O silêncio no carro é absoluto, quase ensurdecedor. Cada minuto parece durar uma eternidade enquanto assisto, impotente, Leo deixar Estela em sua casa. Meu estômago se aperta ao ver o beijo longo, profundo, que eles trocam. Eu não deveria me importar, mas a dor é tão forte que quase consigo tocá-la.
Deus! Longo mesmo!
Eu me viro rapidamente para o vidro da janela, tentando esconder a revolta e a tristeza que crescem dentro de mim. Uma sensação de incompletude me invade. Eu não faço parte disso. Eles são um mundo à parte, e tudo o que eu tenho são essas horas intermináveis ao lado de Leo, sem saber o que ele realmente pensa sobre mim.
—Amanhã passo na sua oficina. —ela diz com um sorriso bobo no rosto, ainda visivelmente encantada com ele.
—Que horas? —Leo questiona.
—Uma hora da tarde.
—Tudo bem. —Leo diz e recebe mais um beijo longo na boca.
Deus! Longo mesmo!
Oi, eu estou aquiii!
Incomodada viro minha cara para o vidro.
Estela desce do carro. Leo acena para ela antes de ela entrar e então procura meus olhos no espelho do retrovisor.
—Vou de motorista agora?
—Como?
—Não vai se sentar aqui ao meu lado?
Eu respiro fundo e o olho calada por um tempo. Para não arrumar caso, eu saio do carro e ocupo o banco da frente. A proximidade dele mexe comigo de uma forma que me sinto vulnerável. Seu perfume invade meu nariz, e eu não posso evitar a reação do meu corpo quando, ao me sentar, meu vestido sobe um pouco, revelando minhas pernas. Vejo o olhar dele, deslizando rapidamente para elas antes de eu arrumar o vestido no lugar. Meu coração dispara, e a angústia cresce. Por que ele está fazendo isso? Ele sabe o efeito que tem em mim?
Ele sorri e coloca o carro em movimento. Eu tento desviar minha mente, me distraindo com as luzes coloridas de Natal lá fora. O bairro de Estela, com suas árvores decoradas, parece tão diferente do meu e do de Leo. A beleza do cenário não me acalma, apenas me faz lembrar de tudo o que eu nunca terei, do que nunca seremos.
Leo permanece em silêncio, e eu tento relaxar, mas é difícil. Ele está tão calado que fico me perguntando se está refletindo sobre o que aconteceu entre ele e Estela. O carro vira a esquina e entra na minha rua, estacionando em frente o carro de Omar. Meu estômago se revira. Ele ainda está ali?
Leonardo desliga o carro e vira seu grande corpo no banco e olha para mim:
—Eu estive pensando.
Eu pisco, me sentindo meio nervosa.
—Pensando?
—Eu não vou passar o Natal, nem o ano novo na casa de Estela.
—Não? —Pergunto e engulo em seco.
—Não. Eu não passei para a parte de conhecer a família dela ainda.
Eu pisco com as falas dele e não sei o que pensar sobre isso.
—Verdade? Mas vocês já estão namorando faz um bom tempo, não estão?
—O mesmo tempo que te conheço. Seis meses. Eu tinha acabado de conhecê-la quando você levou seu carro pela primeira vez na oficina.
Eu assinto para ele séria, o traidor do meu coração explodindo dentro do meu peito. Forço minha voz a sair normal quando digo:
—Pensei que fosse mais tempo que estivessem juntos, mas ainda assim é bastante tempo. Porque não....
— Eu não quero falar sobre mim. — Ele diz, e a hostilidade na sua voz me faz dar um pequeno pulo no banco. Meu peito se aperta, como se eu estivesse tentando respirar, mas o ar estivesse saindo do meu corpo.
— Então por que me contou isso? — Eu pergunto, a frustração deixando minha voz mais baixa, mas ainda audível.
Ele me olha, e por um momento, vejo algo nos olhos dele que eu não consigo entender. Ele parece estar decidindo algo, e isso me faz sentir ainda mais fora de controle.
— Se é para afastar esse cara de vez da sua vida, estou disposto a me passar por seu namorado. — Ele diz, e minhas mãos começam a suar.
Eu engulo em seco, e as palavras que ele disse se repetem na minha cabeça, como um eco de algo impossível.
— O quê? — Minha voz sai rouca, quase inaudível, enquanto tento entender o que ele está dizendo.
— Eu apenas ficarei ao seu lado, marcando presença. — Ele fala, e vejo como seus olhos não saem do meu rosto, esperando minha reação.
Eu congelo, não sei o que pensar. Não sei o que fazer com aquilo. Ficar com ele, fazer um papel que não é o meu, me deixar envolver mais ainda nesse jogo.
— Eu… não sei se é uma boa ideia... Estela. — Eu começo a falar, mas ele me interrompe, a expressão dele ficando mais dura.
— Viveremos uma mentira. — Ele diz, e tudo dentro de mim estremece. Ele está certo. Eu sabia que isso não ia terminar bem, que tudo o que eu sentia por ele era uma mentira construída em cima de promessas não ditas, em gestos que nunca significaram nada.
Eu fico ali, parada, sem saber como lidar com tudo isso.
— Não, obrigada pela preocupação, mas Omar não me assusta. Eu dou um chega para lá nele, se ele vier com gracinhas. — Eu tento afirmar, mas minha voz sai fraca, como se a verdade estivesse escorrendo pelos meus dedos.
Leo olha para frente e suspira, como se me visse de uma maneira que eu não entendo, mas que me faz me sentir mais vulnerável do que nunca.
— Você não me quer ao seu lado porque sou um simples mecânico. — Ele diz, e o tom da sua voz está carregado de algo que eu não consigo identificar. Frustração? Raiva? Ou apenas desconfiança?
Eu me sinto pequena. Pequena demais para lidar com ele. Pequena demais para lidar com Estela. Pequena demais para lidar com todos os sentimentos que surgem quando ele está por perto.
— Claro que não! — Eu quase grito, mas ele me interrompe novamente.
— Prove! — Ele diz, com um olhar que parece atravessar minha alma.
— Provar? — Eu repito, sem entender.
— Sim. — Ele diz com a voz mais fria do que nunca.