Aos olhos de Nina
Cheguei em casa aproximadamente na hora do jantar.
Gabi e eu estudamos uma boa parte da tarde, como o combinado, e logo depois, o seu motorista veio me deixar no prédio em que moro.
O homem era jovem e muito bonito, mas não tanto profissional quanto deveria. Tentou puxar conversa, mas eu não estava interessada em manter.
Sabia bem as intenções do motorista, e obviamente não fazia o meu tipo.
Senti raiva. Com certeza se fosse uma das amigas muito ricas da Gabi, ele não tentaria fazer nenhuma gracinha.
Mas claro, como tenho condições um pouco melhores, o c*retino acha que somos do mesmo nível.
Tentei ir direto para o meu quarto assim que cheguei em casa, mas como sempre, minha mãe não abriu mão do interrogatório.
— E essas sacolas?
— A Gabi me deu uns vestidos que ela ganhou, mas que não serviram. Precisa ver, mãe, só marca boa.
— Nina… Você não pediu, não é?
— Claro que não, mãe. Parece que não conhece a Gabi.
— A Gabi é muito generosa, eu sei. Só tenho medo que tudo isso acabe fazendo você ficar ambiciosa demais.
— Quer que eu tenha para sempre essa vidinha classe média, mãe?
— Eu quero que você seja feliz, Nina. E não é errado querer o que é bom, mas entenda. Quem gasta como rico sem ser, acaba ficando pobre sem querer. Você extrapola muito do nosso orçamento tentando ter um padrão de vida parecido com o da Gabi. Minha filha, você nunca teve a vida difícil que seu pai e eu tivemos, pelo contrário. Sempre morou em um bairro bom, sempre teve bons colégios, um plano de saúde e até mesmo a sua faculdade…
— Mãe, por favor. Não estou reclamando da minha vida, mas também não quero só isso. Eu quero ter casas de praia, de campo, viajar para vários países. Quero usar grife, quero não ter que contar centavos para o meu futuro.
— Infelizmente essa não é a realidade da maioria dos brasileiros. Meu sonho era te dar uma viagem para a Disney nos seus quinze anos, mas não tivemos condições. Como te disse, todas as economias que juntamos foram para pagar esse apartamento e para a sua educação. Mas você, sim, filha, pode fazer diferente. Pode viajar para fora, pode ter coisas melhores do que tivemos.
— Passei no processo seletivo para estagiar na Grimaldi’s.
— Filha, meus parabéns.— disse minha mãe.
Ela ficou de pé para me abraçar.
— Você estudou tanto, se dedicou tanto. Estou muito orgulhosa de você, meu amor.
— Obrigada, mãe. Obrigada por tudo que você sempre fez e faz por mim. Eu queria tanto que o pai tivesse aqui para ver…
— O seu pai está te vendo, de onde ele estiver. Tenho certeza que está tão orgulhoso quanto eu.
Os olhos castanhos da minha mãe marejaram só de lembrar. Eles realmente se amavam.
—Você é tão parecida com ele, Nina. Os olhos, os cabelos, o sorriso… Parece que estou vendo o seu pai quando tínhamos a sua idade.
Desviei o olhar rapidamente para a foto que ficava na sala de estar. Meus pais jovens, na faixa dos vinte e poucos anos. Minha mãe com os cabelos dourados - naturais- e olhos castanhos cheios de intensidade. Meu pai, com os olhos cor de âmbar e os cabelos bem escuros. Os dois estavam em Recife, em um passeio que fizeram de catamarã.
— Sinto muita falta dele. Esse ano fez dois anos que ele se foi. Não me viu nem entrar na faculdade.
— É claro que ele viu, Nina. Seu pai estará sempre com você, assim como eu.— Ela esticou os braços para segurar o meu rosto e dar um beijo na minha testa.
Fiquei alta, até mais do que a minha mãe. As vezes precisava me curvar para receber o carinho dela.
— Vai deixar essas coisas no seu quarto e volta para jantarmos.
Fiz o que ela disse.
Estava especialmente de ótimo humor por, finalmente, o Alex ter reparado no meu corpo, até olhar a mesa do jantar.
Minha mãe tinha feito um estrogonofe de carne com alcatra, e embora fosse delicioso, não pude deixar de comparar com o cardápio da Gabi.
Ouvi a cozinheira comentar que serviriam risoto de frutos do mar como prato principal, e tortinhas de queijo brie com frutas vermelhas e mel.
— O que foi, filha? A comida está r*uim?— Ela perguntou ao perceber minha insatisfação.
— Está maravilhosa, mãe, como sempre.
— Mas não é a comida sofisticada da casa da Gabi, não é?— Ela perguntou, decepcionada.
— A sua é bem melhor, mãe. Não fica preocupada com isso.
— Eu tenho medo que a sua ambição te leve para caminhos perigosos.
— Mãe, mãe, por favor. Não se preocupa com isso. Eu só estou tensa porque já começo o estágio na semana que vem, é algo que eu quero tanto.
— Você é tão inteligente, Nina, não sabe como isso me alivia. Mas sabe, você também está na idade de aproveitar, claro, com moderações.
— Como assim, mãe? Eu já aproveito, tenho minhas amigas…
— Um namorado. Você já está na idade de conhecer alguém legal, no entanto, nunca nem falou.
— Eu converso com alguns carinhas, mas não quero ninguém me distraindo dos meus objetivos.
— É muito bom pensar nos estudos e no futuro, mas não pode ser tão radical. Filha, eu vou te amar independente das suas preferências.
— Eu não sou lésbica, mãe. Eu só não quero namorar agora. Qual o problema? Estou no segundo ano de faculdade, tenho mais dois anos pela frente, acabei de entrar no estágio que tanto queria, um namorado agora só me tiraria do foco. Não estou entendendo, qualquer mãe ficaria feliz de ter uma filha só focada nos estudos.
— Eu já disse que fico feliz. Mas, meu amor, você não vai ter dezenove anos para o resto da vida…
— Exatamente. Estou na idade de correr atrás para mais tarde colher os frutos. Por enquanto estou muito bem sozinha.
— Tudo bem, meu amor, você tem razão. Fico feliz em ter uma filha tão ajuizada. Como já disse, você é o meu maior orgulho, e do seu pai também.
Eu apenas sorri e voltei a comer.
Cada garfada, eu imaginava como seria saborear o jantar da casa da Gabi.
Imaginava também como seria saborear o pai dela. Afinal, se fosse para ter algum homem agora, só iria querer se fosse ele.
Mas o Alex era um sonho impossível.