Um Namorado para o Natal

A vida é imprevisível, pai. Nem tudo sai como planejado.

Entro no banheiro, ligo o chuveiro e deixo que a água quente escorra pelo meu corpo, despertando cada centímetro de mim. A sensação é revigorante, quase terapêutica. Depois de me secar, escolho uma saia lápis que abraça minha cintura e uma camisa leve, perfeita para o calor que o dia promete trazer. Saio do banheiro ainda secando o cabelo com pressa, sabendo que meu pai já deve estar na cozinha, como sempre.

Minutos depois, encontro-o exatamente onde imaginei. Ele está diante do fogão, mexendo na cafeteira, os gestos automáticos de quem repete esse ritual há anos. O cheiro de café fresco se espalha pelo ambiente, acolhedor e familiar. Assim que entro, ele me lança um olhar rápido antes de voltar à sua tarefa.

— Bom dia, pai. — Digo, pegando a xícara que ele já deixou pronta para mim. Forte, encorpado, exatamente como gosto.

— Bom dia, Sofia. — Ele responde, mas sua expressão pensativa me intriga. — Tem algo importante para conversar? Por que está me olhando desse jeito?

Me apoio na bancada, segurando a xícara entre as mãos, buscando as palavras certas. O calor do café aquece meus dedos, mas não consegue diminuir a tensão que sinto.

— Eu... — hesito por um instante, mas decido que não adianta adiar mais. — Vou viajar com Leonardo. Ele passará o Natal e o Ano Novo conosco.

O som do café derramando na xícara dele para abruptamente. Meu pai me encara, a surpresa evidente em seus olhos. Parece que ele tenta processar a informação, mas não consegue disfarçar o impacto.

— O mecânico? — Ele pergunta, a voz carregada de incredulidade. — Você está namorando com ele? De verdade?

Ergo o queixo, fixando os olhos nos dele, decidida a não recuar.

— Estou, pai. E daí?

Minha resposta sai mais firme do que esperava. A tensão na cozinha aumenta, quase palpável. Ele apoia a xícara na bancada, os movimentos agora rápidos e nervosos.

— Você não pode fazer isso! Omar convidou nossa família para o Natal. Ele não vai gostar nada.

Deixo escapar um suspiro profundo, lutando para manter a calma.

— Pai, eu não estou pedindo sua permissão, nem a dele. Estou te comunicando. Se vocês querem que eu vá, então eu levarei meu namorado. Leonardo irá comigo.

Ele me olha, chocado, como se minhas palavras fossem impossíveis de compreender. Por um momento, parece tentar responder, mas as palavras não saem.

— Sofia... — Ele finalmente começa, mas sua voz falha. — Omar perguntou se você estava com alguém. Eu disse que não, e agora isso... — Ele gesticula com as mãos, a preocupação claramente estampada em seu rosto.

Respiro fundo, sentindo a raiva crescendo como um calor que sobe pela minha espinha.

— Pai, não tem volta, entende? — Pego o lenço que sempre carrego no bolso e enxugo o suor da testa. — Ele fez uma escolha no passado. Decidiu se afastar para crescer na profissão dele. E naquele momento, ele colocou meus sentimentos em risco. Eu fiquei livre para seguir em frente e me apaixonar por outra pessoa. E foi isso que aconteceu.

Meu pai balança a cabeça, como se não acreditasse no que estava ouvindo.

— Filha, eu não acredito que você esteja com outro homem. Você era louca por Omar. Você está confusa.

— Chega, pai. — Minha voz sai mais firme agora, cheia de convicção. — Só preciso saber de uma coisa: quando iremos viajar?

Ele coça a cabeça, visivelmente desconfortável, ainda digerindo tudo o que eu disse.

— Para evitar o trânsito, resolvemos sair no dia 24, bem cedo.

— Cedo, que horas? — Pergunto, já mentalizando o que preciso organizar.

— Pensamos em sair por volta das seis horas da manhã.

— Ótimo, vou avisar o Leo. — Respondo, sentindo um alívio por pelo menos encerrar essa conversa.

Ele me observa, ainda claramente incomodado, mas eu já não tenho paciência para discutir.

— Omar não vai gostar nada disso. Não foi isso que ele planejou, Sofia.

Viro-me para ele, sentindo uma serenidade inesperada tomar conta de mim.

— A vida é imprevisível, pai. Nem tudo sai como planejado.

Com essas palavras, me viro e deixo a cozinha, o coração ainda acelerado, mas a mente determinada. Um novo dia me espera, e eu não vou recuar.