– Se o seu pai souber, você está perdida.– Constatou Soraia.
Ela estava bem de frente para Júlia, acomodada em uma das cadeiras da mesa de chá.
– O meu pai não vai descobrir. Além do mais, tenho quase certeza que o rapaz não vai comentar nada com ele. O tal moço acabou de chegar na fábrica, deve estar pisando em ovos, não teria coragem de expor tanto os seus interesses para o dono.
– " Quase certeza" e " Certeza nenhuma" são praticamente o mesmo, Júlia.
– Para mim fazem toda a diferença. O importante é ter esperança, não é? Falar que tem " quase certeza" de algo é ter alguma esperança.
– Por que você insiste em ir na fábrica? Sabe que o seu pai não gosta.
– Se eu for fazer tudo o que o meu pai não gosta, eu não coloco os pés para fora de casa.– Júlia bufou, em seguida, segurou o bule com chá e despejou a infusão em uma xícara de porcelana francesa que estava logo ao seu lado.
– Ele te deixou fazer faculdade, não deixou? Quantas mulheres que você conhece de Aventine têm a permissão dos pais ou dos maridos para estudar?– Soraia franziu uma das sobrancelhas.
– Não pense que o meu pai costuma dar ponto sem nó, Soraia. O doutor Eugênio é esperto como uma raposa. Ele só me deu permissão para estudar com a desculpa de colocar dois guarda-costas no meu encalço sem criar problemas.
– Você é muito mimada, Júlia. O doutor Eugênio poderia te obrigar a ter guarda-costas de qualquer maneira.
– Mas ele prefere resolver tudo sem grandes cenas, o meu pai odeia escândalos.
– Por que tanto você insiste em ir na fábrica?
– Porque eu me formei em contabilidade para ser contadora da fábrica. Se os meus irmãos podem trabalhar nos negócios da família, por que eu não posso?
– Porque você é mulher, Júlia. Tire essa ideia estapafúrdia da cabeça. Oras, você vai se casar com o filho do prefeito, o que mais pode querer?
– Liberdade.– Respondeu Júlia, com um tom de voz amargo.
– Eu acho que te dei mais liberdade do que você merece.– disse uma voz masculina vindo da porta que dava para dentro do casarão.
Júlia engoliu em seco ao reconhecer a voz do pai.
– Eu já disse que não quero que você coloque os pés na fábrica, não disse? Não me faça ter que ser duro com você, Júlia, eu odeio ser desobedecido.
– Com licença.– disse Soraia, amedrontada, antes de se retirar da varanda.
Júlia respirou fundo antes de rebater.
– Ninguém lá sabe quem eu sou, pai. Além do mais, a grande maioria trabalha com o senhor há anos, por que tem tanta desconfiança?
– Porque assim funcionam os negócios da família!– Exclamou Eugênio, exasperado.
– Os meus irmãos trabalham com o senhor na fábrica.
– Porque eles são homens. É dever do homem trabalhar e prover o lar. Ao invés de brincar de contadora, deveria se concentrar mais no seu casamento. Faltam apenas três meses para maio.
– Brincar de contadora?– Perguntou Júlia, indignada.– Eu me formei em contabilidade no ano passado, eu estudei para...
– Para não ser burra, para ter um diferencial na hora de fazer um bom casamento. Tanto que conseguiu segurar o seu noivado com o filho do prefeito, o que é muito importante para os meus negócios.
– É na minha felicidade que estamos falando, pai. Será que pelo menos uma única vez o senhor pode me colocar antes dos seus negócios?
– Eu não quero que volte a colocar os pés na fábrica. Essa é a última chance que dou tanto para você quanto para aqueles dois imbecis que eu contratei para te protegerem.
– Para me vigiarem.– Corrigiu Júlia.
– Já disse e não pretendo repetir. É bom ficar quietinha em casa nesses meses que faltam para o seu casamento, " Sofia".
Júlia engoliu em seco ao se deparar com o sarcasmo de seu pai.
" Sofia" havia sido o nome que ela tinha dado para o rapaz novo que conheceu na fábrica.
Júlia havia se enganado, ele havia perguntado dela para Eugênio.
– Achou que eu não descobriria a sua farsa? O que pretende com isso, afinal?
– Trabalhar com o senhor.
Eugênio gargalhou alto, com ironia.
– Fique longe da fábrica, em especial dos meus empregados.– ele respirou fundo, antes de se sentar ao lado dela, na outra cadeira.– Um dia vai entender que tudo o que faço é porque eu quero o seu bem. Com essa guerra inacabável que temos com os Messina, não é seguro que você fique perambulando por ai, principalmente na fábrica, onde somos visados.
– Por que não coloca um ponto final nessa guerra, pai? Por que não propõe um acordo de paz.
– Porque as coisas são como têm que ser. Há séculos a família Messina vem desgraçando a nossa família, e nós só devolvemos á altura.
– Eu ouvi histórias de que o senhor matou Leandro Messina, o antigo líder da máfia de Rosa Rosso.
– O pai de Leandro matou o meu pai. Eu jurei a mim mesmo que me vingaria na hora certa. Tenho medo do que eles podem fazer com vocês. O Arthur e o Gabriel foram preparados a vida toda para auto-defesa, mas você... Eu te mimei demais.
– Eu sou capaz de me defender sozinha.
– Sabemos que não. Por isso, acate as minhas ordens, ou terei que ser mais rigoroso com você.– Eugênio ficou de pé.
– Pai, quem é aquele rapaz novo que eu vi hoje na fábrica.
– Um dos advogados, ainda estou investigando a respeito do dossiê dele. Posso saber o porquê do interesse?– Eugênio cruzou os braços.
– Nada não. Só tive a sensação de que já o conhecia.
– Fique longe da fábrica, dos meus funcionários e de qualquer homem que não seja o seu noivo.– Eugênio pôs o dedo em riste, antes de se afastar.
Júlia respirou fundo, novamente contrariada.
– Você ficou interessada no tal advogado, ou é impressão minha?– Perguntou Soraia, retornando ao ambiente.
– Estava ouvindo a conversa atrás da porta?– Júlia ergueu uma das sobrancelhas.
– Foi totalmente sem querer.
– Sei.
– Responda. Está ou não?
– Eu apenas tive a forte impressão que já o conhecia. Sabe como é? Quando você tem quase certeza de que conhece alguém?
– Novamente você e a sua " quase certeza".
– Ele é muito bonito. Os olhos são daquele tom que é meio verde e meio castanho. Os cabelos são bem escuros, a pele meio bronzeada...
– Você reparou demais para alguém que já é noiva.
– Eu nunca fui apaixonada pelo Rodrigo. O nosso casamento é apenas um arranjo entre os nossos pais.
– Mas ele parece ser apaixonado por você. Afinal de contas, você tem esse poder sobre os homens.
– Não seja exagerada.– Júlia revirou os olhos.– Bom, ao menos eu posso te usar de álibi.
– Não estou gostando disso.
– Ah, vamos. Tem uma casa de chá próxima a fábrica. Podemos ir pouco antes do horário de trabalho acabar. Quero ver se consigo encontrar com aquele rapaz de novo.
– Agora eu tenho certeza que você ficou maluca de vez. Você tem um noivo e está colocando os olhos em outro homem. Além do mais, o seu pai deu ordens explicitas de que você deve ficar bem longe da fábrica, dos funcionários dele e de qualquer homem que não for o seu noivo.
– Eu sabia que você estava escutando atrás da porta!
– Isso não vem ao caso, Júlia. Esqueceu que ninguém da fábrica pode saber quem você é?
– Mas é a Sofia quem vai falar com ele. Eu invento alguma história de que o meu pai é um dos economistas da fábrica, não sei. Vou pedir segredo, eu sei que ele vai acatar.
– Como você sabe? M.al conhece o rapaz.
– Sabendo. Eu não quero fazer nada demais, apenas conhecê-lo melhor.
– Posso saber que obsessão é essa?
– Eu não sei, Soraia. Como já disse, apenas tive a forte impressão de que conheço aquele homem.
...
Tomásio não conseguiu deixar de pensar naquela moça por um minuto sequer, quase não conseguiu se concentrar no seu trabalho. Precisou se auto-repreender muito severamente para deixar de pensar nos olhos verdes e espertos da Sofia.
Sofia
Esse nome não sairia tão cedo da sua cabeça. Já havia desistido de ler alguns processos que tentava adiantar, precisava arranjar um jeito de descobrir mais sobre aquela mulher.
Quem era Sofia, afinal? Obviamente não era contadora da fábrica, como havia afirmado. A Dinastia das Jóias, como a maioria das empresas, não aceitava mulheres em cargos mais altos.
Tom ficou muito intrigado com todo aquele mistério, além do mais, tinha uma forte impressão de que já a conhecia.
" Você está parecendo um i.diota apaixonado." disse Matt, do outro lado da linha." Faça o favor de focar na sua missão. Não perca tempo com mulheres, a única moça que você deve se aproximar para depois encomendar a alma dela, é a tal Júlia Santiago, a filha caçula de Eugênio."
– Não vou desfocar da minha missão, não precisa me ensinar a fazer o meu trabalho.
" Calma, estressadinho."
– Ouça, o filho do prefeito de Aventine é genro do Eugênio. Sabe o que isso significa, não sabe?
" Significa que a raposa velha do Eugênio tem o apoio do prefeito para fazer suas transações ilegais com as pedras preciosas."
– Não é uma certeza, mas tudo indica que sim. Eugênio é desconfiado, está indo atrás de todo o dossiê do Thomás. Por sorte, eu já providenciei todo o necessário para que aquele pulha se convença de que eu sou quem digo ser. Quando Eugênio Santiago tiver confiança em mim, me manterá cada vez mais próximo e será mais fácil descobrir a respeito dos negócios dele com o prefeito de Aventine. Também será mais fácil ter acesso a Júlia Santiago, daí então poderei acabar com a vida dela e cumprir a minha missão.