Freya
Parecia que ele queria voar, ou me derrubar enquanto pilotava até chegarmos em uma pizzaria. Agradeci quando cheguei, porque não sei descrever o tamanho do meu medo de morrer. Enquanto eu me mantive em silêncio, ele fez o favor de pedir e até que sabia ser gentil. Seu sorriso sem graça sempre que me olhava estava me irritando, por acaso eu pareço uma palhaça ou tenho cara de piada? Acredito eu que não!
— Então?... — Perguntei quando ele sentou e, finalmente, pareciamos estar em um pouco de harmonia agora.
— Como você chegou até aqui? Como lidar com a sua mãe? — Ele enfiou uma fatia inteira na boca e me surpreendeu por ainda estar quente.
Enquanto pensava em uma forma de falar, que não dificultasse as coisas, cortava em tiras os pedaços que estava comendo.
— Ela me largou quando eu ainda tinha 16 anos. Eu trabalhei vendendo bijuterias em uma praça de alimentação e assim fiquei até completar meus 18 anos. Não significa que as coisas melhoraram, mas eu pelo menos pude arranjar um trabalho decente, até que ela descobriu e foi arruinando a minha vida sempre que descobria onde eu estava trabalhando. — Minha mãe me colocou no mundo apenas para sofrer, mas eu jamais me mantive quieta ou cabisbaixa, seja lá qual for o momento. Sempre foi: eu por mim e só!
— Vocês vivem aqui há quanto tempo? Não tinha ninguém que te ajudasse não?
— Não. Ela veio pra cá depois que arranjou confusão com um pessoal de lá, dívidas… ela diz que quando viemos para cá, eu tinha dois anos, mas não lembro de nada. Desde então, eu tive que aprender a me virar sozinha.
O arrepio me toma sempre que eu lembrava das noites frias que passei nas avenidas. Tentando não ser roubada, estuprada e tentando sobreviver a cada dia. Posso até parecer que não sei nada ou não entendo muitas coisas, mas eu sei de muitas coisas e até às que não sei, apenas olhando uma única vez eu consigo fazer melhor de quem me ensinou.
— Parece que você lida bem com as consequências. Quando eu te conheci, achei que você era uma p**a, mas esse pensamento não permaneceu por muito tempo, até você abrir a boca e me xingar. Eu… eu também vivo perigosamente, também não tive muitas escolhas.
— Mas as escolhas temos que tomar diariamente. Ísis me contou um pouco do seu passado, eu acho que você tem muitas oportunidades ainda, é só não desistir. — Falando parece ser fácil, mas a verdade é que eu não consigo imaginar como é lidar com facções, policiais e a criminalidade. — Eu sei… não deve ser fácil. Disse uma coisa i****a agora.
Ele não parece o cara mau que todos estão acostumados. Ele tem muito ainda a ser descoberto e parece que se limita a viver desse jeito. Eu não consigo me colocar no lugar de outra pessoa, porque não faço ideia do que a outra pessoa vive e passa no seu dia a dia.
— Me conta sobre você! — Sua mão tocou a minha e a cena parecia que um casal estava se declarando um para o outro, foi estranho. — Podemos ser amigos, ou não podemos?
— É claro! — Não tinha o que dizer, minha vida era insignificante e sem emoção alguma. — Mas, não tenho coisas boas para compartilhar. Acho injusto encher o ouvido das pessoas com assuntos vagos e sem sentido.
— Eu não me importo que divida sua dor comigo. Me conta: quais seus sonhos e o que pretende fazer futuramente?
— Eu não tenho sonhos, tenho desejos que em breve pretendo fazer acontecer. Mas, eu quero primeiramente conseguir minha cidadania brasileira. Posso ser deportada a qualquer momento de volta para Colômbia e eu não faço ideia do que eu poderia fazer para evitar isso. — Suspirei pensativa, será que eu devo me abrir com ele? Ou ele só está sendo gentil pra me comer e depois fazer como faz com as outras? Que seja! — Quero ser astróloga, ou esse talvez seja o meu sonho, mas… nem tudo é como queremos e por isso, eu sou apenas uma garçonete barata para seu Carlos. E você, tem desejos para o futuro? Ou pretende viver naquele lugar e ser morto pelo pai da Evelyn em algum confronto?
Jamerson
Evelyn é um assunto que somente Sete sabe, mas… ela parece somente se fazer de sonsa e b***a, quando na verdade, percebe tudo que está acontecendo em silêncio. Olhei em seus olhos e ela tentou disfarçar, mas não adianta correr, ela perguntou sem enrolação sobre o assunto.
— Eu… eu não tenho outra escolha a não ser morar ali. Minha mãe mora lá e agora minha irmã. — Respondi brevemente, sem detalhar tantas coisas.
— Coisas que podem mudar, basta querer. Mas, você ainda não respondeu qual seu desejo para o futuro, Jamerson.
— Quando eu era criança e estudava, dizia a Ísis que eu queria ser promotor. Estudei, concluí o ensino médio e quando eu pensei que estava amando e sendo amado, fui traído e aí tive que tomar decisões que me mataria ou seria a solução e, para minha sorte, a segunda opção foi a mais válida. Eu não tenho como fugir disso, Freya. Esse é o meu destino, minha vida é essa e eu não posso mudar.
— E se seu romance tivesse dado certo, com a mulher que você amava. Teria mudado ou iriam criar seus filhos naquele lugar? Eu não tenho nada contra onde você mora e manda, mas acho que merecemos mais que viver escondidos e submetidos ao crime. — Ela sempre tem um ponto positivo para tudo e isso é o que me atrai na Freya, ela pode até não saber, mas eu a desejo por ela ser inteligente e sensata. — Pode me levar pra casa agora? Tenho que acordar cedo pra trabalhar e essa conversa não vai nos render dinheiro algum.
Seus olhos tinham tristeza e angústia. Ela segura o choro com tanta facilidade que a gente nem percebe sua conta de chorar, porém, é notório o quanto ela está destruída e o quanto é vazia. Sem amor próprio, sem ânimo e esperança, assim é a Freya que eu conheço.