosto como se enxugasse suas lágrimas, fazendo uma expressão de falsa tristeza – “ME LIBERTA, POR FAVOR... POR FAVOR!”
Alguns sorriram, mas Victor não escondeu sua raiva nem quando sorriu de seu teatro e sua declamação de escárnio. Seus olhos ficaram mais cheios de raiva, quase avançando até ela, mas as correntes de relembrar onde estava, fazia ele se abster de atacar ou agir para ele ficasse calada, e o risos o incomodava ainda mais. Cecília não satisfeita, completou:
- Olhos Mortos, quem é você que está por baixo de meu vestido, invade minha privacidade e assombra nossas vidas sem parar? Quem é você que se esconde nas sombras e nunca nos encara como eu te encaro agora?