Sapiranga, Rio Grande do Sul, 18 de Janeiro de 2017.
Paloma e Lucas namoravam há dez meses e logo iriam morar juntos. Isso por que os pais do rapaz iriam se aposentar e se mudar para o litoral, deixando vaga a casa onde moravam.
Tão logo seus pais se mudassem Lucas levaria a namorada para viver com ele, iniciando assim a vida de casal. Apesar de estarem juntos há menos de um ano já faziam planos para o futuro e desejavam um filho.
Como ambos trabalhavam fora, decidiram rejeitar a oferta de continuar com a loja que a mãe de Lucas tinha. O empreendimento ficava em frente à uma escola, e no início era apenas um pequeno xerox, mas estava crescendo e prosperando. E agora dona Regina já estava vendendo roupas, calçados e acessórios.
Tudo ia bem, até que um mês e meio antes da mudança Lucas telefonou para Paloma às três da tarde, horário em que ele deveria estar trabalhando.
Paloma trabalhava como fiscal de caixa em um supermercado há cinco anos. Soltava do serviço às 17:20 e ia com a irmã mais velha para a parada de ônibus, já que ambas trabalhavam no mesmo quarteirão. Atendia um cliente quando seu telefone tocou, e na hora apenas rejeitou a chamada. Em seguida avisou a colega que iria ao banheiro, e lá retornou a ligação.
- Oi amor. Que que era?
- Oi Loma. Quando sair daí vem direto pra cá, por favor?
- Vou sim amor. Mas por que?
- Só vem tá? Aqui eu te explico, tá bom? – Respondeu ele já encerrando a ligação.
Paloma sentiu nervosismo na voz do namorado, o que a deixou intrigada e preocupada. Anotou em algum lugar da cabeça que devia ir correndo para a casa dele após o expediente, e assim seguiu trabalhando.
Às 17:20 vieram e se foram, e Paloma foi embora do serviço também, despedindo-se dos colegas e indo em direção à parada encontrar Elizabeth.
Paloma e a irmã tinham um ano e meio de diferença, e a mais velha trabalhava como auxiliar contábil em um escritório. Iniciou lá como auxiliar administrativo após ter feito um curso, e depois formou-se técnica em contabilidade. Seu próximo objetivo era a faculdade, o que ela esperava que lhe rendesse um melhor cargo e um maior salário.
As duas moravam com a mãe na direção oposta da cidade onde ficava a casa de Lucas. Paloma viu a irmã chegar e começaram a conversar, o que fez a menina se distrair e esquecer de deveria pegar outro ônibus, só se lembrando disto quando faltava uma parada para descerem em casa.
- Ai meu pai!
- Que foi?
- Eu tinha que ir lá no Lucas! Agora!
- Ai, por que não me avisou? Eu tinha te lembrado lá na parada!
- Eu esqueci! Esqueci completamente!
- Ô cabeça de vento!
- Brigada pela parte que me toca. Tá, vou em casa primeiro, me troco e depois vou lá.
As duas desceram, caminharam um trecho até em casa e entraram. Paloma tomou banho e bebeu um copo de café. Apenas penteou o cabelo e logo saiu, cruzando com a mãe no portão.
- Ué Loma, onde é que vai?
- Oi mãe. – Disse ela lhe dando um beijo na bochecha – Tô indo no Lucas.
Dona Soraia revirou os olhos, mas Paloma explicou.
- Já era pra eu tá lá. Ele ligou três da tarde e pediu. Vou lá se não perco o ônibus! – Completou e saiu correndo, chegando na parada só na hora do ônibus passar.
Soraia entrou em casa e cumprimentou Beth que saía do banho enrolada na toalha.
- Paloma correu pra casa do Lucas, peguei ela saindo no portão. Mas que que é isso agora? Já vive lá, dormiu lá ontem, já vão morar juntos. Pra que tanto fogo agora no início? Que que vai sobrar pra depois que casar? Santo Deus!
Dito isto ela entrou em seu quarto e foi escolher roupa para tomar banho. Elizabeth riu e foi se vestir.
Soraia terminou o banho e foi tomar café com a filha.
- Mas mãe, a Paloma tava bem nervosa. Não sei que que é. Ela não falou.
- Nervosa? Por que? Por que ele não falou pelo celular?
- Não sei. – Inteirou Elizabeth dando de ombros.
- Bom, eu vou me arrumar que eu vou na igreja. Vou pegar o das dez pras sete.
- Volta no das nove e vinte?
- Sim dona moça. – Disse a mãe rindo da preocupação da filha.
O pai das meninas havia falecido no ano de 2011, e após a morte dele as meninas se tornaram muito mais preocupadas com a mãe do que antes.
Soraia era evangélica praticante e ia na igreja toda Segunda, Quinta e Sábado, mas naquela Quarta-feira haveria um evento e ela decidiu comparecer. Elizabeth aproveitou que estava sozinha e foi assistir um filme.
*
Paloma chegou à casa de Lucas, e dona Regina veio abrir o portão.
- Oi sogra. Desculpa, ele ligou antes mas eu não lembrei.
- Ah minha filha, ele tá arrasado.
- Que que foi?
- Botaram ele pra rua do serviço. – Disse ela tão baixo que a nora teve que ler seus lábios.
Paloma arregalou os olhos e entrou na casa depressa.
- Oi amor. O que houve?
Lucas a abraçou.
- Me demitiram. Foi um monte de gente pra rua e eu fui também.
- Ah meu amorzinho.
Dona Regina entrou em casa e lamentou o ocorrido. Seu Rogério, o pai de Lucas, apareceu e a cumprimentou. Paloma respondeu a saudação e Lucas seguiu com o assunto.
- Mas isso nem é o pior.
- Meu Deus! – Exclamou a jovem.
- Me pagaram 500 reais de rescisão.
- O que?!
- O que tu ouviu. Me deram 500 reais de rescisão e tchau.
Paloma levantou do sofá, ainda sem acreditar.
- Pois é. – Disse dona Regina.
- Deram 500 p**a na mão do guri e mandaram assinar um recibo. Onde que já se viu isso? – Disse o pai de Lucas.
- Que loucura é essa? Surtaram?
- Não sei minha filha, não sei.
- Cinco anos perdidos lá Loma. Cinco anos! Pra nada!
- Calma, logo tu arruma outro emprego.
- Vamo comer uma pizza? – Perguntou seu Rogério de maneira completamente aleatória.
- Ah pai! E eu lá tô com humor pra pizza?
- Pizza melhora o humor de qualquer um Lucas. Vamo comigo ali comprar uma pizza Paloma?
- Eu vou contigo Pedro. – Retrucou Regina.
Na verdade o nome do pai de Lucas era Pedro Rogério, sendo que apenas dona Regina o chamava pelo primeiro nome. E geralmente ela o chamava assim quando não gostava de algo.
- Não. A Paloma vai. Vamos Paloma?
- Vamos sim, já volto amor. – Disse a jovem dando um selinho no namorado.
Em seguida ela e o sogro saíram, e dona Regina ficou em pé na sala sentindo-se contrariada. Lucas percebeu e a tranquilizou.
- Mãe, calma. Se a Paloma não prestasse eu não namorava com ela. E mais: o pai já se aposentou.
- Aham. Teu pai aposentado? Não apresenta teu pai pra mim Lucas, que eu conheço ele há 30 anos!
Como a pizzaria era perto, Rogério e Paloma foram a pé. No caminho começou a garoar e o vento estava mais frio, embora fosse ainda verão. Provavelmente viria tempestade em breve, e a jovem esfregou as mãos para esquentá-las.
- Friozão né? Amanhã amanhece chovendo. Certeza.
- Pois é. Mas sorte que amanhã o Lucas não precisa levantar cedo.
- Eu não me levanto tão cedo. Acordo às sete.
- Tu sabe que eu estava pensando Paloma, vocês podiam assumir a loja né? Daí a gente não precisava fechar, já que o Lucas perdeu o emprego.
- Paloma virou-se na direção do sogro, quase sem acreditar no que ouvira.
- Não meu sogro. A gente não quer loja nenhuma não. Ligeiro o Lucas arruma outro emprego, e eu trabalho também. Não posso botar fora cinco anos de serviço.
- Tu quer dizer que assumir uma coisa que tua sogra criou é botar fora cinco anos de serviço? – Perguntou ele sorrindo enigmático.
- Não! Eu quis dizer que eu nem sei administrar uma loja. Não posso me arriscar.
- Eu acho que vocês deviam pensar melhor nisso. Um negócio só pra vocês.
Chegaram à pizzaria. Seu Rogério cumprimentou a atendente e perguntou à nora qual sabor ela queria.
- Vou querer frango e Catupiry. O Lucas gosta de calabresa.
No caminho de volta seu Rogério seguiu tentando convencer Paloma, mas sentindo resistência da parte dela resolveu falar de outra coisa.
- Tu viu que o Lucas pegou 500 p**a de rescisão?
- Nem me fale seu Rogério, mais essa ainda.
- Pois é. Lá onde a tua irmã trabalha não tem como ver isso?
- Não, não tem. Lá é contabilidade, mas eu vou ver se ela não sabe de algum advogado.
- Tem um escritório ali do lado da loja. Vocês podem ver lá.
- Amanhã vamos lá ver sim.
Chegaram, jantaram e depois Rogério levou Paloma em casa. E Lucas seguiu de mau humor o tempo todo.
*
No outro dia ela trabalhou, e no final do dia quando ia para casa sua irmã notou que Paloma não estava bem. Assim que chegaram em casa e tomaram banho, Elizabeth já foi logo incentivando a irmã a dizer o que estava lhe incomodando.
- Fala. Fala que eu seu que algo tá te engasgando.
Paloma respirou fundo, olhou para o lado e encarou a irmã.
- É que eu amo o Lucas, amo mesmo. Só que eu não gosto, sei lá sabe? Não gosto do jeito que ele leva as coisas.
- Que coisas? – Questionou Beth encorajando a irmã.
Paloma havia se sentado na cama, e seu olhar agora era de alguém que buscava consolo.
- Beth, tu sabe que eu confio em ti né?
A irmã assentiu.
- É que desdo começo eu não gosto do jeito como o Lucas se...divulga sabe? Como ele se apresenta, como ele se mostra. Lá no começo quando a gente se conheceu ele dizia que o pai era rico, que tinha um carrão, que a casa era chique e tal. Só que eu fui conhecer ele eu vi que não era nada daquilo, e ele não acha que tem problema ser assim. O problema não é ele ser pobre, é mentir sobre o que tem.
Quando ele fala dele mesmo ele não se diz como ele é, ele fala uma coisa fantasiosa, uma coisa que ele quer ser, mas que ele acha que já é.