Eu o vejo com uma clareza avassaladora.

1293 Words
Ele me encara por um instante, os seus olhos fixos nos meus com uma intensidade que quase me faz recuar. Sinto como se ele estivesse prestes a explodir, mas ao invés disso, ele desvia o olhar para o trânsito, deixando-me sozinha com os meus pensamentos. — Você gosta dele. — As palavras saem de repente, carregadas de um desafio que me pega de surpresa. Meu coração dispara, e eu viro-me para encará-lo. Ele sabe o que está fazendo, sabe exatamente como me desestabilizar. — Eu já disse que não gosto dele! — Minha voz sobe, carregada de uma raiva que esconde a minha própria confusão. É como se, ao dizer isso, eu estivesse tentando me convencer tanto quanto a ele. Ele não parece convencido. O seu olhar é sério, quase implacável, como se estivesse esperando que eu finalmente confessasse algo. — Confesse. — Ele insiste, sua voz firme, mas carregada de algo mais, algo que não consigo identificar. Respiro fundo, balançando a cabeça, recusando-me a ceder. — Não, não gosto. Mas se eu gostasse, é um problema meu. Eu... apenas quis passar a imagem de que dei a volta por cima. — a minha voz falha no final, deixando transparecer uma vulnerabilidade que eu não queria mostrar. Ele solta uma risada amarga, um som que parece zombar de mim. — Volta por cima? Você é bonita. Pode ter o homem que quiser, mas continua sozinha. Isso já não diz muita coisa? O peso das palavras dele atinge-me como uma onda fria, mas é o arrepio que percorre a minha pele que me denuncia. Há mais ali do que desconforto. Algo profundo, intenso, algo que não quero admitir, mas que está gritando dentro de mim. Ele está certo, e essa verdade dói. Sim, estou sozinha. Mas, mais do que isso, percebo agora que a solidão que me consome tem o rosto dele. Eu quero você, Leo. Essas palavras ecoam na minha mente como um segredo que nem mesmo para mim eu queria confessar. É esse o problema, e ficou mais claro agora do que nunca. Viro meu rosto lentamente para ele, tentando buscar alguma resposta em seu olhar, mas ele já desviou os olhos para a estrada. Parece decidido, como se tivesse aceitado algo sobre mim que não me contou. E isso dói ainda mais. Ele me observa por um instante antes de se fechar novamente, um muro que não consigo atravessar. Sem palavras, desvio o olhar para a janela. A paisagem passa depressa, mas não consigo focar em nada além da confusão que cresce dentro de mim. O que significa estar sozinha? Antes, era algo que eu aceitava, mas agora... agora isso tem um peso diferente. Não consigo evitar a comparação. Eu nunca senti por outro homem o que Leo me provoca. O beijo. A lembrança me consome, e meu coração acelera. Foi mais do que um simples toque, mais do que uma troca de calor. Foi como se algo tivesse sido despertado em mim, algo que eu não sabia que existia. Não consigo parar de pensar nisso. Deus! Que beijo! Eu ainda sinto os lábios dele nos meus, como uma marca que nunca vai desaparecer. O calor da pele dele, a intensidade com que ele correspondeu... é tudo tão vívido. É como se ele ainda estivesse aqui, ao meu lado, e eu não soubesse como respirar com isso. E o cheiro dele? Aquele perfume sutil, misturado ao toque da sua pele. Está impregnado no ar, na minha memória, como se fosse impossível me livrar disso. Tento afastar as lembranças, mas é inútil. Maldita hora que eu o beijei! Uma onda de frustração me invade. Agora, percebo o quanto foi uma ideia i****a. Achei que seria algo insignificante, algo que não deixaria marcas. Mas me enganei. Tudo mudou desde então, e o que mais me apavora é que eu não sei como voltar atrás. Quando ele me convidou para sair, naquela tarde tranquila na sorveteria, parecia uma ideia inocente. Um momento de distração, de normalidade. Mas agora, enquanto estamos juntos neste carro, enquanto as palavras não ditas entre nós criam um abismo, vejo o quão equivocada eu estava. Pare com isso! Minha mente grita, tentando me trazer de volta à razão. Ele é comprometido. Ele pertence a outra pessoa. Eu não tenho o direito de sentir isso, de querer isso. Mas, por mais que eu tente, o dilema cresce, sufocando-me. É como uma batalha dentro de mim: a razão contra o desejo. E nesse momento, não sei qual dos dois vai vencer. O percurso até a casa de Estela é longo, e a distância entre nós parece ainda maior, apesar de estarmos fisicamente tão próximos. O silêncio se estende, pesado e quase insuportável. Eu me afundo mais no banco, sentindo a textura do estofado contra as minhas costas, mas meus olhos não podem deixar de buscar qualquer distração. Olho para o lado de fora, mas as ruas parecem um borrão, uma tela em branco onde minhas lembranças de como o conheci começam a tomar forma. Seis meses atrás… Eu desço do carro, e o cheiro forte da oficina me atinge com a força de um soco. Graxa, óleo, gasolina — tudo o que um lugar como aquele pode oferecer. Espirro alto, e o som ecoa no ar abafado da garagem. É impossível não espirrar de novo. — Saúde. — Ele diz, com aquele sorriso que faz o meu coração dar um pulo. Um sorriso amplo, mas sem exageros, como se ele estivesse à vontade, não se importando com a minha presença. Ele limpa a boca com um guardanapo, o movimento tão simples, mas cheio de uma elegância que parece fora de lugar naquele ambiente. Em seguida, se vira para jogar o guardanapo em algum canto da oficina. Agora são uma hora da tarde, e, pelo jeito, ele estava almoçando. Eu deveria ter vindo mais tarde. Eu o vejo com uma clareza avassaladora. Deus! Engulo em seco. O cara… é… muito, mas MUITO gato, mas não do tipo inofensivo. Ele está mais para uma pantera, uma fera selvagem, uma visão tão poderosa que me faz questionar minha sanidade. Ele volta a me olhar e, naquele instante, o sorriso que ele me dá parece me derreter, como se o calor do seu olhar tivesse o poder de tirar toda a resistência que eu nem sabia que tinha. Não é só um sorriso qualquer, é o tipo de sorriso que diz: “Estou te observando, e você está me deixando curioso”. Ele se aproxima, e a minha respiração fica mais curta. O ar ao nosso redor se torna mais espesso, mais denso, como se o universo tivesse diminuído seu tamanho só para nós dois. Não posso evitar. Meus olhos deslizam por seu corpo definido sob o macacão de mecânico. Não sou capaz de controlar, sou atraída de forma visceral. Ele tem um físico que parece esculpido para me provocar. A tensão entre nós é tão palpável que sinto quase uma pressão no peito, como se ele estivesse me consumindo com apenas um olhar. Ele faz com que eu me sinta vulnerável, desarmada, como se toda a minha força tivesse sido drenada, e agora eu sou apenas um reflexo de desejo, de curiosidade insaciável. — Vim num péssimo horário, não? — Digo, mais afirmando do que perguntando, tentando disfarçar a tempestade de emoções que se passa dentro de mim. Ele não se abala. Seu sorriso permanece, mas agora há algo mais nos seus olhos. Uma intensidade que me faz sentir ainda mais exposta. — Tudo bem. Qual é o problema do seu carro? — Ele pergunta com aquele tom de voz grave, calmo, mas que de alguma forma soa carregado, como se ele estivesse profundamente atento a tudo o que estou dizendo e fazendo. .
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