Ricardo solta um longo suspiro antes de continuar.
— Jéssica. Ela não é só uma sombra do seu passado, Jason. Ela está magoada, ressentida... Ela te culpa pelo que aconteceu naquela noite.
Meu peito aperta. Eu sabia que lidar com Jéssica seria difícil, mas ser visto como culpado? Isso é demais.
— Não consigo lembrar, Ricardo. Como posso ser culpado por algo que nem faço ideia de ter feito? — Minha voz sai mais fria do que deveria, carregando a frustração que cresce em mim.
Ele assente, como se compreendesse, mas isso não torna a verdade mais fácil de engolir.
— Eu sei. Mas, para ela, é como se tudo tivesse acontecido ontem. Na memória dela, você era o irmão que incentivava Jake a se arriscar, a sair da zona de conforto. Aquela festa... foi ideia sua.
Desvio o olhar. As palavras dele me atingem em cheio, como um soco no estômago. Ser julgado por uma vida que não reconheço como minha é c***l.
— E você, Ricardo? O que acha? — pergunto finalmente, minha voz mais baixa, mas carregada de peso, enquanto encaro seu rosto sério.
Ricardo hesita, os olhos evitando os meus por um instante, mas acaba respondendo:
— Acho que é mais complicado do que certo ou errado. Você e Jake eram adultos. Ele fez escolhas, assim como você. Mas, para ela, isso não importa. Só peço que tenha paciência, Jason. Talvez... talvez isso seja o que vocês dois precisam para lidar com o passado.
Fico quieto, tentando absorver o peso do que ele diz. Não é algo que eu queria ouvir, mas sei que é verdade.
Eleonora retorna à sala, senta-se ao lado de Ricardo e nos encara com curiosidade, os olhos se movendo de um para o outro.
— Sobre o que conversavam? — pergunta, com um sorriso leve, mas carregado de expectativa.
Solto uma risada seca, sem humor.
— Sobre como Jason deve se preparar para enfrentar Jéssica e esperar qualquer coisa dela, até mesmo agressividade — responde Ricardo.
Conforme a conversa avança, sinto minha mente ficando pesada, quase como se cada palavra sobre o passado adicionasse mais peso ao meu corpo. O cansaço me invade, e, sem perceber, solto um bocejo. Eleonora, atenta a cada detalhe, olha rapidamente para o relógio da sala.
— Jason, vai descansar. Me perdoe, me empolguei demais — ela diz, com aquele tom de culpa que sempre carrega.
— Amanhã vai ser importante para você — continua, como se tentasse me encorajar. — Sei que não será fácil, mas acredito que você vai sair mais forte.
Aceno com a cabeça, evitando me aprofundar na conversa. Já tive o suficiente para pensar por hoje.
— Só se você parar de me pedir perdão toda hora — brinco, tentando aliviar o clima.
— É que estou tão preocupada com você! — Ela me lança um olhar genuíno, quase maternal, mas é interrompida por Ricardo.
— Eleonora, Jason é adulto. Você o trata como uma criança — ele diz, com um olhar sério que faz minha irmã bufar de leve.
Me levanto, mas ao dar o primeiro passo, meu pé pisa em um dos patinhos de borracha de Adam, que solta um barulho agudo. O som corta o silêncio da sala e me faz sorrir, um gesto raro, mas genuíno.
— Bem, vou dormir. Boa noite para vocês. Amanhã não quero sair tarde para o chalé.
Eles acenam, e me retiro para o quarto. Quando fecho a porta atrás de mim, o silêncio finalmente me envolve. Deito-me na cama e olho para o teto. A escuridão da noite é acolhedora, mas minha mente continua inquieta. As palavras de Ricardo e Eleonora ecoam dentro de mim, misturando-se com o nervosismo que sinto ao pensar em Jéssica.
Respiro fundo, tentando me preparar mentalmente para o dia seguinte. Não sei o que me espera no chalé, mas algo me diz que nada será fácil. Mesmo assim, há uma pequena esperança, quase imperceptível, de que, talvez, esse seja o primeiro passo para preencher o vazio que tanto me atormenta.
Com esse pensamento, fecho os olhos, deixando a escuridão me levar.
Jéssica
Deitada na cama, encaro o teto, imersa no peso esmagador do passado que insiste em se entrelaçar com o presente. Tentei de tudo para fugir dessas lembranças, mas a chegada de Jason amanhã torna isso impossível. Ele estará aqui, e eu… eu não sei como vou suportar.
Amanhã, ele estará no chalé, caminhando pelos mesmos lugares onde Jake e eu passamos tantas noites. Lembranças de nós dois inundam minha mente: rindo à luz da fogueira, falando sobre sonhos que nunca se realizariam. Cada canto desse lugar é impregnado pela presença de Jake, e agora, Jason, com aquele rosto que carrega traços tão parecidos, estará aqui — uma assombração viva do que perdi.
Fecho os olhos, na esperança de encontrar uma lembrança feliz de Jake, algo que alivie a dor que cresce dentro de mim. Mas tudo que sinto é o vazio. O vazio de um futuro que foi arrancado de nós. Se ao menos eu pudesse voltar no tempo, refazer aquela noite fatídica... mudar o rumo daquela maldita festa... Talvez Jake ainda estivesse aqui.
Minha voz escapa em um sussurro, fraca e quebrada, como se não me pertencesse:
— Jake... Queria que fosse você o sobrevivente, não ele.
Dizer isso em voz alta me despedaça, mas é a verdade que carrego, um peso que nunca me deixou. A culpa me consome. Como eu poderia pensar algo tão c***l? Mas é assim que me sinto, e não consigo fugir disso. Jason é um lembrete constante de tudo o que perdi. Sua presença no chalé... será que me ajudará a curar essa ferida ou apenas a tornará ainda mais profunda?
Viro-me de lado, abraçando o travesseiro como se ele pudesse oferecer algum conforto. Lágrimas quentes escorrem pelo meu rosto, ensopando o tecido. Tento me proteger da confusão que Jason traz consigo, mas talvez — por mais que doa admitir — eu ainda esteja esperando por algo. Alguma resposta. Alguma redenção.
Ou, quem sabe, uma última oportunidade de dizer adeus.