Corremos em direção à praia, pois avistamos algo parecido com uma casa de madeira branca coberta. Só pude deduzir que aquilo era para apresentações, pois era bem arquitetada e muito arejada. Apenas colunas sustentavam a cobertura, não haviam paredes.
- Tomás, espere! - exclamei para fazê-lo parar, mas foi tarde demais, pois meus pés escorregaram sob o concreto como se a água tivesse sido misturada ao sabão. Pelo menos dessa vez eu não tinha torcido o pé.
- Bella! - disse ele muito atordoado ao me ver no chão. - Me desculpe Bella. Machucou-se? - eu neguei enquanto ele fazia uma avaliação para se certificar de que eu estava bem. - Me perdoe Bella! Mas temos que sair daqui. Vem, segure-se em mim. - ele passou os braços por trás dos meus joelhos e me segurou firme correndo o mais rápido possível, pois a chuva parecia ter piorado mil vezes mais e alguns trovões já contornavam o céu.
Finalmente chegamos no lugar coberto, que por sinal era muito bonito, pois estávamos literalmente na praia, vendo as ondas ainda mais agitadas pelo vento e a chuva. Era evidentemente perigoso por estar tão próximo da margem e também muito frio. Porém, mesmo com tudo isso não perdera a beleza nem por um segundo sequer. Tomás estava com as maçãs do rosto avermelhadas pelo vento indomável congelante, o que o deixara ainda mais bonito, mesmo que estivesse totalmente encharcado. “Oh céus! Pare de apreciá-lo Antonella!” Me repreendia.
- Senhorita? Está bem? - perguntou me colocando sobre o chão. "Eu ainda estava olhando para ele?"
- Estou! - respondi.
Quando meus pés chegaram ao chão os acontecimentos da noite foram se passando pela minha memória e ao invés de lágrimas, meu corpo decidiu reagir de outra forma. Eu comecei a rir. No início foram risadas nervosas, mas depois eu perdera o controle sobre elas. De risos foram para gargalhadas. Afinal, quem dava um vexame daqueles na frente de todas aquelas pessoas? Pelo menos o amigo de Tomás não havia presenciado aquilo. Meu corpo se curvava buscando equilíbrio, tentando recuperar o fôlego. Tomás pareceu ter a mesma reação, pois precisava se segurar em uma das colunas para se apoiar em meio às gargalhadas.
- Que vergonha! - disse entre as puxadas de ar. - Viu a reação do garçom? - perguntei entre as crises.
- E as pessoas assustadas como se nunca tivessem visto aquilo! - acrescentou batendo palmas entre as gargalhadas, como se me aplaudisse pelo show que eu fizera.
- Eu sei… Essa foi a pior parte! - eu precisei me segurar para manter a postura e o corpete parecia me sufocar.
- Esta noite foi com toda certeza a mais divertida da minha vida! - disse ele ainda rindo e se aproximando.
- Eu não usaria o termo “divertida” para descrevê-la. - retruquei limpando as lágrimas.
- E qual usaria então?
- Veja só o meu estado, se achar alguma palavra que defina isso pode usá-la para definir esta noite também.
- Bom… Eu diria então, perfeitamente linda! - disse ele com aquelas obsidianas polidas me encarando.
- Ou talvez o senhor quisesse dizer terrivelmente medonha e tenebrosa. - disse rindo nervosa tentando me afastar daquelas perigosíssimas órbitas.
- A senhorita está tremendo! Acho que não foi uma boa escolha termos vindo para este lugar. - disse ele se aproximando mais.
- Com certeza! Mas veja só a perfeição desta vista se eu tivesse algumas tintas e um quadro, certamente gostaria de guardá-la. - apontei para o mar revolto, na tentativa de fitar outro ponto.
- Se eu soubesse a arte da pintura, certamente ansiaria pintar esta perfeição como se minha vida dependesse disso!
- Não é?- perguntei me virando para ele e vendo o quão próximo ele estava e ainda me encarando.
Aqueles olhos negros e enigmáticos eram como uma noite estrelada sem nuvens, totalmente polida de qualquer coisa que pudesse ofuscar o brilho das estrelas. Então, Tomás resolveu passar os braços ao meu redor. “Lembre-se do plano! Não se deixe enganar por estes olhos.”
- Não… - disse eu reunindo todas as forças para me desvincular dele, mesmo que meus membros não quisessem me obedecer. “Meus braços estavam o puxando para mais perto? Vamos corpo obedeça apenas uma só vez!”
- A senhorita está tremendo e eu só estou tentando aquecê-la com o que eu possuo no momento, mesmo que sejam apenas trajes encharcados. - disse ele rindo e exalando seu aroma. “Socorro!”
- Tudo bem…
“O QUÊ? Não está nada bem!” Pensei.
- Vamos fazer algo melhor. - ele se afastou e se curvou. - Permita-me conduzi-la numa dança? - disse ele oferecendo-me suas mãos.
- Uma dança?
“Ah, tenha dó! Aquilo já era patético!”
- Sim, por quê? Acha que eu só sei escrever? - ofendido e atrevidamente sarcástico.
- M-Mas não t-tem nem música? E estamos no meio do nada. - questionei tentando falar com o queixo tremendo de frio.
“Não acredito que esta reconsiderando isto Antonella!” Repreendia-me.
- Não significa que não podemos dançar. - disse Tomás ainda com as mãos estendidas em expectativa. - Oras Antonella! Apenas me ouça desta vez, pode ser?
- Tudo bem! - “Parabéns Antonella! Pode passar no escritório para pegar a sua demissão, pois é isto que vai acontecer se ficar sendo enfeitiçada por ele”, internalizei.
Então ele começou a me conduzir. Primeiro foram passos leves e ritmados e conforme ele me carregava tudo parecia girar ganhando mais velocidade. No inicio meus movimentos pareciam envergonhados e patéticos, mas Tomás parecia não se importar. Este era ele, não se importava com a maioria das coisas que o restante da sociedade se importava e aquilo parecia ser contagioso, por que logo aquela dança parecia ser um costume tão comum quanto usar sapatos. Oras quem nunca dançara na chuva não é? Não, não era, pois ninguém fazia isso, muito menos na tempestade. “Parabéns Antonella, já pode receber título de a patética do ano, ou talvez do século”.
Entretanto, fosse pelo vinho, fosse pelo seu toque gentilmente firme, uma coisa era certa, eu estava completamente inebriada em seu aroma amadeirado. Eu tentava focalizar noutra direção, mas meus olhos nem piscavam para se manterem úmidos, não se desprendiam daquelas negras obsidianas que agora faiscavam. Tomás me lançava o olhar mais intenso e fascinante que eu já vira. Aquilo pareceu ser como uma lança fincada ao meu peito, tirando todo o ar dos meus pulmões e todo o sangue do meu coração, pois ele já não bombeava mais. Tudo o que eu podia escutar era a melodia da tempestade em contraste com o quebrar das ondas. A natureza cantava para nós, por aquele momento. “Francamente Antonella! Francamente...”
Eu me repreendia internamente, mas não conseguia sair daquilo, como se colocasse a mão sobre uma fogueira e não a sentisse queimar a pele. Todos os acontecimentos, medos e dúvidas da minha mente desapareceram e tudo o que existia, por um momento, foram aqueles diamantes negros em chamas.
As gotas de chuva pareciam ter se tornado cristais suspensos pelo ar e conforme dançávamos os cristais nos rodeavam brilhando a luz da lua. Então, de repente, Tomás me soltou. Meu corpo perdeu a sustentação indo em direção ao chão, porém na metade do caminho suas mãos me socorreram e sustentaram sobre seu joelho. Seu lindo rosto estava tão próximo que eu conseguia ver o lugar exato que suas covinhas nasciam, conseguia ver cada fio de cabelo n***o sendo agitado sobre a brisa que nos envolvia. “Fuja dai!”- pensava.
- Bella… - sussurrou, fazendo os fios do meu rosto se afastarem. Eu tentei balbuciar algo, mas a única coisa que eu fiz foi chamar sua atenção para os meus lábios. - Você não pode... - disse ele analisando minhas feições como se estivesse as gravando em sua memória. - Não deveria… - depositou um delicado beijo nas minhas têmporas. - Não pode fazer isso comigo. - sussurrou depositando outro próximo aos cantos do meu lábio. - Não pode… Mas fez… - e me encarou inebriado- Enfeitiçou o meu coração. - E me beijou. Calou minha mente, meu coração, meus anseios e tudo o que restara em mim. Aquilo foi libertador, como um mergulho em água fresca. Meu coração parecia ter ido parar na garganta e meu corpo inteiro se arrepiara. Quando ele enroscou os dedos entre os fios do meu cabelo, os pensamentos voltaram com força. “Oh mio!”
- Nós não podemos! - gritei o empurrando, enquanto ele me olhava, sem entender.
- Por que não? - perguntou com duas covinhas se formando.
- Por que o senhor é o meu chefe… Eu trabalho para você e para o jornal, você também trabalha para o jornal e as pessoas de lá também trabalham e… - eu já estava enlouquecendo, nada de congruente vinha a mente.
- Pare de andar Bella, eu não consigo acompanhar seus pensamentos assim. - naquele momento nem eu mesma estava os acompanhando.
- Non c'è bisogno di preoccuparsi, no?(Não há o porquê se preocupar, não é?) -“Ótimo! Agora eu havia enlouquecido.”
- Poderia parar de andar e falar em italiano, por favor?- disse Tomás se aproximando, rindo da minha situação.
- Oh céus! Eu vou ser dispensada não vou?
- Não! - disse sério – Por que eu a demitiria? Pare de andar de um lado para o outro. - me segurando e fazendo encará-lo.- Por que está fugindo de mim?
- Oh Mio! Eu não deveria ter feito isso.
- A senhorita não fez nada, fui eu quem a beijei. - disse ainda me segurando.
- E o senhor acha isso normal?
- E por que não seria? - perguntou indignado. “Ótimo Antonella se envolveu com seu chefe e também um completo libertino”.
- Mas nós trabalhamos juntos! - vomitei.
- E qual é o problema? - perguntou ainda sem entender.
- Então Carlota estava certa?
- Sobre o quê?
- O senhor costuma tratar suas funcionárias assim?
- Assim como?
- As beijando, oras! - disse querendo esmurra-lo com aquela calma.
Como era possível que ele não visse o tamanho da situação que eu havia me colocado?
- Não! - fez uma pausa. - Quer dizer… Antes de trabalhar lá eu até sai com uma delas, mas com você...
- O quê? - “Eu não estou ouvindo isso, estou?” Pensei.
- Não me olhe assim... Eu não posso mudar minhas ações do passado, mas com a senhorita é diferente. - explicou como se aquilo fizesse total sentido.
- Ah claro! É diferente! - falei indignada com o que estava ouvindo.
- Sim! - respondeu ele satisfeito.
- Claro que é diferente! Eu sou da edição e as outras são da onde? Da recepção? - perguntei arregalada.
O impertinente achava graça daquelas circunstâncias! Bem, pelo menos seria melhor do que um... Bem, não sabia o que poderia ser melhor ou pior naquele momento. Depois do que eu havia feito duvidava até da classe de mulheres que eu pertencia.
- Não! Quer saber? Já chega! Eu não quero ouvir mais nada. - disse o interrompendo. - Diferentemente do senhor eu não estou trabalhando para me relacionar com ninguém ali! Como eu fui tola! Todo esse tempo pensando que seus elogios eram verdadeiros… O senhor só estava tentando me conquistar, não é?
- Claro que foram Bella! Você é realmente boa no que faz! - disse rapidamente.
- Olhe só… Eu não posso... Nós não podemos... Isso não pode acontecer! - declarei.
- E por que não? - “Realmente nada poderia ter sido mais constrangedor que aquilo.”
- Porque o senhor é meu chefe! - gritei levantando as mãos em súplica aos céus tentando ver se algum lapso de consciência lhe atingiria.
- É só isso que eu sou para a senhorita? - perguntou decepcionado e, talvez ofendido?
- Sim! - disse engolindo com força e forçando os olhos a encararem outro lugar.
- Você está mentindo!
- Não, eu não estou! - estava sim. Mas ninguém descobriria a verdade nunca.
- Eu vi como me olha e tenho certeza que são os mesmos sentimentos que eu tenho pela senhorita.
- Como pode saber? - disse empinando o queixo.
- Eu vi! - disse ele com um sorriso sob os lábios.
Ele não iria largar do meu pé enquanto não desse um bom motivo, pois pelo visto o impertinente não tinha noção que chefes não se relacionam com funcionárias, então teria que dar um bom motivo para ele me esquecer de vez. Quem sabe até podia fazê-lo me odiar, assim eu também o odiaria e meus membros não mais me desobedeceriam, muito menos meu cérebro ou coração. Afinal quem poderia amar a mesma pessoa que repudia?
- O que o senhor viu não eram…
- Não eram o que? - nem eu sabia o que eram.
- Não eram para você! - disse com toda força que eu tinha.
Os cantos de seus lábios foram se desfazendo como se estivessem presos apenas com um ponto.
- Então são para quem? - ele fez uma pausa com a raiva consumindo suas feições. - Era ele não é? O seu acompanhante do trem? O médico?
- Era! - respondi sem pensar com raiva.
Ótimo! Nem precisei pensar em para quem eram, pois ele já me dera a pessoa perfeita para isso. Tomás poderia até ser um libertino e atrair as mulheres com demasiada facilidade - eu já havia experimentado isso -, mas nunca seria capaz de se envolver com uma comprometida ou afeiçoada a outra pessoa. Ele era íntegro, isso era inegável.
- Muito bem então! - rendido e depois murmurou algo como: "Tinha que ser um médico?"
- O que esperava? - perguntei afoita.
- Não esperava nada!
- Ótimo! Então o senhor conseguiu o que queria. - declarei indo embora.