Respiro fundo, decidido. O mesmo empenho que coloquei um dia, na minha reabilitação física e para recuperar os movimentos do braço, agora eu preciso aplicar para restaurar minha mente. Os traumas não vão desaparecer sozinhos. Com os olhos pesados de sono, me deito, e, em poucos minutos, sou levado para o mundo dos sonhos. Quando acordo, o quarto já está imerso em sombras. Sinto-me um pouco melhor, como se o descanso tivesse aliviado parte do peso que carregava. Me espreguiço, mas paro ao sentir um movimento ao meu lado. É Eleonora. Ela se levanta de uma cadeira próxima à janela e vem até mim, os olhos dela me estudando com uma preocupação evidente. Ela se senta ao meu lado na cama, os dedos acariciando meu cabelo com um gesto delicado.
— Você está melhor? — ela pergunta, sua voz carregada de uma doçura que quase me faz querer chorar.
Respiro fundo, ainda sentindo o cansaço do sono. O toque dela é suave, mas, de alguma forma, cada dedo que passa pelo meu cabelo parece carregar um peso invisível, uma preocupação que vai muito além do que qualquer um de nós consegue admitir.
— Estou, sim — respondo, tentando sorrir, mas o sorriso não alcança os meus olhos. — Acho que eu precisava dormir um pouco.
Ela segura minha mão, e nossos olhares se encontram, criando uma conexão silenciosa. O toque dela aquece minha alma de uma forma que só a família consegue. O amor fraternal que ela me oferece parece ser o único refúgio seguro neste momento turbulento.
Eleonora me observa em silêncio por alguns segundos, como se estivesse tentando decifrar algo em mim. Então, ela solta um suspiro profundo e se inclina para me abraçar. O cheiro familiar dela me invade, uma mistura de lavanda e algo agridoce que sempre me lembra de casa.
— Eu te amo. Você sabe disso, não sabe?
— Eu sei. Eu também te amo. E não vou muito longe, o chalé é só dez minutos daqui. Pode me visitar a qualquer hora.
Ela me abraça mais forte, como se tentasse me proteger do mundo lá fora.
— E eu estou aqui para o que precisar. Não vou a lugar algum.
O abraço dela é como uma âncora, impedindo que eu seja levado pela correnteza dos meus próprios pensamentos. Fico ali, sentindo o calor do corpo dela contra o meu, e por um momento, o mundo lá fora parece distante. As perguntas, as dúvidas, o medo... tudo se dissolve, como se não existisse nada além deste momento, onde só existe o conforto do nosso vínculo.
Ela se afasta e me convida:
—Vamos até sala?
—Vamos!
Caminho abraçado a Eleonora pelo corredor. Ricardo, com Adam no colo, surge da cozinha quando entramos na sala.
— Está melhor? — ele me faz a mesma pergunta, preocupado. Essa é a pergunta que mais ouço.
— Estou ótimo. — Respondo, sorrindo para ele, tentando transmitir tranquilidade.
Ele assente com um sorriso e coloca Adam no chão. Ricardo é o modelo da competência, tanto na imobiliária onde trabalha quanto como marido. Eleonora fez uma excelente escolha ao se casar com ele. É nítido o amor entre os dois. Dizem que cada panela tem sua tampa certa. Ali estava o homem ideal para ela.
Só ele, para tropeçar nos brinquedos espalhados pela casa sem reclamar, ter paciência quando ela começa a dramatizar as coisas, e ainda achar graça do jeito estabanado dela.
A noite passa tranquila. Sinto-me bem na companhia de Eleonora e Ricardo. Adam também é adorável, exceto quando chora. Penso sarcasticamente, enquanto observo a cena.
É reconfortante esse ambiente familiar, mas ao mesmo tempo, minha irmã monopoliza tanto a minha atenção que, ao sair daqui, sei que farei a escolha certa indo para o chalé. Caso contrário, ela me deixaria completamente esgotado.
Conversamos por um bom tempo sobre muitas coisas. O tema do meu passado acaba surgindo, e ela começa a contar histórias de nossa infância, sempre enfatizando nossas travessuras.
Ela fala com nostalgia sobre a época em que papai e mamãe faleceram, como nos tornamos tão unidos desde então. Conta sobre como sempre nos protegemos e como foi difícil aceitar o namoro dela com Ricardo. Fala de como Jake fez mil perguntas a Ricardo antes de aceitar o relacionamento, e como nós, os irmãos mais velhos, vivíamos bajulando a caçula.
Eleonora, com seus trinta e cinco anos, cinco a menos do que eu, tem a aparência de alguém muito mais jovem. Puxou muito de nosso pai, que era espanhol, assim como Jake e eu. Ninguém na nossa família se parecia com mamãe, loira de olhos azuis, mas todos tínhamos seus traços.
Então, Eleonora muda de assunto e começa a me contar sobre o quanto eu era o mais namorador entre os dois. Jake sempre mais reservado, enquanto eu adorava festas e estava sempre rodeado de gente.
Ao ouvir isso, dou uma risada de mim mesmo. Hoje, sou apenas a sombra do homem que fui. Imperturbável, sabia exatamente o que queria da vida. Se não fosse pelo acidente, eu teria tirado a vida de letra. Agora, me sinto um eremita. Tenho uma vida social razoável por causa do trabalho, mas, se não fosse por ele, seria muito mais recluso. Hoje, acho que sou muito mais parecido com meu irmão Jake.
A noite segue, com risadas e histórias que preenchem o ambiente, mas carregadas por uma melancolia que não consigo ignorar. Observo Eleonora e Ricardo, admirando a força do vínculo entre eles, algo que parece inabalável, mesmo com tudo o que enfrentaram. Sinto uma pontada de inveja. Esse amor simples e genuíno... não sei se um dia vou experimentar algo assim. Ou se já experimentei, antes de perder tudo.
Eleonora se levanta, Adam dorme profundamente nos braços dela. Ela some no corredor, e Ricardo aproveita o momento para se sentar ao meu lado. Seu rosto perde o tom leve de antes; agora, está sério.
— Jason, preciso te dizer uma coisa — ele começa, me olhando diretamente nos olhos. — Sei que você decidiu ficar no chalé, mas quero que esteja preparado.
Franzo a testa, intrigado.
— Preparado para o quê? — pergunto, minha voz sai mais dura do que eu queria.