Esquecer o passado"? Uma ironia tão dolorosa que quase rio.

1053 Words
A lágrima que vejo surgir em seu rosto me atinge como um soco, tirando todo o ar dos meus pulmões. Um aperto se forma em meu peito, uma mistura de culpa, compaixão e algo que não consigo definir. Algo dentro de mim se recusa a deixá-la sofrer assim. Como se a dor dela fosse minha também. Em um impulso desajeitado, apresso-me a dizer: — Bem, não vamos ficar presos ao passado e reviver o que ainda nos machuca. Jéssica É sério? "Esquecer o passado"? Uma ironia tão c***l que quase rio. Como posso seguir em frente se o passado agora se apresenta na forma de Jason, ali, de carne e osso, como a lembrança viva de tudo o que perdi? Eu respiro fundo, tentando manter a compostura. Sinto uma vontade quase incontrolável de chorar de novo, mas reprimo as lágrimas. A perda de Jake ainda é uma ferida aberta, uma dor cravada em meu peito que nunca parece desaparecer. Olhar para Jason é como forçar a própria alma a tocar as brasas dessa saudade. Ele está aqui, sim, mas não é Jake. E ainda assim, a intensidade que sinto me desestabiliza. O homem à minha frente é uma sombra do amor que perdi, uma sombra que desperta tudo o que tento tanto enterrar, e não há como fugir desse confronto. Quando vejo Jason agora, a compreensão me atinge: preciso aprender a lidar com ele. Por mais que sua pele esteja pálida e seu rosto mostre um cansaço incomum, ele e Jake são incrivelmente parecidos. E há algo mais — Jason parece muito mais próximo de Jake agora, como se o acidente o tivesse dado uma maturidade que antes lhe faltava. Sempre fora fácil distingui-los: Jake era firme, centrado, comedido, enquanto Jason, com seu jeito descomprometido e charmoso, tinha uma energia quase infantil. Ele sempre foi o namorador, o sedutor. Não me surpreendeu que ele e Sara não tivessem durado. Jason continua me observando em silêncio, os olhos escuros e profundos percorrendo meu rosto, examinando cada detalhe, desde o rubor nas minhas bochechas até meus cabelos castanhos, quase dourados. Seu olhar finalmente se fixa no meu, uma intensidade ali que me deixa exposta, vulnerável. Então, não consigo mais segurar o peso entre nós e quebro o silêncio. — Há coisas que acontecem que não dependem da nossa vontade — murmuro, a voz carregada de uma dor que tento, em vão, disfarçar. Por um instante, Jason parece abalado, como se minhas palavras tocassem algo nele, mas logo ele recupera a compostura. — Verdade — responde, e então respira fundo, olhando ao redor. — Eu tinha esquecido como tudo isso é bonito — diz, quase como se falasse consigo mesmo, observando a propriedade. Minha própria atenção segue a dele, e de repente, como uma onda que engole a praia, a lembrança de Jake toma conta de mim. Baixo os olhos, tentando afastar as memórias que insistem em retornar. Jake era um homem de uma doçura e sensibilidade únicas, um temperamento gentil, sempre tão calmo. Todas as noites, após o trabalho, ele aparecia aqui. Quando o chalé estava vazio, era nosso refúgio. Lá, nos esquecíamos do mundo lá fora, perdidos um no outro. Lembro-me de como ele ficava em silêncio por longos momentos, observando-me como se estivesse tentando guardar cada detalhe do meu rosto. Quando finalmente quebrava o silêncio, fazia-o de um jeito que me deixava sem ar. Muitas vezes, ele passava o dedo suavemente pelos meus lábios, pelo meu rosto, antes de me silenciar com um beijo inesperado. Nosso primeiro beijo foi... algo completamente novo, um mundo à parte, algo que eu nunca havia experimentado com tamanha intensidade. Nos finais de semana, adorávamos passear pela praia e pelo lago, onde Jake, cheio de energia, exibia seus saltos ornamentais, as piruetas no ar antes de cair na água com a graça de alguém que nasceu para o movimento. Ele era puro entusiasmo, repleto de planos que, um dia, se esvaíram por causa de uma única tragédia. Aquele acidente. O acidente que não levou apenas Jake, mas os sonhos que construímos juntos. As lágrimas me traem novamente, escorrendo pelo rosto. Tento lutar contra elas, mas a dor e as memórias são avassaladoras. É então que sinto a mão de Jason, quente e reconfortante, em meu braço. — Desculpe, Jason... — balbucio, irritada comigo mesma por não conseguir manter o controle...— Você é igualzinho a ele Ele não diz nada, mas há algo em seu olhar que me oferece mais conforto do que palavras jamais poderiam dar. — Tudo bem — ele murmura, apertando os dedos levemente contra meu braço. O contato é breve, mas o suficiente para me provocar um arrepio involuntário que me deixa desconcertada. Puxo meu braço para longe, forçando um sorriso para disfarçar a turbulência que sinto por dentro. — Vamos ver o chalé? — ofereço, tentando quebrar o clima e manter o controle. Jason passa a mão pela testa, limpando o suor que começa a se acumular. Ele coloca os óculos escuros de volta, uma barreira entre nós, e por um instante, sinto que ele também tenta mascarar o que se passa em sua mente. Seus olhos ocultos pelas lentes, seu rosto impassível, mas eu posso perceber uma certa tensão no jeito que ele respira, como se cada palavra, cada movimento fosse uma decisão cuidadosa. — Claro, vamos — ele responde, com uma leve hesitação na voz. Enquanto caminhamos lado a lado, não consigo evitar as memórias que me assaltam. Jason deve estar com quarenta anos agora, a mesma idade que Jake teria. Conheci Jake quando eu tinha apenas dezoito anos, e ficamos noivos no ano seguinte. Eu ainda me lembro de cada detalhe daquela época: o jeito como ele me olhava, a segurança que me transmitia... E agora, ao olhar para Jason, a semelhança é desconcertante, mas há algo de diferente. A dor e as experiências que ele carrega no olhar são próprias, distintas de Jake, como se a vida tivesse esculpido nele uma nova camada, madura e sensível. Jason caminha alguns passos à frente enquanto seguimos em direção ao chalé. Tento me recompor, lembrando que este é Jason, e não Jake. Mas enquanto observo seu perfil, o modo como ele se move, é impossível ignorar a familiaridade entre eles, como se um eco do passado estivesse me acompanhando, silencioso e insistente.
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