Capítulo 12: Alexandria

2594 Words
Egito, Paraíso Antes mesmo de aportarmos na praia, eu já podia ver a destruição causada pelos combates, tanto o meu contra Wurth, a Sunsáryak, quanto a luta que Miguel e Lana tiveram contra os outros três Ryaks. Eu desacelerei pouco enquanto ia contra a areia; o barco parou apenas quando mais da metade dele estava fora d’água e, logo em seguida, tombou para o lado. Por alguma razão, tanto eu quanto o anjo sorriamos por causa da adrenalina daquele momento. Lael, que havia se recuperado ainda mais durante o descanso da viagem, saltou para à praia logo depois de mim. Ele ainda mancava um pouco, mas já não precisava de meu apoio. Týr voou alguns metros a minha frente, chegando ao local do combate de Miguel e Lana antes de nós dois. Ela observou tudo com cautela, quase como se tentasse descobrir o exatamente aconteceu ali; parecia até mesmo uma investigadora – sorri ao imaginá-la com um chapéu deerstalker marrom. Ela pousou em meu ombro quando nos juntamos a ela. Disse em meu ouvido o que achava ter acontecido ali, ao mesmo tempo, Lael observava com a mesma cautela. Antes que ele pudesse falar qualquer coisa, Týr disse que podia sentir a presença, mesmo que fraca, de Lana e Miguel alguns quarteirões a frente, para aonde eu corri, temendo o pior. Ao mesmo tempo em que corria pelo asfalto, meus arredores tornavam-se o gramado do Colégio Andersen; casa obstáculo em meio caminho, como lixeira ou ponto de ônibus, tornava-se as mesas ao ar livre que eram usadas para estudar, ter refeições e bater papo com os amigos. Senti meu coração acelerar como aconteceu quando a perdi pela primeira vez. Eu simplesmente não podia perdê-la outra vez. Eu vi a multidão que se formara em volta dela; mas assim que parei diante da loja de sapatos, as pessoas se dissiparam – uma miragem vinda do passado. Assim que os vi atrás de um balcão, eu temi pela vida de Miguel, que estava caído logo diante de mim; ele estava com queimaduras em todo seu corpo, mas principalmente em suas asas do meio, que não pareciam que iriam funcionar por um tempo. Ainda assim, saltei por ele e fui direto para Lana, que estava desacordada; sua cabeça pendendo para o lado direito, quase como se não tivesse mais vida. Senti meus olhos marejarem, mas as lágrimas que escorreram foram de alívio. Sua mão apertou a minha assim que a peguei, como se soubesse ser eu apenas pelo toque; sua cabeça levantou-se aos poucos, simultaneamente, seus olhos se abriram. Sorrisos formaram-se em nossos rostos. – Você... Demorou. – Ela ofegou, cansada, apesar de parecer estar desmaiada há algum tempo. – Sim, me desculpe. Eu acabei indo parar em uma ilha cheia Filhos do Abismo. Foi difícil m***r todos eles. – Ela riu. – To brincando, eu só matei um deles. – Lael? – Ele está vivo. Perdeu uma asa, está mancando um pouco, mas está vindo. – Informei. – Quanto... Tempo? – Ela tentou levantar-se, mas não conseguiu; eu sinalizei para que ela ficasse ali mais um pouco. – Bem, eu não sei quando você conseguiu chegar aqui, mas o combate aconteceu ontem. – Informei; Lana pareceu fazer contas em sua mente. – Temos que sair daqui. Logo Kifo estará recuperado para vir nos m***r. – Eu devo concordar. – Miguel falou, virando-se para deitar-se de costas no chão, diferente de como estava antes. – Mas o que quer dizer com “recuperado”. Lael juntou-se a nós para ouvir a mesma história que eu tinha contado durante o caminho do hospital até ali. Simultaneamente, eu ajudava Lana a levantar e Lael fazia o mesmo por Miguel da melhor maneira que podia. A loja em que estávamos não pertencia a uma franquia, o que significava que seu dono vivia em uma sobreloja, para a qual subimos com dificuldade. Deitei Lana no quarto principal, que era suíte, enquanto Miguel e Lael encontraram camas de solteiro em um quarto logo ao lado. O esforço de ajudar seu comandante pareceu ser um passo atrás em sua recuperação, pois ele caiu ofegante na cama. Vi que Miguel ficara perturbado com o corte da asa o outro, mas ele não chegou a comentar naquele momento; provavelmente o faria quando eu não estivesse presente. Como eu era aquele que estava em melhor estado, coube a mim protegê-los e garantir que nós tivéssemos suprimentos para passar o tempo de recuperação deles ali – claro que apenas eu e Týr precisávamos de comida, enquanto nossos três companheiros eram seres espirituais e, portanto, não tinha a necessidade. Mas anjos e humanos do Paraíso sabiam muito bem aproveitar os sabores deliciosos inventados pelo Criador. Levou dois dias para que Lana, a que demorou mais, estar cem por cento para retomarmos nossa jornada até o Primeiro Fogo Celestial – no caso de Miguel – e até a Adaga de Ilmith, mais especificamente, o livro que irá me dizer como conseguir retirá-la do Abismo. De onde estávamos até o prédio administrativo da Universidade de Alexandria, nosso objetivo, de acordo com Miguel, não era uma caminhada maior do que vinte minutos, a qual fizemos sem problemas – apesar de que Lael podia sentir claramente a falta que a asa fazia em seu equilíbrio. – Qual a História de Alexandria? – Eu perguntei discretamente para Týr em meu ombro, no entanto, Miguel pareceu ouvir e julgou que eu falava com ele. – Existem muitas, é claro. – Ele começou; a fada bufou em meu ombro. – A que interessa para gente é a história da cidade perdida de Alexandria, que desapareceu junto com a famosa biblioteca. Algo tão secreto, que apenas os querubins conhecem, já que envolvem Amorah. – Por alguma razão, eu pensei na fruta. – Amorah também foi o nome em Hebraico de Gomorra. Enquanto Sodoma fora destruída, Gomorra fora enviada para outro lugar, onde não existe Magia. Nem mesmo os anjos conseguem acessar esse lugar. Outro lugar que foi enviado para esse outro mundo foi Alexandria. – Isto na Terra, você quer dizer? – Perguntei, sabendo que a complexidade da conexão entre Terra e Paraíso ia muito mais além de prédios que aparecem e desaparecem. – Sim. Alexandria permaneceu aqui no Paraíso, escondida dos homens e anjos, justamente por guardar o Primeiro Fogo Celestial. Enquanto eu tentava absorver as informações de Miguel, a caminhada chegou ao seu fim. Paramos diante das portas do prédio, que haviam sido arrombadas e pendiam para lado em suas dobradiças. Por dentro, o lugar estava tão destruído que parecia ter sido saqueado, algo que os Filhos não costumavam fazer; eles se importavam apenas com batalhas e vencer a guerra. Nós descemos alguns lances de escada até o lugar mais fundo do prédio, Miguel pediu que nós nos afastássemos do centro, enquanto ele sacava sua espada e a acendida. Diagonalmente, apontou-a para o chão, passando a recitar palavras na Língua de Prata – o idioma natal dos anjos. Notei que o rosto de Lael estava um pouco confuso, como se as palavras de seu comandante fossem estranhas para ele também. O chão começou a rachar em volta de Miguel, formando um círculo em volta dele; então, este círculo passou a brilhar uma luz alaranjada – como a cor do Fogo Celestial. Tudo que surgiu a seguir, tinha a mesma iluminação. Mais símbolos foram surgindo, que ao mesmo tempo tinham um aspecto celestial, Lael confirmou não se tratar da escrita da Língua de Prata, pelo menos, não uma que ele estava costumado. Miguel foi dando alguns passos para trás enquanto as rachaduras abriam-se em um buraco, até chegarem ao arco do círculo, deixando um buraco para trás com uma escada rústica de pedra que, coladas a parede, circundavam para a escuridão lá embaixo. Lana e eu nos olhamos, sabendo que teríamos que descer todos aqueles degraus; e pelo estado dos anjos, eles também o fariam. Enquanto fazíamos a descida, Miguel contava mais histórias sobre o passado do Paraíso e da Terra, apesar de eu estar mais curioso para saber sobre Amorah, mas sabia que não ia conseguir muita coisa, já que era um lugar inacessível. Antes que o silêncio fosse terrivelmente insuportável, Lana passou a contar histórias sobre seu passado, antes mesmo de me conhecer – mas eu já as conhecia do tempo em que namoramos. Apenas para mim, Týr tinha contava sobre Godheim e a expansão que o Império Aerilon forçava sobre os povos, anões, humanos ou elfos, que até pouco tempo atrás eram a principal linha que impedia Aerilon de avançar mais para dentro do continente – já que nossos esforços durante o período em eu estive no mundo atrapalharam seu plano de invadir por Yarrin, a cidade das fadas, e avançar pelo outro lado da montanha solitária, assim não precisaria invadir os elfos antes de conquistar uma quantidade maior de cidades. Aparentemente, ele havia encontrado uma outra forma de derrotar seus maiores inimigos. As escadas finalmente terminaram em um corredor, que avançava na escuridão. Miguel sacou sua espada, invocando o Fogo Celestial, e foi a frente; Lael fez o mesmo, mas era o último da fila. Lana e eu, entre os dois, sacamos nossas próprias espadas e acompanhamos os dois. O corredor terminava em uma porta feita de uma pedra lisa e redonda; nela, havia algumas marcas que não reconheci. Miguel, por outro lado, as reconhecia, pois leu em voz alta. – Filhos de Adão darão o primeiro passo. Filhos do Criador, o segundo. Juntos, o terceiro. – Miguel traduziu. – Como é possível que uma única frase esteja escrita em cinco idiomas mortos diferentes? – Lael estranhou. – Ciphari, Urshistaniano, Atlantiano, Kandom e Lumurai. – Concordo, mas vejo a lógica. – Miguel informou. – São línguas mortas há mais de dez mil anos, as quais ninguém no Paraíso as fala. Ninguém seria capaz de abrir essa porta sem ajuda de anjos. – E vocês não podem entrar sem ajuda de um humano. – Lana acrescentou. – Pelo menos, é o que diz a primeira parte da frase, não? E não é comum uma parceria entre homens e anjos. – Você e Lael são prova do contrário. – Miguel retrucou; notei que ele tinha certa repreensão na voz, o que poderia indicar que a amizade de Lana e Lael fora um segredo durante bastante tempo. – Bem, dentre nós, Leonard é o único que pode abrir essa porta. Você é humana, Lana, mas é uma Heartless e não possui um corpo como ele ou os outros que comeram do Fruto. – Senti a mãozinha de Týr tocando meu pescoço, em simpatia. – Como faço isso? – Sinceramente, não faço ideia. – Miguel informou. – O Criador só disse que deveríamos vir para cá com você. Agora que ele comentou, minha ficha caiu. A Morte me mandou até ali, mas se não fosse por Miguel, como eu teria encontrado e aberto a passagem até aquela porta. – Toque na pedra, Leo. – Týr falou; além de Lana, ninguém reagiu ao comentário. Fiz o possível para que meu gesto fosse o mais natural possível, como se não tivesse sido instruído. Assim que as pontas dos meus dedos tocaram na pedra, senti um comichão, como se milhares de formigas microscópicas passassem a caminhas sob minha pele. Quando toquei com minha mão inteira na pedra, alguns símbolos brilharam; Lael confirmou serem os símbolos de “Filhos de Adão”. De repente, a minha palma também brilhou. Senti como se algo me puxasse para dentro da pedra. Týr voou para dentro do bolso interno do meu casaco no mesmo segundo. Dei um passo a frente, fazendo com que minha mão, até o punho, entrasse na pedra. Depois, mais um e mais um, até que todo meu corpo foi engolido, roupa, espada, fada e tudo mais. O lugar do outro lado era iluminado por treze tochas diferentes, cada uma presa em uma coluna diferente, formando um círculo. Sob elas, treze estátuas feitas de barro; eram humanoides, porém mais altas, com braços, peito, ombros e pernas grossas. A cabeça parecia ser desproporcional, escondendo-se nos ombros; notei que cada um dele tinha um símbolo no lugar dos rostos. – Golens. – Týr informou, saindo de meu bolso e voando acima do combate. – Mas são diferentes. Sinto algo neles que nunca senti antes. Eles passaram a se mover no momento seguinte, cada um tirando de dentro de seus próprios corpos marretas, martelos, bastões, maças, todos feitos do mesmo material que eles mesmos – nenhum deles tinha uma lâmina; suas armas eram focadas em impacto. Todos viraram suas cabeças para mim; não sabia se poderia dizer que me viam, afinal, não tinham olhos. Os que estavam mais pertos logo avançaram para atacar. Eram lentos, muito mais do que qualquer adversário que eu tinha enfrentado até então. Não tive problemas em desviar, mas assim que minha espada se chocou pela primeira vez com um deles, sabia que não teria com feri-los. – Se forem como os Golens comuns, a gente precisa apagar a palavras em seus rostos. – Týr comentou. – Não parece que será fácil. As palavras estão gravadas na pedra. – Eu respondi, desviando de um martelo. – Use a adaga para quebrar a marca. Respirei fundo, correndo contra um deles que estava mais afastado. A criatura tentou me atacar com sua maça, mas desviei no último segundo, usando seu próprio braço para impulsionar-me para cima. Consegui escalá-lo usando o pouco espaço que suas rachaduras provinham. Com dificuldade devido aos seus movimentos, sentei-me em seus ombros, com a adaga em mãos. Nem com toda minha força consegui riscar o símbolo; de fato, sua pele nem ao menos arranhou. Outro golem me agarrou pelo sobretudo e me puxou com força contra o chão. Senti o impacto doloroso às costas, mas não tive tempo de processar, pois uma marreta vinha contra mim. Girei para direita, desviando, mas logo outro golpe veio, me forçando a voltar a posição original; virei agora para a direita, levantando-me com a pequena oportunidade. Ofegante, encostei em uma coluna, tentando descobrir a maneira como os derrotaria. Foi quando percebi que, na coluna logo a minha frente, havia um símbolo desenhado – um símbolo familiar. Procurei entre os golens enquanto me movimentava; vi aquela mesma grafia no rosto de um deles. Uma teoria surgiu em minha mente. Me concentrei neste – mesmo tendo que desviar dos outros – e o guiei até a coluna que tinha seu símbolo. Ele mirou um golpe horizontal em mim, no qual desviei e me posicionei atrás dele. Golem, humano, com magia ou sem, as leis da gravidade ainda se aplicavam a ele. Por causa de seu próprio peso e o momentum do swing de seu martelo, consegui empurrá-lo contra a coluna. No segundo em que se chocaram, ele e todos os outros golens pararam. Ele virou, absorveu sua a**a e cessou seus movimentos; o símbolo em sua face brilhou branco-amarelado uma vez. Deduzi indicar que eu tinha feito a coisa certa. Mesmo arquejante, eu sorri, pois sabia exatamente o que tinha de fazer. – Você poderia me ajudar, não? – Disse a fada, virando-me para os outros golens, que voltavam a se movimentar contra mim. – Não acha que tentei? Minha magia não está funcionando aqui. A pedra foi clara: apenas humanos podem dar esse primeiro passo. Revirei os olhos, desviando de alguns ataques e conseguindo me desvencilhar deles. Tirei meu cinto com espada e adaga; o peso deles me atrapalharia, já que todo o combate que aconteceria na próxima hora seria apenas de desvios e resolvendo aquele quebra-cabeça.
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