Veigh
Eles começaram a atirar que nem bichos e eu pulei para trás, caindo no colo do Barata, que me empurrou na hora.
- Se liga, Veigh, eu não vou chegar do outro lado contigo sentado no meu colo, não. Os caras vão me gastar – ele falou desesperado.
- Não vai mesmo, vai chegar que nem peneira mesmo. Abre a porr@ da porta, nós vamos ter que correr.
- Como eu vou correr, c@ralh0? Tá querendo me levar pra cidade dos pés antes da hora – ele gritou puto.
- Devido à situação atual, nós já estamos mais mortos que vivos. Então, o bagulho é a gente tentar sair e seja o que Deus quiser.
Senhor, eu juro que se eu sair daqui vivo, que eu nunca mais falo que a minha mãe faz fofoca da vida dos outros. Atende aí, porque se eu falar que vou sair do tráfico é mentira. Então, me dá essa moral de cria aí, me deixa morrer dormindo, velhinho.
- Faz uma oração aí, Barata, porr@ - Eu gritei.
- Só se for para Deus tacar um raio em cima da gente, né? Tu sabe que tem anos que eu não peço nada com medo dele lembrar de me levar.
- Ah, porr@, agora fud3u, pior se ele lembrar da vez que estou contigo – o Russo falou, se abaixando, e a bala passou pertinho do pescoço do Barata.
- Estou falando, porr@, o homem lembrou de mim, agora fudeu.
Quando o vidro já estava todo quebrado, os caras cercaram o carro e, mano, eu nunca vi tanto fuzil apontado para mim na minha vida.
- Se eu sobreviver, eu juro que te mato por causa dessa tua ideia de merda – o Barata falou boladão.
- Não é só o teu que está em jogo, filhão, não, meu mano.
- Entre Bangu e ser fuzilado, eu prefiro ser fuzilado. É uma pena que tu não tenha um baseado para eu fumar – o Russo falou.
- Saiam do carro agora, caralh0, senão eu vou tacar fogo neles com você dentro.
Fiquei ali naquele dilema: se eu ficar dentro, ele me mata; se eu sair, ele me mata. Então, eu vou ficar dentro, eu em n**o, tá pensando que a minha vida virou uma piada.
- Taca fogo aí, meu mano, porque eu tô cansadão. Já fugi dos cu azul, já fui corno, já tentaram roubar meu morro. Se eu for morrer, que seja pelo menos difícil, né? – eu gritei e ele começou a tacar gasolina no carro.
- Pra que tu faz isso, Veigh? – o Barata falou, quase chorando.
- Postura, porr@, um n***o desse tamanho chorando porque vai morrer – falei e o Russo riu.
Quando o cara voltou com o isqueiro, eu pulei para frente do carro. Como ele já estava ligado, eu só dei ré, passando por cima de um deles, e depois saí igual a um maluco por dentro da Maré, com eles dois abaixados e com medo, porque a bala estava cantando em cima de nós.
- Tem como vocês atirarem neles?
- Tu podia ter avisado que ia sair com o carro – o Barata gritou, atirando.
- Eu quero saber onde estão os teus homens, isso sim. Será que eles pararam pra jogar bola enquanto a gente tá aqui se fud3ndo?
- Tu brinca muito – o Russo falou, atirando na cabeça de um deles.
Fui tentando sair da Maré, mas tava f**a, o bagulho aqui é grandão e já tava me sentindo um palhaço que não consegue abandonar o circo.
- Vira à esquerda que vamos sair perto de Manguinhos - Russo gritou.
- Tu quer sair de um inimigo pra outro – o Barata gritou.
- Não r**m, não r**m, os caras lá são menos pesados.
Entrei na rua que o Russo falou e, para o nosso azar, os caras já estavam lá apontando mais de 20 fuzis para a gente. Eu olhei para eles quase chorando e falei:
- Tá bom, senhor, a minha mãe tinha razão, era isso que tu queria ouvir, ela tinha razão e eu me ferrei, agora me tira daqui pelo amor de Deus.
- Eu quero você fora do carro com as mãos para cima, senão o bagulho vai ficar doido – o cara gritou boladão.
- Quem vai sair primeiro? – o Barata falou com medo.
- Um ano na cadeia para descobrir que fui corno, para descobrir que meu filho era de outro e agora isso, mano, o inimigo está trabalhando firme na minha vida. Cadê aquele bagulho que os humilhados serão exaltados? Na minha vez, a frase perdeu a força e eu só vou descendo as ladeiras da vida. Mas papo reto, senhor, se eu morrer, no mínimo eu quero que o Xará more lá também, senão eu vou ficar muito bolado.
- Isso não é hora para reclamar, Veigh, sai logo do carro, c*****o – o Barata falou vendo os homens da Maré se aproximando.