Após alguns minutos, Fabrício traz as doses de cana para os três, que tomam rapidamente e fazem algumas caras e bocas, e logo depois, Caio volta e senta conosco novamente e demonstra-se completamente surpreso ao avistar as outras duas pessoas que estava na mesa:
- João, Stefanny?? Caraca, não acredito! Quanto tempo não os vejo! Tudo bem? Lembro de quando vocês começaram a namorar ainda no fundamental. Sempre se deram bem e eu os invejava tanto – disse completamente sorridente, enquanto puxava a cadeira para se sentar.
- Sim..., nossa, você por aqui é realmente surpreendente, não vimos que era você! Estamos bem sim, sabe como é: muita conversa e compreensão. – Retrucou João um pouco inseguro e cabisbaixo.
- Entendi... isso é muito fo...! – Antes que Caio terminasse de falar, João prosseguiu:
- Para ser honesto, se não fosse Victor, estaríamos piores! – Falou como se estivesse aliviado ou arrependido. De fato, em breves palavras notamos o quanto ele estava angustiado pela sua situação atual.
- Tomou uma dose e já tá falando da sua vida tão fácil, querido? Quer dar a senha do seu cartão também? – disse sarcasticamente Stefanny enquanto soprava seu copo vazio de cana (ela fez isso mesmo que você leu).
Victor sorriu e enfim, continuamos a beber e demos muitos risos, assim como inconvenientemente houveram algumas brigas entre o casal e Victor aos poucos soltava seu comportamento sádico, e ficava nítido principalmente quando discutiam, mas em uma briga que aconteceu no bar posteriormente, ele realmente não se conteve e pude notar o quanto ele estava se divertindo com aquilo! E não era algo que muitos podem dizer “é somente uma briga de bêbado”, houve um momento que o homem puxou uma faca para o outro e quase o cortou. Todos do bar tentaram apartar, mas ele só ficou rindo e seu olhar brilhou muito mais do que quando estava conversando conosco. Então fiquei desconfiado, mas segui descontraindo com todos, e apesar do ocorrido que nos deixou tensos, tentamos nos divertir, até que em certos momentos eu evitava falar muito com Victor, mas ele não parecia notar e falava abertamente comigo:
- Marcos, você tem muita energia, aparentemente! O que você aspira, querido? – perguntou Victor todo carismático e alegre, mas seu semblante não condizia.
- Ah..., pretendo ser um explorador como Marco Polo, sabe? Quero conhecer cada canto do mundo, cada cultura e afins. Estudo arqueologia para isso. – Retruquei com um pouco de receio e desviando meu olhar algumas vezes.
Victor aproximou-se um pouco mais, com um olhar medonho e um sorriso completamente estranho e sedento, perguntando:
- Será um caminho que exigirá muito de você, não é? Quantas coisas você terá que abdicar para chegar onde quer?
- Sim..., é... – Concordei um pouco desconfortável, e mudei de assunto –, mas me fale sobre você. Parece ser um cara com muitos planos! E vocês dois também parecem ter grandes planos. Querem falar sobre?
- Na verdade, não comentamos muito sobre o que planejamos, pois quanto menos gente saber, melhor, sabe? – retrucou João.
- Concordo, João. Olha... tenho que ir agora – Disse Victor enquanto se levantava –. Amanhã será um longo dia.
- Ah, acho que todos nós estamos saturados, para ser honesto. – Complementou Stefanny enquanto se levantava e procurava algo na bolsa.
- Sendo assim, vamos pagar as contas e nos despedirmos adequadamente. – Retrucou concordando Caio e retirando seu dinheiro com os demais.
Victor, Stefanny e João se dirigiram até a saída e escutei apenas João dizer “não vou poder dirigir, eu acho” e em seguida, escutei Victor dizendo “Vocês não beberam tanto, além disso, vocês mereceram! Você foi promovido, não é? Tem um casamento de anos e uma futura filha. Hoje é mais que uma celebração” disse enquanto abraçava ambos e partia, depois não escutei o que falavam mais.
Após pagarmos, fomos até a saída e nos despedimos adequadamente e trocamos os números um com o outro, mas fui o único que se recusou entregar o número e disse que era mais reservado, uma ótima justificativa, acredito. O casal entrou no carro e questionei-os mentalmente pelo fato de estarem embriagados, e antes de dar partida até tentei ir até eles, mas Victor ficou na minha frente e perguntou:
- Por acaso, você vai descer a rua? Não quero correr o risco de ser assaltado, então posso acompanhar vocês? – disse enquanto erguia suas mãos e expunha ambas as palmas, mantendo aquele jeito cínico.
- Ah, sim, por que não? Na verdade, Caio vai por outro caminho. – Retruquei quando notei que não daria tempo de eu falar com eles sobre dirigir no estado que se encontravam.
Um pouco aflito, apenas desci até ao Açude para pegar o caminho de casa, em silencio e completamente incomodado por estar com Victor. Antes de eu seguir para a esquerda, Victor para e anuncia:
- Espera! Vou atravessar aqui. Obrigado pela companhia. – disse com aquele sorriso descaradamente falso.
- Não devia ter dito que estava tudo bem ele dirigir embriagado. – Retruquei rispidamente olhando em seus olhos, completamente sério.
- Ah, sério? Nossa, sinto muito! Não sabia que estavam tão embriagados. – disse com aquela voz irritantemente cínica, não obstante, com o mesmo sorrisinho sádico.
- Fala sério, cara, isso foi vacilo! Não vejo graça em saber que pessoas estão se arriscando desnecessariamente.
Victor emudeceu, e após alguns segundos, retrucou com uma expressão diabólica e o mesmo sorriso, como se seu olhar penetrasse em minha alma e suas palavras perturbassem toda minha paz, toda minha estabilidade e sabotasse até minha postura com ele. Naquele momento, senti como se outras presenças estivessem atrás de mim pronta para consumir-me e arranhando todo meu corpo, pelo menos, pareciam ansiar devorar minha alma ou mutilá-la:
- Você é como a maldita bruxa Cecília, não é? – disse quanto tirava um cigarro do bolso e posteriormente colocara na boca deixando-o pronto para acendê-lo, e prosseguiu: o que fizeram ou deixaram de fazer não lhe diz respeito. Você não pode fazer nada! Em contrapartida, meu querido, você tem muito o que fazer em sua vida, não é? – e aos poucos ele aproximara de mim cada vez mais intenso e sério – Tantos planos..., isso me desnorteia, de fato, deixa eu provar só um pouquinho dessa vida! O mundo todo está tão mórbido e fatídico que mata-me todos os dias de tédio da vida corriqueira, mas pessoas que dedicam-se todos os dias, lutam, sonham e se sacrificam para ter tudo são impressionantes, assim como pessoas radiantes... O desespero de uma vida por um fio exposta no olhar me excita.
De reflexo e em choque, vi seus olhos escurecerem e esbugalharem enquanto erguia suas mãos e sua voz passava por algumas metamorfoses, mas corri sem parar! E quando olhava para trás, via-o ter alguns espasmos e até se contorcer algumas vezes enquanto gritava “deixe-me entrar, deixe-me entrar! Você transborda vida”, e então só corria mais e sem olhar para trás mais! E escutava sua voz demoníaca ecoar na minha cabeça dizendo “vida, vida! Você transborda vida!” o que fazia eu correr cada vez mais! Até chegar em casa. Às vezes, enquanto corria, as luzes piscavam e o ambiente mudava drasticamente como se eu estivesse entrando em outro lugar, outro mundo com coisas envelhecidas caindo aos pedaços com baixa iluminação ou com alguns postes falhando cada vez mais! Estava tudo morto com uma aparência amarelada cada vez mais envelhecida, e escutava sua voz, em certos momentos mais intensa, grossa e distorcida gritando “DEIXE-ME ENTRAR, DEIXE-ME ENTRAR!” juntamente com alguns gritos de desespero, como se estivessem em agonia pedindo socorro.
Quando cheguei em casa, abri a porta em desespero, liguei todas as luzes, fechei todas as janelas e tomei um ar enquanto estava em frente ao quarto e senti como se algo estivesse na minha esquerda, na cozinha, me observando. A luz piscou algumas vezes e eu estava completamente apreensivo de ter que olhar para lá! Eu lentamente virava até a cozinha, com a luz amarelada agora, e pude ver um homem alto vestido de branco, em pé, com as costas arriada, como se estivesse cabisbaixo e olhando para baixo enquanto sofria com alguns espasmos. Ele foi virando lentamente até encarar-me; ele tinha os lábios costurados e seus olhos escorriam sangue! Repentinamente ele pôs-se a esmurrar sua própria cabeça e gritar como se desesperadamente quisesse falar algo. Em seguida, ele colocou suas mãos em sua boca a fim de descosturar a força e lentamente foi abrindo e se mutilando cada vez mais e gritando de dor e agonia. Entrei no quarto sem pensar duas vezes, tranquei e deixei a luz acesa e encarei a porta sem piscar. Escutei alguns cochichos, e depois, choros de agonia junto com gritos desesperados dizendo “DEIXE-ME ENTRAAR, DEIXE-ME ENTRAAAR, ele está vindo, ele tá chegando, NÃO, NÃO, NÃÃÃÃÃÃO!” e alguns ruídos como se alguém golpeasse sem parar alguma coisa, e até barulho de corte e alguns murmúrios de dor. Depois, tudo ficou em silencio. Eu estava ofegante e em cima da cama com meu lençol torcendo para que fosse só um pesadelo, mas lá estava eu encarando a porta com aquele silencio terrível. Após alguns minutos, ouço alguns passos se aproximando do quarto, mas não bateram na porta. Depois de mais alguns minutos, alguém bate na porta e diz “Deixe-me entrar, Marcos, essa porta não vai me segurar. Você vai dificultar as coisas mesmo?” apenas fiquei em silencio todo tremulo, até que depois as luzes se apagaram e eu simplesmente me cobri, e em prantos, sussurro “por favor, para, por favor, eu não” e então as luzes se apagam e reacendem com uma tonalidade amarelada e percebo sua silhueta. Meu corpo involuntariamente se moveu, por mais que eu relutasse, não conseguia controlar, então removia lentamente meu lençol, e aos poucos estava prestes a ver aquilo. Quando ia remover por completo o lençol e me reerguer para ficar sentado na cama, a luz se apaga novamente! E quando estava prestes a gritar socorro, alguma coisa pressiona meu pescoço e repentinamente as luzes se acendem, e lá estava ele: Victor, com seus olhos mortos e penetrante, babando como se estivesse faminto e com as veias do rosto saltando e pulsando completamente anormal, com o rosto mutilado. Enquanto me segurava, ele perguntou com um sorriso tenebroso, com a boca cortada até as bochechas:
- O que você sussurrou? REPITA, REPITA, REPITA! – e pressionava cada vez mais meu pescoço.
Só retruquei as mesmas palavras “por favor, para, por favor, eu não” com extrema dificuldade e ele só gargalhou e me soltou, e ficou rindo sem parar e disse “que assim seja, mais tarde você deixará eu entrar” e logo entrou em prantos , se contorcendo e gritando continuamente “DEIXE, DEIXE, DEIXE-ME ENTRAR! DEIXE, DEIXE” e assim tudo..., tudo se apagou novamente.
Na manhã seguinte, acordo um pouco confuso e com a pior das dores de cabeça, como se tivesse acertado continuamente cabeçadas na pia de porcelana. Levantei-me um pouco confuso e, em seguida, relembrei a noite terrível que tive e recolhi-me para o canto da cama e fique escorado na parede por alguns minutos. Depois, peguei o celular e verifiquei o horário e ainda era manhã. Não estava atrasado para o trabalho, o canto dos pássaros ecoava pela minha cabeça estridentemente e instigava enjoo. Após alguns minutos, decidi sair do quarto. Levantei-me às pressas e nevoso: pronto para enfrentar o mundo! Até gritei “f**a-SE!”. Ao abrir a porta, não tinha um corpo sequer e nem sangue. Tudo estava do jeitinho que deixei. Fiquei confuso... fui olhar na cozinha pegar remédio pra dor de cabeça que estava no armário. Depois peguei a água e fui mexer no celular. A mensagem não podia ser a pior, minha manhã sumiu com o resquício de vontade com aquilo:
- Marcos... Stefanny e João foram encontrados mortos em um acidente. Tentaram socorrer, mas... É isso. Vamos tomar um café pra falar sobre isso, a funerária se encarregará do resto.
Então assim concluir o porquê dele ter partido e me deixado em paz naquela noite. Na verdade, só desconfiava porque estava perplexo ainda e sem saber o que fazer, então sucumbi as minhas paranóias sobre tudo... O que aconteceu ontem era real a ponto de provocar essa... Calamidade? O que houve tem a ver com o que acho?