Eu não sei se vou conseguir aguentar.

1073 Words
Saio do chalé com o peso de cada passo ecoando em meu peito, a brisa suave do lago me acompanhando enquanto caminho de volta para casa. O gramado, verde e fresco, parece ainda mais silencioso sem a presença de Jake, e a cada movimento que faço, a saudade cresce, um lamento silencioso que se mistura ao som distante da água. A casa principal está à frente, grande e imponente, com suas janelas abertas deixando a luz da tarde entrar e aquecer o ambiente. Tudo ali me é familiar, mas, ao mesmo tempo, sinto como se estivesse à deriva, perdida dentro de um lugar que já foi meu lar e agora é apenas uma casa vazia, sem ele. Entro pela porta da cozinha, onde minha mãe sempre esteve, com sua presença firme e acolhedora. Ela está diante da pia, mexendo em alguma receita que, com certeza, só ela sabe fazer direito. O cheiro de especiarias no ar me traz uma leve sensação de conforto, mas nada consegue aliviar a dor que me aperta. — Mãe — digo, minha voz quase inaudível, mas cheia de uma quietude que não consigo disfarçar. Ela se vira, e eu vejo o olhar atento e preocupado dela, sempre tentando me enxergar além do que eu mostro. — Ah, Jéssica, você já terminou? — Ela pergunta, deixando a colher de lado e vindo até mim, as mãos ainda cobertas de farinha. — O chalé está pronto para o inquilino? Eu respiro fundo e tento me manter firme. Não quero mostrar a fragilidade que me corrói por dentro, a dor que se mistura com o esforço de tentar seguir em frente. — Sim, mãe — respondo, tentando soar mais tranquila do que realmente me sinto. — Está tudo limpo e arrumado. O chalé está pronto para receber esse novo hóspede. Eu... eu fiz tudo o que você pediu. Minha mãe sorri, um sorriso suave, mas com a preocupação habitual nos olhos. Ela sempre soube como segurar a nossa vida com as mãos firmes, mas, por dentro, eu sei que ela também sente o peso das perdas, mesmo que não demonstre. — Eu sei que você está fazendo o seu melhor, filha — ela diz, com aquele tom de quem sabe que, apesar de todos os nossos esforços, nada pode realmente apagar o que aconteceu. — A conta está paga e tudo está no lugar. Agora, só precisamos esperar que o hóspede chegue. Eu tento desviar o olhar, não consigo deixar de sentir que o próximo verão será uma nova versão do mesmo ciclo doloroso. Mas antes que eu possa mergulhar nesses pensamentos, minha mãe se aproxima um pouco mais, seu olhar agora um pouco mais sério. — Ah, Jéssica, você não vai acreditar quem é o novo inquilino. — Ela parece hesitar por um instante, como se as palavras pesassem mais do que o normal. Eu a olho com curiosidade, mas também com um desconforto crescente, um pressentimento que parece ser uma sombra à minha frente, obscurecendo até a luz do dia. — Quem é? — pergunto, tentando manter a calma, embora uma parte de mim sinta uma raiva fria tomando forma. Algo me diz que eu não quero ouvir a resposta. Minha mãe, sem hesitar mais, diz, quase com um ar de resignação: — O Jason... o irmão de Jake. Ele vai alugar o chalé por um mês. Aquelas palavras soam como um soco no meu estômago, e eu m*l consigo processá-las. Jason. O irmão de Jake. Não posso acreditar no que estou ouvindo. Sinto uma onda de revolta subir pela minha garganta, e o ar ao meu redor parece se tornar mais denso, mais pesado. — O quê? — Minha voz sai mais ríspida do que eu gostaria, e minha mãe me olha com uma expressão que mistura surpresa e tristeza. — Sim — ela diz, percebendo a tensão no meu rosto. — Ele entrou em contato com a imobiliária. Ricardo organizou tudo. Ele está vindo para a temporada, Jéssica. Acho que... acho que ele está tentando se afastar de tudo, sabe? Ele tem direito ao chalé também, não? Mas eu não consigo ouvir as palavras dela. Elas se perdem em um turbilhão de pensamentos que se chocam dentro de mim. Jason. Eu não posso simplesmente... encará-lo. Ele é o irmão de Jake, com os mesmos olhos, o mesmo sorriso, a mesma maneira de ser. Cada passo que ele der naquele chalé será como um golpe direto no meu peito. Como se Jake estivesse de volta, mas de uma forma que eu não posso mais tocar, não posso mais amar. E, pior ainda, eu sei que sou incapaz de simplesmente aceitar. Não consigo simplesmente passar por isso, sem que a raiva me consuma. Foi Jason quem convenceu Jake a ir para aquela festa, para aquele evento. Foi ele quem insistiu, quem puxou Jake para aquela noite fatídica, onde o acidente aconteceu, onde minha vida desabou. Eu o culpo, eu sempre o culpei, e agora terei que vê-lo, com seus gestos e risos, com a cara de Jake estampada em cada movimento. Ele será um lembrete c***l do que perdi, do que ele, Jason, teve e que me foi arrancado. Eu me afasto, minhas mãos tremendo ao me apoiar na mesa, e minha mãe, percebendo o caos que se desenrola dentro de mim, tenta suavizar a situação. — Filha... Eu sei que é difícil. Sei que você ainda está carregando muito. Mas talvez seja uma chance de encontrar algum tipo de paz, não é? Eu a olho, com uma dor aguda me atravessando, e digo, com a voz tensa e cheia de amargor: — Paz? Como posso encontrar paz com ele aqui? Com ele se aproximando de tudo que Jake era? Não, mãe, eu não consigo. Ela me observa por um instante, e eu vejo a dor refletida no seu olhar. Ela também sente a falta de Jake, mas a maneira como ela tenta lidar com isso é tão diferente da minha. Para ela, manter a casa cheia, os negócios em andamento, é uma forma de se proteger. Mas, para mim, essa presença de Jason será um tormento. Eu não sei como encarar esse rosto, essas feições que são tão parecidas com as de Jake. Ele não merece estar aqui. Ele foi o responsável pela morte dele, e agora eu sou obrigada a aceitá-lo no único lugar que ainda carrega as nossas memórias. Eu não sei se vou conseguir aguentar.
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