"Há muito, muito tempo... na guerra sangrenta entre os filhos dos homens e os seres mágicos, havia um guardião que zelava pelos dois mundos. Esse guardião era Atarok; um imenso dragão n***o cujo tamanho e poder não se igualavam a nenhum outro, guardando assim a imensa montanha que trazia equilíbrio entre eles. Escolhido pela própria Deusa-Mãe ── Tellus-Mater ── era o único ser que podia andar livremente pela montanha sagrada levando pelo mundo tudo o que ele precisava no tempo certo... primavera... verão... outono e inverno... todos os reis e seres mágicos o saudavam e respeitavam sua imagem e importância no imenso ciclo..."
── Já disse para parar de encher a cabeça desse menino com essas bobagens. Ele já não sonha acordado o suficiente para você? ── Interrompeu o patriarca mais uma vez enquanto adentrava pela porta com madeira seca em mãos para ascender a lareira em um inverno que aos poucos se levantava. Ele nunca deixava com que a irmã mais velha terminasse as histórias para seu filho caçula e isso sempre ocorria nas melhores partes deixando o pequeno frustrado com tudo aquilo.
── Eu só estava distraindo ele... mamãe precisou ir colocar algumas roupas para secar ao vento. ── A irmã tentou se justificar a medida em que seu irmãozinho se escondia atrás de si segurando fortemente seu vestido. Não era nada bom irritar seu pai, ainda mais depois do incidente do inverno passado em que o pequeno após ouvir uma das histórias tentou se aventurar sozinho pela floresta quase morrendo congelado.
── Realmente, o dia está menos frio hoje. Perfeito para se ter roupas limpas não é? ── Sorriu largamente o imenso homem robusto e de barba grande com cor de ferrugem jogando o monte de madeiras ao canto do cômodo enquanto que fechava a porta e retirava o casaco de pele pendurando no gancho que ficava na parede bem ao lado. ── Mas isso não é desculpa para ficar enchendo ainda mais a cabeça do seu irmão com bobagens.
── Não é como se ele fosse sair para mais uma expedição atrás de respostas papai. Já conversamos com ele sobre isso e ele jurou que...
── Mesmo que já tenhamos conversado, não há necessidade de atiçar a curiosidade dele com essas coisas bobas. Sabe muito bem como ele é imprudente...
── Vocês sabem que eu estou aqui ouvindo tudo né? ── Comentou o garoto magricela de olhos amendoados em tom de jade, nariz fino e cachos ruivos cujas sardas se espalhavam por todo seu corpo pálido enquanto uma covinha surgia ao canto de seus lábios junto à um sorriso travesso que logo se desfez.
── Fique quieto! ── Disseram ambos em uníssono. Sempre faziam isso, ainda achavam que ele devia ter cinco anos. Mesmo já tendo completado dez. ── Certo, me perdoe papai. Não vou persistir nisso. Vamos Stefan, vamos brincar lá fora.
Sem muito o que dizer, o jovem garoto apenas assentiu e seguiu sua irmã mais velha até o lado de fora da casa. Não muito longe dali, os dois agora se encontravam sentados em baixo de uma árvore riscando a neve que pairava sob o chão com finos gravetos.
── Ele nunca mais vai largar do meu pé, não é? ── O menor quebrou o silêncio que os assolava naquele momento enquanto que observava sua irmã atentamente.
── Foi você quem provocou isso a si mesmo. Papai quase morreu de preocupação e você congelado no lago. Você nem sabe nadar, o que estava pensando?
── Mas eu juro que o vi! ── As memórias do pequeno garoto agora o levavam aquela madrugada onde havia se despertado com a ventania fria do inverno invadindo seu quarto pelas janelas abertas e algo a lhe observar no canto escuro. Uma mistura de temor e curiosidade faziam todo o seu corpo arrepiar enquanto aqueles olhos vermelhos envoltos por uma áurea n***a olhavam intensamente para dentro de si. Um pequeno barulho ao lado de fora do quarto teria feito com que "aquilo" se assustasse e saísse pela janela, fazendo com que o garoto ficasse ainda mais curioso com tudo o que estava acontecendo naquele momento, se levantar e o seguir até a imensa floresta congelada. Enquanto seus pés descalços e apressados tentavam o alcançar, a neve caía mais densa e repousava sobre o solo. O imenso vulto n***o se esgueirava pelos troncos secos até que finalmente, sumiu. ── Ele estava lá... Ele queria me mostrar algo... E eu apenas o seguia e quando me dei conta o gelo se partiu e acabei dentro do lago.
Um suspiro escapou dos lábios da mais velha enquanto que a mão da mesma repousava sobre os ombros de seu irmão. ── Não duvido de você, mas ninguém mais acredita nessas coisas e a mais de dez gerações essas histórias são só... contos para dormir... vovó saberia te guiar, porém ela não está mais aqui conosco. Esqueça tudo isso e aja como um menino normal. E talvez algum dia papai deixe de pegar no seu pé.
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── Vamos meu jovem, acabe com isso logo! Quero chegar em casa antes do anoitecer! ── Exclamaram os mais velhos no intuito de apressar o homem que agora puxava as redes de pesca do fundo do mar lotada de peixes grandes e pequenos.
── Pelo visto este será um verão e tanto meus companheiros! ── Os respondeu de forma animada enquanto jogava ao convés as redes fartas. ── Mas da próxima tentem pegar algo que aguentem dar conta. E se eu não tivesse voltado hoje?
Os homens gargalhavam alto enquanto que um deles, o mais velho e robusto se aproximava lhe dando alguns tapinhas no ombro. ── Meu bom e jovem garoto, os deuses sabem de tudo! não é à toa que fizeram da sua chegada uma ótima ajuda para conosco. Será um banquete e tanto no festival dessa noite. Agora vá! Sua família está com saudades do caçula que os orgulha tanto.
Um sorriso largo invadiu os lábios do ruivo, afinal sua família não seriam os únicos a sentir saudades. E embora agora fosse um belo homem adornado de inteligência, coragem e força sendo popular por toda a vila pela sua caça, ainda preferia o bom e velho conforto de seu lar.
Sem pensar duas vezes o ruivo saltou para dentro do mar e seguiu nadando em direção ao litoral, correndo o mais rápido que podia ao encontro daqueles que tanto amava.
── Stefan! ── Exclamou surpresa Aila, sua irmã mais velha a primeira que o avistou e correu contentemente ao seu encontro e também a primeira a ser abraçada o mais forte que ele poderia abraçar. ── Cuidado! Cuidado! Me coloque ao chão...
── Ora! Pensei que estivesse com saudades de mim. ── Sorriu a colocando ao chão, observando-a ajeitar o vestido amassado e brevemente molhado pelo abraço e uma carícia entranha sobre o ventre o fizeram a olhar meio confuso.
── Deixe de ser bobo! Claro que estou morrendo de saudades e muito feliz com a sua chegada. Mas... você já não é mais um menino, é um homem robusto e forte agora, pode acabar machucando o seu... sobrinho... Ou sobrinha... ── Um sorriso meigo surgiu ao canto dos lábios carnudos da irmã enquanto que um ar de surpresa e alegria invadiam a face do irmão.
── Você está...? Está mesmo... ── dizia ainda incrédulo apontando o indicador direito para a barriga da irmã. Enquanto que a mesma sorrindo largo e rindo balançava a cabeça concordando. ── Pelos deuses! Serei tio! ── gritava alegremente a abraçando novamente. ── Que bênção! Não digo o mesmo pelo marido i****a que arrumou mas...
── Stefan! ── Um tapa se estalou ao ombro do irmão enquanto que ele a soltava ainda rindo ao que massageava o local e um "ai" se ouvia baixinho dele. ── Vamos... papai e os outros também querem te ver.
Logo em seguida a irmã mais velha o puxou pelas mãos o guiando para dentro de casa; seu pai e seus outros dois irmãos ── Bryan e Louis ── ajudavam na cozinha enquanto que a mãe preparava a comida, pratos deliciosos para o festival naquela noite.
Um reencontro muito feliz para alguém que já não os via há quase um ano cheio de novidades e histórias a se contar.
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