Os minutos se arrastam, e, quando finalmente consigo fechar os olhos, flashes de lembranças fragmentadas invadem minha mente. Não são memórias completas, apenas imagens, sensações. Um riso, uma voz, a luz do sol refletida na água... e então, o som de pneus derrapando e um vazio escuro que me engole.
Abro os olhos de repente, o coração disparado, e me sento na cama, respirando com dificuldade. O quarto parece menor, como se as paredes estivessem se aproximando. Preciso sair, preciso de ar.
Levanto-me rapidamente, calçando os sapatos e saindo pela porta. O céu já está claro e o sol está alto. O mormaço toca meu rosto, mas, por algum motivo, o peso no meu peito ainda está lá. Caminho lentamente em direção ao lago, sentindo o chão macio sob meus pés e tentando organizar os pensamentos.
Caminho até o lago, observando a água calma e serena, completamente oposta ao que sinto por dentro.
Jéssica está na casa principal, ocupada com sua vida, e eu estou aqui, tentando juntar os pedaços de uma identidade que nunca mais pareceu completa.
Tudo o que posso fazer agora é tentar manter o controle. Um dia de cada vez. Um passo de cada vez.
— Jason? — ouço a voz suave, mas com uma pontada de impaciência.
Viro-me lentamente, e encontro Jéssica parada a poucos passos de mim. Seus olhos verdes estão focados em mim, os braços cruzados enquanto ela me encara. Sua presença parece iluminar tudo ao redor, mas isso só intensifica o turbilhão dentro de mim.
— É hora do almoço. Mamãe está esperando, e você não apareceu.
Eu hesito, não porque não queira ir, mas porque sua proximidade me desestabiliza. Sua postura, seu olhar, o tom familiar com que ela fala... Tudo parece me desafiar, me forçando a enfrentar algo que ainda não consigo identificar.
— Eu... perdi a noção do tempo. — Murmuro, tentando parecer mais composto do que realmente estou.
— Bem, você foi avisado. — Ela diz com um meio sorriso, mas há algo nos olhos dela que não consigo decifrar. — Mamãe gosta de pontualidade.
— Certo, estou indo.
Começo a caminhar de volta com ela, o silêncio entre nós carregado de algo indefinido. A cada passo, sinto o peso do olhar dela sobre mim, como se estivesse tentando me entender, ou talvez me comparar a alguém que já conheceu.
Quando nos aproximamos da casa principal, ela quebra o silêncio.
— É bonito aqui, não é? — digo, para quebrar o silêncio.
— Sim. Como sabe, era o lugar favorito de Jake. — Ela diz de repente, e o nome cai como uma pedra na água, provocando ondas invisíveis dentro de mim.
Fico quieto, sem saber o que dizer, e ela parece perceber e me lança um olhar curioso. Quando chegamos à varanda, ela abre a porta, e o aroma de comida caseira me atinge, trazendo uma sensação de conforto inesperado.
— Vamos, antes que minha mãe reclame. — Ela diz, com um tom mais leve, mas ainda há algo no olhar dela que não consigo ignorar.
Sigo para dentro, sentindo que, embora o chalé fosse para ser meu refúgio, a verdadeira batalha está apenas começando — e ela, de alguma forma, está no centro disso tudo.
Entro na casa principal logo atrás de Jéssica, o aroma de comida fresca me envolvendo. O ambiente é acolhedor, mas carrega aquele tipo de calor que não consigo encontrar dentro de mim. A luz do sol atravessa as grandes janelas, iluminando a sala de jantar com uma suavidade quase reconfortante.
Na mesa, Ester Williams, a mãe de Jéssica, organiza pratos e talheres com um sorriso gentil no rosto. Assim que me vê, o sorriso se amplia, e é como se ela já soubesse quem sou, como se houvesse uma familiaridade que eu deveria compartilhar, mas não sinto.
— Jason! — ela exclama com entusiasmo. — Quanto tempo, meu querido! Achei que fosse ficar trancado no chalé o dia todo.
Forço um sorriso, tentando ignorar o aperto no peito.
— É bom também te ver, senhora Willians. — Respondo, escolhendo as palavras com cuidado para não parecer desconfortável.
— Que isso, sem formalidades! Você me chamava só de Ester antes, lembra? — Ela diz, rindo de leve.
Antes? Se ela soubesse que não me lembro dela, nem de como era estar aqui, nem de nada que tenha acontecido antes do acidente. Tento manter a expressão neutra, mas o peso das palavras dela me atinge.
Jéssica passa ao lado da mãe, pegando uma jarra de suco e a colocando na mesa com um movimento ágil. O olhar dela recai sobre mim por um instante, como se estivesse analisando minha reação.
— Mamãe, deixe Jason respirar. Ele acabou de chegar. — Ela diz, com um tom casual, mas percebo algo mais em sua voz. Talvez p******o, ou talvez a intenção de desviar a conversa.
Ester sorri, sem se abalar.
— Claro, claro. Só fico feliz de ver você de novo. Faz tanto tempo que não aparece. A última vez foi... bom, foi com a Sara, não foi? — Ela pergunta, lançando um olhar para Jéssica.
O nome não me pega de surpresa. É a garota que tentou se aproximar de mim depois do acidente e eu terminei a nossa relação por não me lembrar dela.
— Faz bastante tempo mesmo. — Respondo, optando por uma afirmação genérica.
— Vocês dois eram inseparáveis. — Ester continua, claramente animada com a conversa. — De vez em quando surgiam aqui, nadavam no lago, torravam milho na fogueira... Era tão bonito ver vocês dois.