Na manhã seguinte, Ellie acordou com aquela forte sensação de que não havia dormido o suficiente.
Rolou bastante na cama antes de conseguir pegar no sono, tudo culpa da conversa sem sentido que teve com o Bruno na cafeteria enquanto tentava trabalhar.
Trabalho.
Ela precisava preencher a sua cabeça apenas com ele.
Era extremamente necessário que a sua ideia de marketing superasse a do Peter. Ela precisava ganhar esse cargo. Precisava demonstrar a si mesma que era capaz de corresponder às expectativas que o seu pai criou durante todos os anos em que a preparou para dirigir a Dynasty.
Um café bem forte a ajudaria a digerir quando Fernsby quisesse abrir uma guerra ao tomar conhecido de sua brilhante ideia em trazer o público B e C para a Dynasty.
— Isso só pode ser algum tipo de piada.— Protestou Peter.
Ellie estava com o seu laptop aberto, usando da ajuda de projetores para mostrar seus gráficos e tabelas na tela grande.
Estavam na grande mesa da sala de reunião, com os outros sócios e acionistas.
Ellie havia pesquisado bastante antes de montar aquela material.
— Eu estou tirando essas informações com base na oferta e demanda de mercado. O público B e C são maioria e devido a nossa forte moeda eles têm um alto poder de compra.
— A Dynasty é uma empresa tradicional. Estamos há trezentos anos no mercado. Lady Diana usava nossos fios de ouro.
— E agora a dona Maria da cantina da escola dos filhos dos nossos funcionários vai usar nossas roupas de linho e algodão.— Rebateu Ellie.
— Eu acho que pode funcionar.— Concordou Melissa, que dividia a direção do departamento financeiro com Edgar.
— As meninas do marketing podem fazer um ótimo trabalho de divulgação. Principalmente porque eu quero fazer enquetes entre nossos novos consumidores. Quero escolher representantes dos públicos B e C para serem a cara da nossa nova marca. Vamos reduzir a “ Dinastia fios de ouro” para apenas “ Dinastia” dos fios.
Em silêncio, todos os presentes começaram com suas votações por detrás das telas de seus computadores.
As duas ideias eram divisores de opiniões.
— Através das votações chegamos em um consenso.— disse Edgar, parecendo mais sério do que o comum.— Optaremos por Sasha Thompson e Pamela Hastings para apresentar a linha feminina do nosso público A, e investiremos na proposta da senhorita Lowell para o público B e C.
— Ótimo. Vou começar a preparar os materiais para divulgação e as enquetes. Em breve selecionaremos nossos rostos para a linha “ fios”.— Comemorou Emilly, do departamento de marketing.
— É por isso que eu detesto meritocracia.— Peter murmurou para Edgar.
— Respira.— Orientou o amigo.
— A Eleanor que se prepare. Assim que eu ganhar o cargo vou tirar essa linha dela de circulação.— Peter trincou os dentes.
O olhar vitorioso que Ellie lançou na direção dele o deixou ainda mais irritado.
No final da reunião, ele a seguiu até o elevador.
Ellie sabia que teria grandes problemas quando Peter conseguiu entrar antes das portas do elevador fecharem de vez.
— Se você pensa que vai popularizar uma marca tradicional como a nossa, está muito enganada.
Ellie deu um sorrisinho vitorioso antes de responder.
— Eu já popularizei. Não esqueça que o meu projeto foi aceito e que já estamos trabalhando nele.
Peter agarrou o braço dela sem nenhuma gentileza.
— O seu pai deve estar se revirando do túmulo ao ver a besteira que fez.
Em resposta, ela agarrou o queixo dele, também com força.
— Dobre a língua antes de falar do meu pai. Você não sabe nada sobre ele, Peter Fernsby.
Um momento de tensão se deu quando os dois tomaram consciência, assim que a raiva esfriou um pouco.
Os rostos estavam próximos, olhos com olhos, fora a i********e dos toques, ainda que fossem agressivos.
Quando as portas do elevador abriram, ela tomou a iniciativa de afastar para sair.
Peter recuperou o fôlego para ir atrás dela.
— Eleanor. Essa conversa não terminou.
— Não temos o que conversar. Tudo foi decidido na sala de reunião.
— Então é assim? Se prepare, porque vai ter volta.
Ela parou de caminhar apenas quando estavam na rua. Voltou-se para o outro, indiferente.
— Você não está sendo nada profissional como enche a boca para dizer que é, Peter. A minha idéia, assim como a sua, passou por uma votação e foi aceita. Pare de espernear como uma criança mimada e aceite que nem todos se dobram as suas vontades.
— Não me interessa os outros. Você tem a maior parte disso aqui junto comigo. Você é filha do Anthony. Assim como eu, foi criada em uma família tradicional, ainda que tenha sido lá no fim do mundo.
— Se você vai começar a insultar a minha cidade…— Ela caminhou na direção dele, irritada.
— Estamos no mercado há trezentos anos, Eleanor. Você não pode querer mudar anos de história e tradição.
— Se você repetir a palavra “ tradição” mais uma vez, eu vou gritar.
— É exatamente isso o que somos. Acha que nossos clientes antigos e que investem rios de dinheiro nos nossos tecidos vão querer continuar comprando quando souberem que nós popularizamos a nossa marca?
— Eu não vou discutir isso com você, Peter. Tudo o que eu tinha para falar foi dito naquela sala. E sinceramente? É revoltante que existam pessoas com essa sua linha de pensamento. Isso é retrógrado e medíocre.— Ellie voltou-se novamente para frente, prestes a caminhar para o outro lado da calçada.
Peter segurou o antebraço dela.
— Quanto você quer para me vender a sua parte? Assim eu posso continuar com o que nossas famílias vêm fazendo há três séculos e você cria a sua própria marca…
— Eu não vou vender nada, Peter. — ela puxou o braço com força.— A Dynasty é importante para mim como sempre foi para o meu pai. Agora ela é minha, e eu vou fazer as mudanças que acho necessárias.
Ellie continuou a caminhar, deixando o outro para trás.
…
— Eu não acredito que ele tentou te tirar da jogada dessa forma.— Comentou Nina, indignada.
— Quando eu digo que ele é um cretino vocês não acreditam. O pior é que eu vou precisar trabalhar com esse intragável até mais tarde.
— Nada me tira da cabeça que essa quebra de braço vai tomar um outro rumo.— Opinou Bruno.
Ellie revirou os olhos. Não aguentaria uma outra conversa como aquela.
Ainda que a sua semana estivesse bastante agitada, ela fez questão de almoçar na companhia dos únicos amigos que tinha em Londres. Por mais que o Bruno a deixasse maluca na maioria das vezes, ele sabia encorajá-la a seguir em frente sempre que necessário.
— Pare de atormentar a Ellie com isso. Não é como se não existissem motivos para ela não suportar Peter Fernsby. Qualquer pessoa que enxerga além da aparência dele pensa dessa forma.
— Eu já cansei de explicar os motivos.
— A cabeça de vocês duas é mais quadrada do que essa mesa. Qual o problema de odiar e sentir atração pela mesma pessoa? Isso é um clichê. Todo bom romance começa assim.
— Acontece que isso não é um romance, Bruno. Isso é a vida real, Na vida real o Peter é só uma pedra no meu sapato que eu quero me livrar. Ou melhor, mais do que uma pedra no meu sapato, um pedregulho.— Ellie respirou fundo, voltando a comer o seu bowl de salada com carne.
— Vocês ainda vão me dá razão. É questão de tempo para Eleanor Lowell terminar na cama de Peter Fernsby.
…
Ellie se perguntava o porquê de ainda dar ouvidos as besteiras do Bruno. Ultimamente ele começou a insistir nessa hipótese de caso entre Peter e ela.
Era nauseante só de imaginar.
Enquanto treinava a sua equipe, aquele pensamento passou longe.
Todas as mulheres estavam empenhadas e dedicadas a fazerem funcionar, não se tratava de um desafio direcioná-las, se tratava de um desafio captar os novos clientes.
Segundo o dossiê da Emilly, de uma hora para a outra os seguidores das redes sociais da fábrica quadruplicaram. Todos interagiam com essa nova mudança.
— Temos um prazo de duas semanas para colocarmos em circulação as novas peças. Estou confiante de que vamos conseguir o nosso resultado, não há dúvidas que estou com uma equipe muito bem preparada.— disse Ellie.
Todas, sem exceção, a aplaudiram.
No final daquela pequena reunião, Ellie teve a infeliz coincidência de cruzar com Peter no corredor.
— Ah, não.— ela resmungou.— Encontros demais por esse dia.
— Eu vou precisar ficar até mais tarde na empresa. Todos já foram embora e desligaram as luzes, como só a da sua sala ficou acesa…
— Ah, não. Não vou dividir espaço com você. Problema seu se não é tão organizado como gosta de transparecer e esqueceu de pedir para não desligarem a sua luz.
— O seu trabalho depende do meu, Eleanor. Não tem como a sua produção começar se eu não estiver a par dos gastos.
Ela bufou, contrariada.
— Eu vou te fazer esse favor, só não me atrapalhe. Não quero ouvir sua voz.
— Como se eu estivesse muito interessado em conversar com você.— ele adentrou a sala dela e acomodou-se na mesa da secretária, que ficava no outro compartimento.
— Folgado.— Resmungou Ellie, antes de fazer o mesmo.
Eles até conseguiram trabalhar por um tempo, antes do Peter precisar voltar para o compartimento em que estava a Ellie, apenas para pegar uma xícara de café.
Ela não resistiu a oportunidade de alfinetar.
— E quando as suas influenciadoras digitais chegam?
— Assim que a sua parte da produção estiver pronta.
— Ótimo. Desse jeito não corre o risco de você me sabotar. Não duvido nada que seria bem capaz disso.
— Para trazer logo as meninas e começar o andamento da minha ideia, não vou medir esforços para que a sua nova produção comece.
— Ah, eu não tenho dúvidas. Ainda mais porque você está até mais interessado nos seus assuntos pessoais do que na fábrica.
Peter arqueou uma das sobrancelhas ao se voltar para ela.
— Me criticou tanto porque eu quero acabar com a tradição da Dynasty, mas você está mais focado em retomar os seus romances do que em trazer algo relevante para cá.
— Que acusação sem fundamento é essa, Eleanor? Está insinuando que estou misturando assuntos de trabalho com pessoais, porque quero tirar proveitos disso?
— Eu estou afirmando.
O sangue do Peter ferveu.
Ele sentiu vontade de gritar na cara da Ellie que ela era uma pirralha que não entendia nada de negócios e que falava a primeira besteira que passava pela cabeça, porém, algo perverso passou na cabeça dele.
— Se eu não te conhecesse, diria que está com ciúmes.— ele puxou o canto da boca em um sorriso malicioso.
— Que tipo de afirmação ridícula é essa?
— Tão ridículo quanto o que você acabou de falar. Não n**o que tive um envolvimento com a Sasha, mas ela é uma personalidade muito conhecida na internet.
— O que te faz pensar que eu teria ciúmes de você?— Ellie fica de pé, caminhando na direção dele.— Só o que me preocupa é o futuro da Dynasty. Até mesmo porque você não faz o tipo de homem que eu sairia.
— Imagino que não. Você está acostumado com os caipiras de Sunflowers do Sul.
— Sim, de homens que são avaliados pelo caráter e não por quantas mulheres levam para a cama. Mas claro, está acima da sua capacidade de entendimento.
— Ah, porque você não está acostumada a ser flertada de verdade. Os homens de Sunflowers do Sul entendem mais de vacas do que de mulheres.
— E desde quando você sabe sobre a minha vida pessoal para afirmar isso?
Peter deu mais um passo para a frente, reduzindo a distância a poucos centímetros, o que foi incômodo o bastante para Ellie tentar recuar.
Ela bateu com as costas na pilastra que tinha logo atrás.
— Se você fosse uma das mulheres que eu saio, eu provocaria em você sensações que nem conhece.
Ellie deu uma risada irônica.
— Você é um prepotente, né? Se acha demais. Peter, só cai na sua conversa quem vê a estampa.
— E se eu me aproximasse de você assim…— ele murmurou a medida que caminhou mais um pouco para frente.
Ele estava se divertindo as custas dela, Ellie sabia. Ela se manteve quieta e ereta, tentando não demonstrar o nervosismo. Não tinha mais para onde se mover, a pilastra a fazia ficar encurralada entre ela e o Peter.
— E se eu aproximasse o meu rosto assim…— ele inclinou-se na direção dela, seus olhos analisando os lábios cheios e bem desenhados da moça.
Agora, sim, ela estava tremendo. Ficou paralisada, sem reação.
— E levasse a minha boca para a sua orelha.— A voz dele ficou mais rouca, seus lábios quentes roçaram no lóbulo da orelha dela, a fazendo arrepiar.
Ellie quis gritar para que Peter se afastasse, mas não foi capaz.
— Minhas mãos segurariam você assim.— Levou as mãos para a cintura esguia e feminina, pressionando um pouco.— Eu te arrastaria para aquela mesa, te sentaria nela, e te beijaria tocando você dos joelhos para dentro das suas coxas.
Ellie prendeu o ar, nitidamente nervosa.
— Você sentiria um calor úmido se formando por dentro da sua calcinha. Esse calor aumentaria quando eu tocasse o dedo justamente lá…
— Chega, você está passando dos limites.— ela o empurrou para o lado, tentando disfarçar a voz esganiçada.
— O que foi? Não gostou do tutorial?
— Não me interessa saber da sua vida íntima. Não me interessa saber o que você faz com as suas garotas. Isso foi nojento.
Peter percebeu que Ellie estava com as bochechas bem coradas, e os olhos dela, que eram de uma tonalidade mel bem vivo, tinha escurecido um pouco devido a pupila que dilatou.
— Eu só estava te ensinando como as coisas funcionam em Londres.
— Eu não pedi nada a você. E quer saber? Pode ficar com a sala toda, vou terminar o meu trabalho de casa.— ela falou enquanto caminhava para a porta.
Ellie saiu dali, o mais rápido que pôde.
Estava nervosa e indignada consigo mesma.
Aquele calor que Peter mencionou há poucos minutos realmente existia.
Ele estava lá, no meio das pernas dela.
— Isso é loucura, Eleanor.— Falou para si mesma ao entrar no elevador.— Peter Fernsby é o último homem da face da terra que você desejaria.