Merda! Invoquei mesmo um demônio?

4266 Words
Eu não entendia ainda como não conseguia gritar. O susto foi tão grande que o meio do meu peito estava doendo, mas por que eu ainda estava parada com a boca aberta olhando para aquilo, que com toda certeza era um vulto preto no canto da parede? Por que o que quer que aquilo fosse não nos matou ainda? Ou me matou? Ou possuiu, sei lá... Conforme eu divagava eu sentia meu pânico crescer. Seja o que quer que aquilo fosse, estava claro que estava brincando comigo. — Rose, tudo bem? - meu corpo pulou automaticamente ao ouvir a voz de Rebecca. Não tinha percebido seus suaves roncos pararem e pior ainda, seu tronco se erguer da cama e sua mão erguer-se prestes a  acender a luz. Queria gritar para que ela não acendesse aquela luz, porém minha voz ainda estava presa na garganta e eu ainda tinha os olhos fixos naquela sombra que não parecia querer se mover tão cedo. Por um momento me perguntei se a sua aparência em um ambiente totalmente claro seria o suficiente para me dá um ataque do coração. — Rose? - a voz de Rebecca ecoou novamente e eu escutei o som do interruptor de luz antes mesmo da claridade da lâmpada machucar meus olhos. O grito ficou estrangulado em minha garganta e de meus lábios saiu somente um miado rouco. — Meu Deus! Você está engasgando?! - a voz de Rebecca subiu algumas oitavas e no momento seguinte tudo que eu senti foi ela esmurrando minhas costas. Queria pedir para que ela parasse, mas a minha voz ainda não saia. Tudo que eu fazia era vasculhar cada canto daquele quarto em busca de um rosto horrendo para minha sombra perturbadora. Não era isso que eles falavam? Que demônios, fantasmas, ou o que quer que tenha vindo nos – me – perturbar, vinha em sua pior forma? — Rose, Rebecca? O que está acontecendo aí? - a voz sonolenta de Brenda ecoou rouca e baixa, quase eu não escutava devido aos murros que ainda levava nas costas. Seria melhor eu tossir para que Rebecca parasse de tentar colocar meus pulmões para fora pela minha boca. Eu conseguiria tossir ou se quer fazer alguma coisa? Pois estava claro para mim que eu estava em completo pânico. — Estou bem... - consegui murmurar baixinho e ensaiar uma tossida depois de varrer o quarto com o olhar angustiado umas duas vezes. Quando eu não vi absolutamente nada meu coração foi capaz de voltar ao normal. — Eu vou buscar um pouco de água para ela. - Rebecca falou baixinho e a sua mão que antes socava minhas costas, agora passava pela mesma como um carinho. Quase como um pedido de desculpas pela tentativa de me matar aos murros. Olhei para ela alarmada querendo pedir que ela não fosse. Eu tinha medo que aquilo que nos observava, ou me observava, estivesse lá fora somente esperando para nos pegar. Mas já era tarde. Rebecca deveria estar realmente preocupada comigo, pois praticamente correu do quarto. — Rose, aconteceu alguma coisa? Você está bem? - o rosto de Brenda apareceu em meu campo de visão e eu pude perceber em seus ansiosos olhos azuis que ela estava se perguntando se isso tinha haver com o acontecido no porão. — Você teve um pesadelo? - a voz dela saiu sussurrada, pois já conseguíamos escutar o barulho dos corpos se mexendo nas camas, o que indicava que algumas meninas tinham acordado e estavam de olho na gente. — Eu... eu acho que sim. - sussurrei de volta tão baixo que me perguntei se ela tinha escutado. Seus lábios se comprimiram em uma linha reta e seu olhar preocupado se tornou carregado de culpa. Eu sabia que ela estava se culpando pelo que tinha acontecido lá embaixo. — Bren, está tudo bem. - forcei minha voz a sair o mais tranquilo possível. Não era justo que ela se culpasse, ou que eu a deixasse ficar preocupada. Pelo que eu sabia eu poderia muito bem ter imaginado coisas. Não iria revelar meus medos e deixar todas essas meninas assustadas. — Foi só um pesadelo. - murmurei ainda com a voz baixa para que só ela me escutasse. — Aqui sua água. - eu não tinha percebido que Rebecca estava de volta até ela aparecer na minha frente estendendo um copo logo cheio de água. — Bebe devagar. - ordenou ainda olhando para mim com seus olhos castanhos repletos de preocupação. Eu gostava de Rebecca, era uma garota legal e na dela, e se ela conseguiu ir e voltar da cozinha intacta pode ser que eu tenha imaginado coisas mesmo. — Obrigada, Becca. - murmurei seu apelido que raramente usava. Não éramos tão chegadas assim para viver grudada como eu vivia com Brenda, mas éramos próximas o suficiente para que eu a chamasse carinhosamente. E ela parecia não se importar. — Estou bem, é sério. Foi só um pesadelo. - falei torcendo para que minha voz soasse convincente ao ponto de até eu mesma acreditar. Depois de umas olhadelas significante de Brenda e do resto das meninas que participaram do fiasco da sessão de Ouija, Rebecca se deu por vencida e concordou que todas podíamos voltar a dormir em paz. Conforme ela ia andando até a cama dela, e consequentemente até o interruptor de luz, senti vontade de pedir para que ela deixasse a luz acesa. Mas, o olhar curioso de Linda me fez travar na cama. Eu ainda não estava cem por cento certa de que aquilo não tenha sido uma armação dela, e eu não iria mesmo dar o gostinho de pedir para dormir com a luz acesa igual uma criança. Mesmo temendo ver coisas no escuro novamente. Eu estava começando a crer que aquilo realmente era coisa da minha cabeça fértil. O barulho do interruptor ecoou, deixando o quarto no mais profundo breu. O primeiro arrepio tomou meu corpo inteiro, desde o dedo do pé até o ultimo fio de cabelo. O segundo arrepio fez meu corpo estremecer e meus braços formigarem. Eu podia sentir meu coração acelerar junto com a minha respiração. Queria fechar meus olhos, mas eu não conseguia e sem que eu permitisse minha cabeça virou diretamente para o canto em que eu tinha visto ele. E lá estava um contorno masculino, enorme e preto, que quase tinha me matado de susto a primeira vez que eu vi, não que dessa vez fosse diferente. Fiquei estremecendo no lugar, congelada, esperando que ele me matasse ou me assustasse de um jeito que a minha alma saísse correndo do meu corpo. Mas nada aconteceu. Ele só ficou lá, parado, esperando. m*l se mexia e se eu fosse realmente esperta iria aceitar que aquilo tudo não passava de fruto da minha imaginação, pois embora eu tivesse passado minha vida toda em um convento, ainda não acreditava em céu, inferno e consequentemente em demônios ou almas penadas.  — Eu não tenho medo de você. - sussurrei pausadamente depois de ter percebido que eu era a única acordada ali. Meu coração já não estava tão acelerado assim e eu forcei meu corpo a se acalmar na marra, embora os malditos arrepios continuassem de tempos em tempos. Encarei em choque quando um sorriso branco se destacou na sombra e cobri meu corpo dos pés à cabeça com o grosso cobertor. Se ele for fazer algo eu não quero ver. Se for real eu não tenho chances de escapar mesmo e se não for real eu que não vou gritar como uma garotinha medrosa. Me peguei murmurando baixinho todas as orações que eu tinha aprendido nesses sete anos de convento e ouvi um riso baixo. Meu corpo paralisou sofrendo o espasmo mais violento que já senti, de fato, parecia que eu convulsionava de medo, pois o riso estava ali dentro comigo, embaixo dos lençóis. — Por favor... - minha voz saiu baixa, um choramingo, pedindo pelo o que eu não sei. Que ele fosse rápido? Que me deixasse em paz? Que poupasse pelo menos as outras cinco idiotas que não teve culpa por eu tê-lo invocado? Automaticamente me lembrei da regra número cinco "Nunca saia do jogo sem dizer Adeus". E me peguei murmurando sem parar a palavra "Adeus" torcendo para que de algum jeito aquilo me deixasse em paz. Talvez tenha dado certo, talvez ele só tenha se cansado, ou talvez minha mente insana tenha dado uma trégua já que eu adormeci pelo cansaço com a sombra do seu riso em meus ouvidos. Na manhã seguinte mais do mesmo. Eu não conseguia vê-lo conforme ia fazendo minhas tarefas do dia, mas eu conseguia sentir sua presença. E parecia que eu era a única, pois esperei que alguma das meninas deixasse escapar alguma coisa sobre estarem vendo algo, ou sendo atormentadas, porém nada aconteceu a elas. Fiquei apreensiva o dia todo esperando que a nossa escapulida ao porão tivesse sido descoberta, mas aparentemente por mais ensurdecedor que tenha sido o barulho que fizemos, absolutamente ninguém tinha acordado. Nenhuma de nós se quer tocou no assunto e eu andava inquieta pelos cantos, tentando captar qualquer indicio de que alguma das garotas tenham visto algo, mas aparentemente estava tudo normal. A noite assim que as luzes se apagaram, voltei meus olhos ansiosos para o canto onde o vi a primeira vez, e lá estava sua sombra. Meu coração deu o costumeiro salto e acelerou, mas eu me mantive em silencio, esperando, esperando... Porém, ele só ficou olhando. Fui vencida pelo cansaço, enquanto observava a sombra e esperava que ela fizesse o mínimo movimento. ... Andei cautelosamente ao lado de Brenda enquanto íamos tomar o café da manhã, e depois todas nós limparíamos o refeitório. Quatro dias tinham se passado desde o dia em que fomos ao porão. Quatro dias em que eu tinha um visitante oculto em meu quarto, que eu tentava inutilmente me forçar a acreditar que era coisa da minha cabeça. Afinal, ele não tinha feito nada com nenhuma de nós. E o fato de somente eu conseguir vê-lo, me fazia insistir nessa ideia de que eu o inventei. — Você está muito estranha! Por que exatamente está seguindo a Linda e a Laura? - a voz curiosa de Brenda ecoou e eu olhei para ela com a sobrancelha franzida. — O que? Eu não... — Rose, você ficou se esgueirando perto delas quase a manha toda! Sempre uns passos atrás, sempre de olho... - eu não tinha percebido se quer que estava fazendo isso. — Está querendo se vingar? Por que se for isso, eu topo! - aquela altura Brenda já estava completamente convencida de que tinham sido Linda e Laura que armaram aquilo para cima da gente. Eu escutei calada enquanto ela confidenciava suas conclusões para Ágatha e Alicia. Aparentemente o medo já estava esquecido e agora tudo que ela pensava era em se vingar. — Eu não estou seguindo ninguém, mas irei pensar na ideia de uma vingança. - murmurei esperando que aquilo fosse o suficiente para que ela esquecesse essa história e observei a cabeleira loira de Linda virar à esquerda no corredor que dava para a biblioteca. Virei para o outro lado, em direção a pequena igreja improvisada que tínhamos no convento. Passei o resto daquela manhã adiantando as orações diárias. Tanto que quando terminei era quase a hora do almoço. Não esperei por Brenda, queria ficar sozinha, então me levantei e caminhei a passos rápidos pelos corredores até chegar ao banheiro. Era um banheiro coletivo, embora graças aos céus, os boxes fossem individuais. Eu odiava tomar banho com aquele monte de garotas. Suspirei agradecia quando vi que estava sozinha no local. As pequenas cabines azuis estavam fracamente iluminadas pela luz do sol, que entrava das quatro janelas no alto da parede. Entrei no ultimo boxe e puxei a cortina de plástico para esconder meu corpo ali dentro. A água demorou a esquentar, tanto que quando finalmente atingiu uma temperatura morna, meu corpo estava totalmente arrepiado. Tomei estremo cuidado para não molhar os cabelos, e fechei os olhos ao sentir a água morna cair no meu rosto. — Quem está aí? - murmurei virando-me e abrindo os olhos automaticamente. O arrepio subiu pela minha espinha ao notar a cortina balançar, como se alguém tivesse passado a mão nela. — Quem está aí? Eu juro por... - calei-me ao sentir a cortina movimentar-se como se um vento forte tivesse passado por ela. Nessa altura a água do chuveiro já caia extremamente fria, mas não era a água fria que me fazia estremecer. Era a presença dele. De algum jeito eu, ou o meu corpo, estava consciente da proximidade dele mesmo sem conseguir vê-lo. Eu podia senti-lo... — Deus... - murmurei baixinho, implorando... Se quer pensando no fato de que o que quer que fosse aquilo, não iria gostar de ouvir se quer uma menção a Deus. — Shi... - foi a primeira vez que escutei algo vindo dele. Não era exatamente o som de sua voz, parecia como um sopro de mormaço diretamente em meu ouvido. Era quente... Quente como o inferno deveria ser. Estremeci ao pensar isso. E acabou tão rapidamente, como começou. Notei vozes se aproximando e consegui soltar a respiração que nem sabia que estava segurando. Meu coração começou a bater dolorosamente rápido dentro do meu peito, na certa tentando compensar as batidas que eu tinha perdido ao sentir aquele sopro. Procurei respirar algumas vezes, enquanto fechava o registro do chuveiro e pensava em o que quer que fosse aquilo, queria perturbar somente à mim, pois assim que outras garotas se aproximaram ele foi embora. Procurei me acalmar tendo em mente que se aquela presença quisesse me machucar, já teria o feito com ou sem testemunhas. Me troquei o mais rápido que pude, sem dar atenção às garotas que conversavam entre si ao se prepararem para tomar banho. Fui em direção a lavanderia e depois diretamente para o refeitório. Tínhamos horário para tudo e com as refeições não seria diferente, caso alguma de nós se atrasasse ou não comparecesse, teria que aguardar até a próxima refeição ou ficar com fome. Logicamente tinha a irmã Izobel, que era praticamente uma santa e nunca nos deixava com fome, ou nos castigava como a irmã Maria. — Está tudo bem? - Brenda me olhou assim que eu me sentei. Seus olhos azuis estavam confusos ao me encarar. — Sim, por que? - olhei brevemente para ela e depois voltei a atenção para minha comida. Não queria que ela visse a apreensão em meus olhos ao esperar por sua resposta, eu temia que ela começasse a dizer que também estava vendo coisas ou sendo perturbada. — Olha, vou ser a mais clara possível. Não fica irritada e nem faz besteira, só toma cuidado. Porque L1 e L2 estão tentando armar alguma coisa para cima de você. - ela murmurou tudo tão rápido que demorei um tempo para processar que ela estava falando de Linda e Laura. — O que? - eu ainda estava com a boca cheia quando perguntei e isso fez ela respirar aliviada e depois fazer uma careta. —Eu as ouvi cochichando com Ágatha e Alicia, sobre alguma coisa entrando em você. - eu olhei para ela com uma interrogação estampada em meu rosto, e estava pronta para abrir a boca e protestar, quando ela levantou a mão me silenciando. — É sobre aquilo que aconteceu no porão. Elas estão insinuando que alguma coisa... alguma coisa te possuiu, sabe? - a voz dela estava com um som descrente no final. E ela bufou para complementar o quanto de credito ela dava à essa história. — Confesso que fiquei com medo no começo, e você me deu um baita de um susto naquele dia, mas isso não existe! Acredito que se realmente tivesse algo conosco, não nos deixaria em paz. Aquilo do porão foram aquelas duas mocreias e agora estão tentando fazer a cabeça de Agatha e Alicia, e além do mais... - olhei-a no momento em que ela voltava sua atenção para seu prato e o canto de seus lábios se levantavam em um sorrisinho. — Nenhum demônio que se preste iria possuir uma pessoa e deixar ela falar com a boca cheia na hora do almoço. - brincou rindo baixinho e eu rolei os olhos sabendo que ela odiava que eu falasse de boca cheia e não iria deixar o momento passar sem me dá uma alfinetada. — Ridícula! - murmurei fazendo questão de enfiar o máximo de comida na boca e mastigar fazendo barulho. Ela fez uma careta, mas sorriu depois. — Só toma cuidado com essas vacas, ok? Se precisar grita que eu vou atrás delas com minha faquinha de serra. - ela levantou a mão onde segurava a faca de cortar carnes somente para enfatizar o que tinha dito. Eu ri baixinho sendo acompanhada por ela, mas no fundo minha mente me lembro que Linda e Laura não estavam completamente erradas. Eu não estava necessariamente possuída, mas alguma coisa estava atrás de mim. Eu estava quase convencida de que não poderia ser somente fruto da minha imaginação, as sensações eram vividas demais. Passamos o resto da tarde entre a sala de leitura e as obrigações estudantis. Eu estava com a cabeça tão cheia que quando deu a hora de jantar eu preferi me manter na biblioteca para terminar a enxurrada de lições que irmã Maria tinha passado. Não iria correr o risco de acabar ajoelhada no milho por não ter entregado a maldita lição. Eu não fui a única a ficar na biblioteca. Duas adolescentes estavam cochichando entre si, sem nenhum livro aberto entre elas, e eu me perguntei se eu estava atrapalhando algum tipo de pegação. Procurei ignorar e voltei a atenção para o meu caderno e o grosso livro que eu tinha ao meu lado, de qualquer forma ali não era lugar de namorar. Esperei que elas se tocassem que eu não sairia e saíssem elas mesmo, mas aparentemente elas estavam ignorando minha presença e não pareciam tão incomodadas comigo. Continuei ignorando-as até perceber a luz do candelabro no fundo da biblioteca piscar e se apagar. Olhei para lá curiosamente, sentindo o costumeiro arrepio pelo meu corpo. Encarei nervosamente as garotas risonhas e os seus olhos divertidos se cruzaram com os meus. — Essas lampas velhas... - uma delas murmurou divertida e a outra somente deu de ombros, como quem dissesse "deixa para lá", mas eu sabia, eu sentia, que não era isso. Juntando todo o requisito de coragem que tinha em meu corpo, me levantei arrastando a cadeira em um barulho absurdamente alto e fui em direção aos fundos da biblioteca. Eu queria que alguém estivesse prestando atenção, pois em minha mente completamente insana, o que quer que fosse aquilo não me faria m*l diante de plateia. Loucura? Talvez! Mas, continuei seguindo mesmo assim. Eu podia sentir sua presença, mas mais do que isso, eu podia ver uma sombra perfeita de um corpo masculino e alto. — Quem é você? O que quer? - murmurei corajosamente e esperei por uma resposta. Olhei ansiosa para trás e peguei as duas meninas me encarando com curiosidade. Xinguei-me mentalmente por não ter falado mais baixinho. Um punhado de livros caíram da estante com violência, me fazendo dá um pulo assustado para trás. Ouvi as cadeiras serem arrastadas as minhas costas. — Desculpe, derrubei sem querer. - me forcei a sorrir, mesmo que nervosamente. As expressões das meninas ainda eram de confusão. — O que estão fazendo? Já para cama! O jantar acabou a quinze minutos! - a voz de Izobel ecoou de repente e nos fez levar um susto. Peguei os livros do chão apressadamente e enfiei-os em seus respectivos lugares, prendendo a respiração ao perceber um par de olhos vermelhos me observando sob a escuridão entre os livros. Enfiei o último livro apressadamente e sai correndo dali o quanto antes. — Meu deus, Rose! Onde estava? A irmã Maria vai chegar a qualquer momento. - Brenda foi jogando a camisola em minha direção, enquanto eu me apressava em retirar a roupa que éramos obrigadas a usar aqui no convento, um vestido cinza com cumprimento de um palmo abaixo dos joelhos e uma blusa de mangas cumpridas branca e com botões, que usávamos por debaixo do vestido. Esse era nosso uniforme, como ainda não éramos formadas não usávamos as roupas próprias para freiras. — Perdi a hora estudando na biblioteca. - murmurei passando a camisola por minha cabeça e alisando a roupa e os cabelos no momento em que via a maçaneta da porta ser aberta. Chutei as roupas que estava usando momento antes para debaixo da cama. —Estão prontas?! - a voz autoritária da irmã Maria ecoou e todas respondemos um sonoro "sim" e nos ajoelhamos. Assim que meus joelhos tocaram o chão eu me perguntei o que a minha visita iria pensar ao nos ouvir rezando. — Então vamos! Pai Nosso que estais no céu... - a voz dela ecoou rouca e forte em toda a oração, cinco vezes, e logo depois ela começou a fazer sua oração de praxe, enquanto murmurávamos nossa própria prece baixinho, até que ela terminasse a sua. Eu me mantive calada, enquanto sentia aquela mesma quentura que senti ao banheiro, mas dessa vez estava em meus joelhos, embaixo da cama. Meus olhos se arregalaram com o horror. — Amem! - a voz dela encerrou o ciclo de orações e eu fui obrigada a forçar meu corpo a se levantar, apoiei minhas mãos na cama, não confiando totalmente em minhas pernas. A irmã Maria e irmã Izobel ficaram ali até que todas nós estivéssemos deitadas, e quando nos cobrimos irmã Maria apagou a luz e se retirou do quarto. Fiquei ali deitada na cama, naquele quarto escuro, escutando cada uma das meninas caírem no sono. Primeiro os cochichos foram silenciando-se aos poucos, depois o som dos corpos se remexendo inquietos foram acabando e por fim, o quarto caiu no mais profundo silencio, enquanto o leve ronco de Rebecca era a única coisa que me chamava atenção. Eu ainda estava congelada, com medo de me mexer e ver ele sair debaixo da minha cama. Por mais que estivesse acostumada a ver a sombra sempre parada no canto do quarto, eu não saberia a minha reação ao vê-lo sair debaixo da minha cama. E parecia que ele pensava o mesmo, pois foi um segundo só de distração para que eu percebesse que ele já tinha saído e voltado ao seu local habitual. Olhei atentamente em direção ao seu rosto, esperando ver os orbes vermelhas, mas não tinha nada ali. Somente escuridão. Uma sombra n***a, que poderia facilmente ser considerado coisa da minha cabeça. Mas não era, prova disso foi eu vê-lo mexer-se brevemente e coçar o seu nariz. Sim, coçar o nariz! — Oh, por favor! - rosnei baixinho em um ímpeto de fúria e joguei os lençóis no chão. Eu não sabia o que pretendia fazer, mas eu iria fazer alguma coisa. Eu não pensei muito no que estava prestes a fazer, e isso não foi inconscientemente. Eu sabia que se pensasse muito eu não teria coragem o suficiente para isso. Então, somente deixei que aquele impulso corajoso me comandasse e não deixei espaço para me arrepender quando me vi parada em frente a porta do porão. O costumeiro arrepio percorreu meu corpo e dessa vez eu não soube dizer se era a presença dele ou se era porque eu sabia que aquilo era uma péssima ideia. Antes que eu me acovardasse abri a porta, tomando o devido cuidado de fecha-la novamente atrás de mim, e desci as escadas em direção a completa escuridão, enquanto segurava no corrimão para firmar meu corpo. Estendi minha mão à frente do meu corpo, tateando em busca de algo para me segurar. Sozinha, naquele porão escuro, eu podia pensar facilmente em mil motivos que justificasse como aquela ideia era r**m. Me assustei quando trombei com algo e o barulho ensurdecedor ecoou naquele cômodo, reverberando em minha mente e fazendo meu coração pular dentro do meu peito dolorosamente. — Por que não para de tentar andar por aí as cegas? Não quer acordar todo mundo, quer? - eu não estava pronta para escuta-lo. Eu não sabia nem o que eu iria falar ou fazer para fazê-lo falar alguma coisa. Mas ali estávamos, sozinhos, no mais completo escuro, enquanto eu tremia e tentava a todo custo enxerga-lo naquele breu. Era completamente impossível. — Onde você está? - me forcei a falar, tentando ao máximo colocar convicção na minha voz. Eu queria aquilo não era? Eu queria vê-lo e acabar logo com aquele mistério. Pois uma coisa era certa: Invocamos alguma coisa com aquele jogo e******o, e parecia que a coisa só tinha aparecido para mim. Ofeguei quando percebi seu olhar avermelhado aparecer sob a escuridão. — Quem é você? - sussurrei encarando o ponto onde ele estava. Eu estava começando a ficar apavorada, e aquele cenário não era dos melhores. Esperava que ele se revelasse algum espírito brincalhão ou qualquer coisa do tipo ao invés de algo mau. Eu precisava crer nisso, ou então eu tinha me posto em uma baita enrascada. Mas o fato dele se manter na sombra me fazia teimar comigo mesma em dizer que se ele quisesse me machucar já teria feito. — Você não sabe? - sua voz era baixa, suave até. E a pergunta foi murmurada roucamente em uma falsa surpresa. — Mas foram vocês mesmo que me chamaram! Meu nome é Nathaniel, ou devo me apresentar como Sr. Demônio? Puta merda! 
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