Eu acreditei que, após se passarem tantas horas entre voos e escalas até finalmente chegar à Sidney, minhas lágrimas estivessem secado e eu estivesse pronta para me olhar no espelho e admitir, pela primeira vez em voz alta que acabou. Minha primeira paixão resultou em um coração dilacerado e uma raiva cada vez mais crescente de mim mesma. Eu só queria me esquecer de tudo por algumas horas. E acreditei mesmo que conseguiria, afinal eu não deveria ter mais tantas lágrimas.
Mas bastou olhar para minha mãe no aeroporto e todo o choro voltou incontrolável, fazendo com que eu corresse e me jogasse em seus braços. Minha mãe sempre foi extremamente carinhosa e gentil comigo, mas a forma como fui recebida me fez ter a certeza de que provavelmente Paul entrou em contato com ela para a prevenir de meu estado psicológico.
—Que bom ter você aqui, querida. Eu senti muito a sua falta.
—Eu também... mãe. Muita.
Falei entre soluços e fui novamente apertada em seus braços. Depois nos afastamos e ela passou as pontas dos dedos em meu rosto, secando minhas lágrimas.
—Vamos para casa para você descansar e depois vamos começar a pensar em diversão. Você e eu e mais ninguém.
—Isso me parece maravilhoso.
Falei com sinceridade. Alguns dias com todo o alto astral da minha mãe era tudo o que eu precisava. Mas por outro lado, eu precisava deixa-la de sobreaviso. Talvez eu não conseguisse ser uma boa companhia.
—Paul ligou para você? —Perguntei enquanto nos afastávamos. — Talvez as coisas estejam um pouco difíceis para mim.
—Sim, ele ligou. Mas não vamos falar sobre isso agora, está bem? Você só dirá o que precisa quando se sentir forte o suficiente para enfrentar o que está dentro de você.
—Obrigada mãe.
—Eu te amo, querida. Espero que sempre se lembre disso.
—Eu também amo você.
Trinta minutos depois, eu olhava quase extasiada para a bela paisagem ao meu redor assim que desci do carro. Sua bela casa ficava na região de Bondi Beach e de vários cômodos da casa era possível apreciar aquela praia incrível.
Eu inspirei de olhos fechados, sentindo o vento levemente quente e agradável em meu rosto. Eu amava praia, mas não me via morando aqui novamente. Eu gostava da movimentação de Nova York. Por uns instantes eu me perguntei se minha preferência pela cidade não teria a ver com Max.
Não. Não tinha. Eu já amava a cidade antes mesmo de conhece-lo. Mas Sidney também era uma cidade tão incrível que com certeza me proporcionaria bons momentos. Eu voltaria renovada.
—Zara estava ansiosa pela sua chegada.
Minha mãe falou assim que vimos a mulher baixa, na faixa dos sessenta e cinco anos, de pé na varanda com as mãos cruzadas em frente ao peito. Zara cuidou de mim desde quando eu era bem pequena, e a amizade entre ela e minha mãe foi tão forte que mesmo depois de eu já não precisar mais de uma babá, ela permaneceu trabalhando aqui.
—Senti falta dela.
Respondi sorrindo, já caminhando até a varanda. Porém, parei de repente e me virei novamente para minha mãe.
—Meu pai está na cidade?
—Não. Eu nem mesmo consegui falar com ele para avisar que você viria para cá. Na certa está atrás de mais uma de suas ninfetas.
Eu suspirei, observando minha mãe, porém eu não percebi nenhum sinal de ciúme ou desgosto pela situação. Ela era simplesmente indiferente. Meu pai já não escondia mais sua preferência por garotas mais jovens, tanto que, da última vez em que o vi, ele estava com uma garota de apenas vinte e dois anos.
Eu realmente acho uma grande besteira esse preconceito em relação a diferenças de idade entre um casal. Mas no caso de meu pai chegava a ser ridículo. Ele claramente fazia isso para se afirmar de alguma forma. Eu gostava dele, é claro, mas não dá para comparar ao que sinto pela minha mãe.
—Zara! Que saudade!
Falei alegremente enquanto abraçava a mulher que durante muitos anos me teve agarrada à barra da sua saia. Ela me abraçou também, emocionada, beijando meu rosto em seguida. Ela ainda tinha aquele mesmo cheirinho bom de canela, coisa que ela adorava usar em seus pratos deliciosos.
—Eu também, Amber. Oh querida... por que demorou tanto a voltar?
—Muito trabalho. Mas isso não é desculpa. Fui uma má filha, admito.
—Mas agora está aqui para se redimir. Meu Deus! E como está bonita, apesar desses olhos inchados. Só pode estar apaixonada. Pessoas apaixonadas ficam esfuziantes como você.
Eu engoli seco, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas. Eu não precisava me lembrar de Max agora. A forma como minha mãe rapidamente se aproximou e mudou de assunto me fez ter a certeza de que Paul deve ter dito muito mais do que deveria. Mas eu não ia ficar brava com ele de forma nenhuma. Era meu amigo e estava preocupado. E eu agradecia por isso.
****
Eu estiquei meus braços, erguendo também a cabeça e sentindo os raios de sol em minha pele. Apenas cinco dias em Sidney e eu já sentia os benéficos do clima agradável e do sol em meu corpo. Eu estava com uma cor bonita, embora não pudesse dizer que fosse exatamente um bronzeado.
Segurando meus chinelos, eu caminhava da praia de volta para casa. Foram cinco dias muito agradáveis em companhia de minha mãe e Zara. Saímos duas noites, bebemos e nos divertimos a valer. Mas eu via nos olhos de minha mãe que ela esperava o momento de nossa conversa. E eu decidi que seria hoje. Mantive meu celular desligado durante todos esses dias e só falava com Paul através do telefone da casa de minha mãe. Ele, sabiamente, não tocou no nome de Max. E eu agradecia por isso.
Evitei internet, jornais e revistas com medo do que eu pudesse encontrar, apesar de a vida privada de Max ser mantida a sete chaves praticamente, desde sempre. Porém, era melhor evitar qualquer chance de o ver com outra mulher antes de curar pelo menos uma parte do meu coração.
Ao chegar à varanda, minha mãe estava sentada em sua cadeira preferida, atenta a algo em seu tablet. Eu me sentei ao lado dela e no momento em que me olhou, ela rapidamente colocou o tablet sobre a mesinha à nossa frente. Eu gostava dessa nossa sintonia. Geralmente uma não precisava dizer a outra que precisava conversar.
—Acha que está pronta?
—Sim.
—Se quiser tomar um banho antes. Enquanto isso Zara prepara um lanche para nós.
—Não quero lanche. Quero uma bebida bem gelada. De preferência com álcool. —Falei me levantando. — Eu volto logo.
Tomei um banho rápido, coloquei um vestido leve e fiquei descalça, voltei para a varanda onde minha mãe já saboreava sua cerveja. Peguei uma no balde de gelo sobre a mesa e brindamos após eu me sentar.
—Então vamos lá. Conte-me sobre o Max.
Minha mãe já sabia que eu estava saindo com ele, mas eu nunca entrei em detalhes, dessa forma, também não disse que tudo só se baseava em sexo. Mas dessa vez contei tudo... todos os detalhes. Minha mãe me ouvia em silêncio, sem me interromper, nem mesmo quando comecei a chorar. Quando por fim terminei meu relato, ela me puxou para os seus braços e beijou meus cabelos.
—Sabe... todos dizem como nós duas somos muito parecidas em tudo. E agora percebo que sim. Até mesmo em nossa história de amor por um homem.
—Como assim?
Eu me afastei um pouco para olhar para ela. Eu nunca procurei realmente saber como meus pais se conheceram. Agora eu me pergunto... por que nunca tive essa curiosidade?
—Quando conheci Lincoln eu tive a certeza de que ele era o homem mais bonito que eu já tinha visto. Eu fiquei louca por ele. Estava com apenas dezenove anos e era até meio ingênua, admito. Todas as garotas o queriam e eu, apesar de ser muito bonita, tinha certeza de que ele não ia me querer. Minha mãe sempre foi muito controladora, sabe? Os rapazes fugiam de uma sogra assim. Porém, seu pai reparou em mim e começamos a ficar juntos. Apesar de controladora, minha mãe apoiou nosso relacionamento pois acreditava que acabaria em casamento. Ela só me incentivava mais e mais.
Ela fechou os olhos por instantes, parecendo reviver aquele tempo.
—Seu pai foi sincero comigo desde o começo. Ele deixou claro que não queria filhos, tanto que tinha o maior cuidado ao colocar a camisinha. Não queria casamento, não queria um relacionamento mais sério. Ele queria curtir, apenas. E ele me perguntou se eu estava preparada, se achava que eu conseguiria levar dessa forma pois eu parecia uma moça sonhadora.
—Assim como o Max deixou claro para mim.
—Sim. Bom, mas eu o queria com loucura, então disse que aceitava dessa forma. Mas claro, eu me apaixonei por ele e estava desesperada com medo de o perder. Ele não ficava com mais ninguém além de mim, embora as vezes eu o visse flertando com alguma garota. Então... sei lá... enlouqueci e o pedi em casamento.
—Sério? E ele aceitou, apesar de tudo o que disse antes?
—Não. Ele não aceitou.
Eu franzi a testa, não conseguindo entender como então chegaram ao matrimônio.
—Parece que aquilo assustou e eu tive a certeza de que logo ele ia terminar nosso caso.
—Mas o que aconteceu então?
Minha mãe suspirou e dessa vez eu vi seus olhos marejados.
—Eu engravidei. De propósito.
—Oh!
—Seu pai era um homem honrado, Amber. Ele assumiu você e se casou comigo, mesmo com todos dizendo que um filho não é o suficiente para manter um casamento. Mas ele parecia mesmo disposto a... seguir o que deveria ser. E durante algum tempo ele realmente conseguiu, sabe? Ele me fez feliz. Mas casamento não era para ele, realmente.
—E foi assim que ele começou com as traições?
—Sim. Isso é o que me magoou entende? Ele poderia ter me dito que não dava mais, que ele queria parar por ali e pedir o divórcio. Mas não. Ele preferiu ter seus casos, até que eu não suportasse mais e dissesse que era melhor cada um viver sua vida. Por muito tempo eu o odiei. Mas depois de um tempo eu admiti parte da minha culpa.
Eu me remexi meio inquieta, não gostando daquelas palavras. E eu não ia deixar de dizer o que pensava.
—Mas não acho que deve pensar assim. Nada no mundo justifica uma traição, mãe. Ele foi fraco e sem caráter. Não importa o quanto doesse, ele deveria ter dito e não traído.
—Eu sei. Mas quando eu digo que assumi minha culpa foi em relação ao que fiz antes. Outro homem não assumiria o filho. Ou então assumiria o filho, mas nada de casamento. Ele quis me proporcionar isso, mesmo eu tendo sido uma c****a que engravidou de propósito. Ele cuidou e amou você. Disso não tenho dúvida.
—Ainda assim não justifica. Se fosse para trair, era melhor nem ter casado e só mesmo assumido a paternidade.
Minha mãe apenas suspirou novamente e não respondeu. Mas quando voltou a falar, colocou a mão sobre a minha.
—Mas esse era o antigo Lincoln. Esse novo eu já não reconheço mais. Não tenho nada contra a idade das garotas com as quais ele se envolve, mas do jeito que ele age com elas...
—O que quer dizer com isso?
—Não vamos falar sobre isso agora. Em relação a você e Max... nosso caso é bem parecido. E você, querida, é tão intensamente passional quanto eu. Se tivesse me contado isso desde o começo, eu teria a aconselhado a correr léguas dele.
—Ele foi c***l.
—Sim, foi. E eu me pergunto se essa não foi a maneira que ele encontrou para colocar um fim de vez no caso de vocês. Você o odiando não manteria esperanças de um retorno.
—Isso é horrível. Me parece tão infantil.
—E é infantil, querida, afinal estamos falando de homens. Eles são meio idiotas e sonsos... eles saem assim de fábrica, meu anjo. Tolos e imaturos.
—Eu ainda o amo.
—Claro que ama. Se tivesse desaparecido, esse sentimento não seria verdadeiro. Pode demorar a passar, vai doer, mas você vai sobreviver. Só os fracos morrem de amor e você não é. Você tem amor próprio, que pode ter sido ofuscado por um tempo pelo amor por ele, mas está aí e a qualquer momento vai falar mais alto.
—Eu espero que sim.
—Preocupe-se agora com coisas que a deixam feliz. Música, cinema, seu trabalho, seus amigos. Só não fique fissurada na ideia de encontrar outro alguém para esquecer o Max ou simplesmente para o afrontar. Isso é ridículo em vários tons. Não faça com os outros o que Max fez com você, portanto só se envolva se estiver mesmo interessada em outra pessoa.
—Um amor para curar o outro.
Ela fez uma careta e seu olhar cruzou com o meu.
—Isso é balela. Falácias da humanidade. O que cura um amor é seu amor próprio e não o amor por outra pessoa. Um novo amor é só consequência do caminho que você se permitir seguir.
Eu me levantei e me ajoelhei em frente à minha mãe, sentindo seu abraço e apertando os meus braços em volta da sua cintura. As lágrimas que guardei nesses cinco dias finalmente desceram pelo meu rosto.
—Já está doendo, mãe. Doendo muito. Mas eu vou conseguir, afinal eu sou filha de Ruby Magrath.
—É isso aí, querida.
Depois de um tempo, em que apenas permanecemos abraçadas em silêncio, eu ousei uma pergunta.
—Você ainda ama o meu pai?
Eu não tive resposta até Zara nos interromper minutos depois.