Veigh
Tô nesse inferno me segurando pra não matar ninguém. Já tem um ano que eu rodei em um assalto a banco na pista e eu tenho certeza que o bagulho foi dado pro cu azul, porque eu rodei sozinho no meio de 10 homens. Mas eu vou deixar pra resolver esse bagulho lá. Minha fuga é hoje e eu não passei a visão pra ninguém. Quando eles verem, eu já vou tá botando a minha cara no morro e aí, meu mano, ninguém vai me impedir de matar o rato que me jogou aqui na covardia. Eu sempre digo que essa p***a é longa, mas não é perpétua e que uma hora ou outra a Lili ia cantar.
- Tu tem visita.
- Pode mandar ralar, eu não tô esperando ninguém.
- A mulher falou que é tua coroa, tem certeza que é pra mim mandar ralar?
Arqueei a sobrancelha durante alguns minutos e fiquei me perguntando o que a Dona Sandra tava fazendo aqui. Ela nunca botou a cara em Bangu, nem me ligou, e agora do nada resolveu dar uma de boa mãe vindo me ver. Tem algo errado.
Ela entrou com a cara fechada e eu abaixei a cabeça, tá ligado? Eu sempre fui aquele típico filhinho de mamãe que tinha tudo na mão na hora que eu queria, mas quando meu coroa morreu, a mordomia acabou. Eu comecei a ver minha mãe trabalhar em 3 lugares para continuar pagando a minha faculdade e quando eu me formei, sabe o que eu fiz? Fui trabalhar na contabilidade do morro do Chaves. Os caras começaram a me elogiar porque eu era muito inteligente e quando eu vi, eu já era sub do morro. Depois de uns meses, os cu azul entraram lá e mataram o Barão. Foi aí que os caras me fizeram chefe, tá ligado? Eu até tentei recusar, mas eles não deixaram. Da primeira vez que eu tive que matar uma pessoa, fiquei um mês sonhando com ela, mas depois a gente se acostuma.
- Vai ficar muda, dona Sandra?
- Eu tô olhando a merda que tu se enfiou, Thiago. Eu deveria virar a mão na tua cara, mas não ia adiantar, né? Essa é a vida que tu escolheu seguir – ela falou, sentando-se na cama dura que tinha ali.
- Veio aqui depois de um ano pra me dar sermão, mãe.
- Se fosse isso, tava bom, mas eu vim aqui pra falar que mataram teu irmão na entrada do teu morro e que me expulsaram da nossa casa, Thiago, e que eu tô sem pra onde ir.
Eu fiquei calado durante alguns minutos e as lágrimas caíram de forma involuntária. Como assim mataram meu menor? Ele só tinha 15 anos.
- Não, po, tem algo errado – Gritei, dando um soco na parede.
- Não tem nada errado não, Thiago. Outra facção entrou junto com o Xará e eles colocaram geral pra fora. Teu irmão foi desavisado jogar bola e tomou um tiro na cabeça, p***a – ela falou, chorando.
Fechei a mão na hora, me ligando que ele me colocou pra fazer essa patifaria, mano. Como ele teve coragem de fazer uma p***a dessa?
- Eu vou sair daqui e eu te prometo que vou arrancar a cabeça dele.
- Já perdemos demais, talvez essa seja tua chance de sair daqui limpo. Eu não vim te visitar pra te pedir vingança, eu vim te visitar pra te pedir pra sair dessa vida que tu tá levando. Eu não vou aguentar ver o corpo de outro filho meu estirado na porr@ de um chão no sol quente de meio dia. Você não tem noção do que foi ter que esperar a permissão dele pra tirar o meu filho dali. Vamos embora para Minas Gerais, vamos viver uma nova vida, Thiago. Eu sei que eu fiquei ausente por anos e que você pode achar que foi porque eu não te amava, mas foi porque eu não ia aguentar de sofrer aqui. Você era o meu orgulho quando saiu da faculdade e de repente se tornou o meu pior pesadelo. Eu implorei pra Deus te proteger toda a minha vida, mas eu nunca vou compactuar com isso, meu filho. Então, tenha piedade dessa tua mãe e vamos embora.
- Tu pode achar que eu gosto dessa vida, mas a necessidade faz o ladrão. E uma vez dono de morro, sempre dono de morro. E isso vale para qualquer buraco que eu me enfie no Brasil. Só me diz uma parada, o que ele fez com a Cristina e com o meu moleque?
Ela abaixou a cabeça, negando. Durante alguns minutos, a minha mente travou. Eu tentei decifrar o que a expressão no rosto dela ia me dizer, mas nada foi tão pesado quanto as palavras que saíram da boca dela.
- O menino não é seu filho, Thiago. E, pelo visto, a Cristina já estava com o Xará muito antes de tu ter algo com ela. Assim que ele matou o teu irmão, eu mandei o Flavio na casa dela e ela estava beijando o Xará. Quando ele perguntou o que estava acontecendo, ela disse que ele era o pai do filho dela.
Me sentei na cama, encostei a cabeça na parede tentando controlar a minha raiva, mas estava difícil. Eu queria a cabeça dele, mas eu queria ainda mais a cabeça daquela vagabund@ que me jurava amor quando eu estava lá fora. Mas eles não perdem por esperar, é hoje que eu saio dessa merda.
- Mete o pé pra Minas com o Flavio, eu vou ficar. Eu tenho contas para acertar com a Cristiane e com o Xará, e eu quero que a senhora fique longe e segura.
- Meu filho, por favor, vem com a sua mãe.
- Tu tem dinheiro? Porque se não tiver, eu mando um dos meus te dar um malote bom pra tu segurar a barra durante um ano, depois eu mando mais.
- Não quero esse dinheiro sujo, porr@. Eu quero o meu filho de volta, eu quero o meu Thiago de volta. Será que isso não entra na tua mente? Você só tem 26 anos, se continuar nessa merda de vida, não vai passar dos 30.
- Mãe, esse bagulho foi o que eu escolhi para mim. Eu tô ligado que tu não aceita e não se sinta culpada, a culpa é minha. Eu nasci para a coisa errada e eu não vou sair dela, mesmo que eu tenha que morrer.
Ela começou a chorar, me abraçou e saiu da cela. Eu fiquei ali devastado com tantas informações, mas é aquilo: onde tem um rato, tem dois, e eu faço questão de mandar eles para a vala.