capítulo 3

1070 Palavras
Síria volta a si novamente, ainda com o gosto amargo das lembranças na boca. Naquela noite, ela perdeu tudo, até a sua identidade. Naquela noite, Mia morreu, e Síria nasceu. Ela termina o restante do vinho, desce novamente, lava a taça e volta para o quarto. A noite foi agitada. Ela quase não dormiu. Pesadelos que há muito não tinha haviam retornado para assombrá-la. O seu corpo estava pesado, e sua mente, um caos total. Quem a visse naquele momento não a reconheceria. Ela se levanta, toma um banho rápido, veste uma regata preta e uma calça folgada, calça os seus chinelos e desce para tomar café. Os outros já estavam sentados à mesa. — Bom dia, maninha, como foi sua noite? Nico dispara assim que a vê. Ele sabe que a sua noite foi terrível, mas não perde uma oportunidade de atazaná-la. — Horrível — diz ela, servindo-se de uma xícara de café. — Sabe do que precisa? — continua ele. — Não, mas tenho certeza de que vai me dizer. — Um namorado. Os outros o olham com espanto. Esse assunto era quase um tabu naquela casa. — Eu não sabia que tinha perdido o amor à vida, Nico — ela o encara com olhos mortais. — Qual é! Você não pode ficar sozinha o resto da vida, e o seu mau humor é de matar. — Não. — Tenho alguns amigos. O que acha de um encontro? — Sua persistência era louvável, mas na cabeça de Síria, ela só queria espancá-lo naquele momento. — Chega, Nico. Vamos tomar o nosso café em paz — o chefe põe fim à conversa, recebendo um olhar de agradecimento de Síria. — O que vai fazer hoje, Si? — pergunta Xavier. — Vou passar na oficina para ver o Antônio. — Ele deve estar puto da vida com você — diz Nico, rindo. — Não tenho alternativa. Preciso ao menos me explicar. — Você precisava ver a cara dele quando viu a situação em que a moto chegou — Nico ri —, foi impagável. Parecia que ele ia ter um infarto. — Não deve ter sido tão r**m assim — diz ela, encarando-o. — Foi, sim — completa Charles. — Se eu fosse você, levava café. Isso sempre o acalma. Ela suspira, passando a mão pelos cabelos. — Não desanime. Lembre-se de que você já passou por isso antes — diz Ricardo com um meio sorriso, saindo da cozinha. — Isso não me conforta muito. — Boa sorte pra você — diz Xavier, saindo também. — Vamos, maninha, ânimo. E lembre-se! — O quê? — As coisas sempre podem piorar. Ela pega uma faca sobre a mesa e a arremessa na direção de Nico, que se abaixa a tempo de salvar o pescoço. — Viu! É por isso que você não tem namorado. — Eu vou te matar, Nico! — diz, levantando-se e indo na sua direção. — E essa é minha deixa — diz, correndo. — Tchau, maninha! Nico era incorrigível, mas ela amava esse jeito dele. Às vezes, só queria que as coisas fossem como antes. Enchendo uma xícara de café, ela se dirige à oficina no subsolo. Não foi preciso ir muito longe para ouvir os gritos de Antônio. Ela começou a repensar a sua decisão de vê-lo. — Oi, Tony. — Como você ousa dar as caras por aqui depois do que fez?! Antônio era o melhor mecânico que tinham. Aos quarenta e poucos anos, era baixo, com cabelos negros e curtos, e pele morena. Era uma pessoa amável e gentil, quando não estava bravo. — Vim pedir desculpas — diz ela, ainda na porta. — Uma hora você vai me matar, Síria! Tem noção de quanto tempo investi naquela Ducati?! — diz, passando as mãos pelos cabelos e andando de um lado para outro. — Não tive escolha desta vez. — Você disse a mesma coisa nas outras vezes também. — Aqui — diz, estendendo a xícara de café para ele —, trouxe café. — Não pense que pode me comprar com café — diz, pegando a xícara das suas mãos e tomando um gole. — Posso te ajudar a consertar. — Nem pensar! Se o chefe te pega trabalhando aqui, ele me mata. Ela entra na oficina e lhe dá um abraço, deixando-o surpreso. — Vou te recompensar pelo trabalho — diz, soltando-o. — Você sabe que nos preocupamos com você — diz, segurando os seus ombros. — Quando veículos chegam naquela situação, a primeira coisa que pensamos é que você se machucou. Cuide-se melhor, está bem? — Desculpe por preocupá-lo. Vou tomar mais cuidado. — Ótimo. Sabe que é como uma filha para mim. Não me faça ficar preocupado à toa — diz, olhando nos seus olhos. Ela apenas assente, e ele se afasta. Antônio era uma pessoa incrível, sempre a ajudando na sua fase difícil. Ele era família. Já enxugou as suas lágrimas muitas vezes. — O que vai fazer nestas férias? — Nada. — Tire um dia para visitar a Joana. Ela não para de perguntar por você. Joana era sua esposa, uma senhora amável e muito querida. — Eu vou. Também sinto falta dela. — Isso é bom. Ela vai ficar muito feliz — diz, sorrindo. — Faz tempo que não a vejo. Vai ser bom tirar um tempo para conversarmos. — Verdade — ele para o que estava fazendo e se vira para ela. — Quando vai arrumar um namorado? Ela o encara, com olhos arregalados. Antônio nunca havia lhe perguntado isso. — Até você! — diz, fazendo careta. — Qual é o problema de vocês hoje? Antônio fica surpreso, depois começa a sorrir. — Foi o Nico, não foi? — Sim. — Aquele garoto tem coragem. — Vocês não deveriam estar preocupados com isso. — Isso é impossível, querida. Queremos te ver bem, e ele só disse o que todos por aqui pensam — diz, aproximando-se e sentando ao seu lado. — Quando foi que entrei para essa empresa de encontros? — Seja sincera comigo — diz, olhando nos seus olhos. — Já está na hora de deixar o passado para trás e focar no seu presente. Ela suspira e o encara. — Não sei se consigo. — Consegue sim, assim que encontrar o cara certo. Ele sorri, bagunça os seus cabelos e volta ao serviço. O seu telefone toca, e ela vê que é Alícia. Finalmente!
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