Alguns meses depois.
Gabrielli
A senhora Assis parecia especialmente nervosa essa manhã, eu e Marcele percebemos na hora, até mesmo Jorginho notou como estava nervosa, indo até ela para beijá-la e chamá-la de vovó linda como costuma fazer. Naná estava conosco enquanto tomávamos banho de sol com os bebês, agora com sete meses eles estão mais tranquilos, Rute e Marcele não se desgrudam e graças a Deus se conectaram muito também com a ajuda de Gregório.
– Senhora, está tudo bem?
– Sim. Por que não estaria?
Marcele olhou para Rute que também observava o nervosismo da avó sem entender muito bem o que estava acontecendo.
– Bom sogra, a senhora está andando de um lado para o outro como se fosse fazer um buraco no chão, por isso perguntamos.
– Marcele, não queria levar isso até vocês por várias razões, mas como perguntaram vou falar: todos os anos fazemos uma festa para comemorar o fim dos conflitos por terras das famílias, é no dia de todos os Santos, no próximo final de semana. Acontece que todas as famílias participam e sou eu que organizo a anos, por tradição vocês também devem me ajudar nessa tarefa.
Essa festa era a que mamãe mais gostava, ela fazia uma barraca de churros e tortas salgadas para vender, essa festa arrecada fundos para instituições de caridade nas cinco cidades, todos são convidados e a cidade Assis fica cheia com hotéis lotados, a cidade inteira fica deslumbrante para receber todos muito bem.
– Qual o problema, senhora Margarida?
– Não quero expor vocês, é esse o problema. Se vocês não forem, vão comentar, e se forem e não parecem felizes com meus filhos, vão comentar.
Casamentos por conveniência são normais, nossos sogros não se amam isso é óbvio, como também acontece nas outras famílias, podemos muito bem fingir que estamos vivendo uma lua de mel mesmo não estando.
– Agradeço a consideração, mas está tudo bem, vamos na festa sim, podemos conversar com nossos maridos e elaborar um plano para sermos o mais convincente possível. Eu e Marcele podemos fazer tortas e churros como fazíamos com nossa mãe, ficar na barraca mostrando que tudo está bem.
De repente, uma das empregadas chega e sussurra algo no ouvido de Margarida.
– Teodoro está de volta, venham meninas.
Não era nosso desejo ser receptiva, mas Margarida nos ajudou tanto, seu apoio foi essencial com os pequenos e sabemos muito bem que ela gosta muito de Teodoro, quando chegamos na sala ele estava lá esperando, antes ele parecia um rapaz jovial e despretensioso, mas agora está com um semblante que o deixou mais velho, com uma barba bem aparada.
Seu olhar sob mim e meu filho me incomodou, quando meu pai falou sobre nosso casamento pensei que poderia amá-lo, seria fácil sentir amor por ele com o passar do tempo, mas o engano de sua família aconteceu, fiquei grávida do seu primo e os planos que ele tinha para tentar ser meu marido foram frustrados.
– Meu lindo sobrinho, como é bom tê-lo de volta, me conte tudo da sua viagem. Estou ansiosa também para os presentes que me prometeu.
Margarida gosta muito de Teodoro, mesmo viajando eles mantiveram contato, seu olhar sobre mim é insistente como se quisesse ficar sozinho comigo. O que ele quer não é mais possível, poderíamos ser um casal, Davi poderia ser seu filho, mas a vida não quis assim. Ele cumprimentou Marcele e depois a mim usando o seu melhor sorriso, mas não se aproximou do meu filho.
Hugo e Teodoro sempre tiveram embates um com o outro por vários motivos, depois do que houve ele resolveu viajar provavelmente fugindo da realidade de que Hugo conseguiu se casar comigo, alguém que quase foi sua esposa. Fui simpática e usei toda arte do fingimento que mamãe me ensinou para ser agradável com Teodoro.
– Fiquei preocupada de não conseguir chegar a tempo para nossa festa.
– Não perderia essa festa por nada tia, meus pais amavam e por consequência também tenho uma afeição muito grande por essa comemoração. Vocês vão participar, primas?
O jeito que nos chamou de primas foi estranho, mas fingi que não percebi o sutil desgosto ao constatar que éramos parentes não da forma que desejava.
– Sim, vamos montar a tradicional barraca da família Gusmão com a venda das tortas salgadas e churros.
– Gusmão? Vocês agora são Assis, portanto devem ficar na mesa principal mostrando a beleza da nossa família e não em uma barraca como os demais membros.
Não gostei da forma que falou como se estivesse com raiva da nossa posição na família Assis, mas minha sogra soube ser sábia e dar a resposta certa.
– Elas têm minha benção. Rute sempre foi a que mais contribuiu com arrecadação de fundos para a instituição da cidade, tenho certeza de que suas filhas vão fazer um excelente trabalho.
Agradeci mentalmente Margarida pela defesa, pedimos licença para ir até o quarto para colocar as crianças para dormir, Teodoro me causou um grande estranhamento com suas insinuações, sorrisos e olhares que me deixaram incomodada. Coloquei Davi no berço enquanto Marcele fazia o mesmo com Rute, minha irmã quis descansar um pouco enquanto fui buscar Jorginho, foi nesse momento que fiquei frente a frente com Teodoro sem outra pessoa próxima.
– Gabrielli, podemos conversar?
Queria dizer que não, fingir que não estava falando comigo, mas pensei no que fez pelo meu pai e consequentemente por mim e meus irmãos, sei que suas intenções foram claramente uma forma de afrontar seu primo que tanto odeia e ter a mim como esposa, mas infelizmente seus planos não saíram como queria.
– Sim, Teodoro.
– Estar lá naquele dia me destruiu de dentro para fora. Hugo tocou em você como se fosse uma prostituta sem honra ou reputação, aquele animal maldito manchou você e ainda a engravidou, sabe que se não fosse por seu filho estaríamos juntos? Não me importaria de tê-la mesmo depois daquele desgraçado ter manchado você como uma vagabunda.
A forma como fala de toda a situação me leva novamente para aquele dia, não sei qual realmente é sua intenção, mas para mim não é boa.
– Teodoro, o que quer de mim? Sei de tudo isso que falou, já me sinto imunda o suficiente, não preciso que você me lembre disso. Não é culpa minha, sei que sabe disso, mas acredito que é importante que saiba que queria o nosso casamento antes de tudo o que houve, fiquei conformada em ser sua noiva e futura esposa, você não era um assassino ou um soldado de elite como meu pai. Me daria uma vida confortável e tranquila, filhos e sei que com o tempo o amaria como minha mãe amou meu pai, minha vida seria para servi-lo e amá-lo, mas não aconteceu assim. Você queria que chorasse? Brigasse? Enfrentasse as cinco famílias? Ou passasse dificuldades com três crianças junto com minha irmã?
Ele tentou se aproximar, mas o repeli, não sei realmente o que está acontecendo aqui, Teodoro talvez tenha esquecido quem são os cinco e o que são capazes.
– Agora sei o que você quer, me fazer sofrer por ter escolhido dar conforto e uma vida melhor para minha família, Teodoro não tem um dia que não pense no que houve, que não me sinta suja e manchada, não será suas indiretas e olhares cheios de julgamentos que vão me desestabilizar. Agora me deixe em paz, em nome de Deus esqueça da minha existência, não aja como se fosse difícil.
– Amo você Gabrielli, só é difícil olhar para você e para o filho dele sem pensar que deveria ser eu do seu lado, Hugo não merece você e nunca será um bom homem. Ele vivi no bordel nos braços da p**a que mantém, todos sabem, até mesmo eu estando longe soube da aventura dele de anos devo dizer.
Eu sabia disso, mas profundamente agradecia a Tina pela função de servir Hugo, sei que ele tem suas necessidades e jamais iria impedi-lo de viver sua vida. Ele é um ótimo pai, e de alguma maneira entendeu que nosso casamento nunca poderá ser real.
– Teodoro, a vida particular do meu marido não me interessa, o que realmente quer de mim?
– Quero você. Não importa como, mas quero você, comprei uma casa em uma propriedade afastada daqui, é um lugar aconchegante e bonito, Hugo não vai se importar. Podemos ser um do outro como deveria ser, faria você se sentir amada e especial.
Amada e especial? No fundo sei que nunca serei, a verdade é que estou viva por minha família, se não fosse por eles estaria morta. A janela que dá vista para o belo jardim da casa me chamava não por sua beleza, mas pelo desejo de acabar com tudo. As vezes a noite quando todos dormiam eu me sentava na janela pensando em como seria fácil me jogar. Ser amante de Teodoro não acabaria com essa dor estranha no peito, não serviria de nada, apenas traria mais imundície e sujeira em mim.
– Teodoro, não sou mais aquela Gabrielli, esqueça de mim e do que fui. Será melhor para você!
Viro as costas seguindo meu caminho, ninguém pode tirar essa dor do meu peito ou fazer com que me sinta amada e especial, tenho que lidar com minha realidade, mas agora com Teodoro aqui me fazendo lembrar do que poderia ser não será nada fácil.