— Ei, você não tem que trabalhar? — perguntei rindo. Ele estava mordiscando minha orelha de uma forma que me fazia cócegas. Passamos a maior parte do dia em seu quarto namorando, e ele não dava sinais de que ia parar.
— Não quero trabalhar. — respondeu ele de um jeito manhoso. — Não pretendo me separar de você tão cedo!
— Então me leve junto. Adoraria conhecer a sua rotina. Quero saber tudo sobre o meu companheiro! — Sorri para ele e acabei sendo presa a um longo e demorado beijo. Isso é tão bom! A verdade é que eu também não queria me separar dele por nada, nem por um segundo. Como era possível ficar tão viciada assim em uma pessoa? Nunca achei que eu seria dessas...
Nada nos interrompia neste quarto, a não ser que meu companheiro o permitisse. Ele podia emitir ordens a distância aos seus servos por meio de telepatia, parecido com a comunicação mental dos lobos com o alfa, só que para ele não parecia haver um limite de distância para isso.
Como rei, ele mostrou para mim que podia fazer o que quisesse e me manteve trancada com ele por vários dias consecutivos. O único contato que tínhamos com o exterior era a entrada de servos quando ele próprio solicitava algo.
— Um rei pode mesmo ficar tanto tempo isolado? Isso não vai te trazer problemas? — perguntei enquanto jantávamos. Eu não estava insatisfeita, apenas preocupada.
— Tudo está sob o meu controle. — respondeu confiantemente. — O que não cabe a mim, o conselho e os alfas dos clãs podem lidar.
— O que é o conselho? — Agora que ele mencionara esse nome, lembrei que um tal de Horace o convocou a falar com o conselho logo que chegamos.
— O conselho é composto pelos anciões de maior sabedoria, em sua maioria antigos alfas e reis. Eles são responsáveis pela ordem e o cumprimento das leis de Éldrim.
— Antigos reis? Quer dizer que seus ancestrais ainda estão vivos? — perguntei, perplexa.
— Apenas meu avô, meu bisavô e meu tataravô, que é também o ancião mais velho do conselho com mais de oito mil anos.
— E o seu pai? — Havia um misto de sentimentos dentro de mim. Há coisas que eu deveria aceitar sem questionar, porque não dava para processar só pela razão.
— Meu pai está morto. — respondeu Lohan tão baixo que eu quase não o ouvi. A sensação que tive é que essa é uma ferida profunda no coração dele. Não quis perguntar as circunstâncias porque tinha certeza de que ele não iria me responder.
— Todos vocês vivem tanto assim? De onde vim, se chegarmos a cem anos é muito. — Respondi desanimada. Não é que eu almejasse viver milênios. Eu gostava do ciclo do mundo de onde vim. Era natural e inevitável, só que é completamente incompatível com a realidade do meu companheiro. Eu não envelheceria ao lado dele e isso era triste.
— Depende do resultado do teste da provação. Geralmente, os seres de maior poder conseguem desacelerar seu relógio biológico e viver por milênios, mas a maioria da população comum não vive mais do que dois a quatro séculos. — respondeu Lohan, me olhando profundamente. — Uma das coisas que teremos que trabalhar com você é o seu potencial para passar nesse teste. Preciso que viva muito tempo ao meu lado, minha rainha.
— O que é esse teste? O que terei que fazer? — perguntei, um pouco mais animada. Eu precisava agarrar até mesmo a mínima chance que eu tinha de viver mais tempo com ele.
— O teste da provação é uma prova particular que todo ser mágico pode realizar quando desperta seu poder. Sobre o que você terá que fazer, não há como prever. O teste é individual, e, uma vez que se entra na câmara dos deuses, qualquer coisa pode acontecer. O que há para ser feito é diferente para cada um.
— Câmara dos... deuses? — repeti pausadamente. — Elas realmente existem?
Lohan parou de comer por um instante e cruzou as mãos sobre a mesa. De alguma forma, eu sentia que ele acreditava nisso, não sei se pelo seu olhar ou por sua expressão. Minha hipótese se confirmou com as palavras que ele pronunciou:
— De onde veio este mundo? De onde vem toda a magia? Nunca os vimos, mas sabemos que há uma força maior que controla tudo isso. O destino está escrito por essa força e as profecias dadas aos sacerdotes são a única forma como sabemos o que querem e esperam de nós. Nossa liberdade é diretamente afetada pelas bênçãos e maldições que nos conectam ao nosso destino. Quem escreve o nosso destino? Somos nós ou eles?
— Os dois — respondi. É confuso, mas real. Como lobos, quem determina quem será companheiro de quem? Qual é o critério? Esse é o único detalhe sobre a fé na deusa Luna que eu nunca encontrei respostas para refutar. Achei que eu tinha escolhido você, mas eu já era o seu destino, certo?
Ele assentiu afirmativamente com a cabeça. Era como se até mesmo nossas escolhas já tivessem sido escritas por algo maior, além da nossa compreensão.
— Eliza Singer, você é o meu milagre! — falou Lohan amorosamente. Havia um brilho especial em seus olhos negros. — A probabilidade de eu encontrar minha companheira nas condições impostas pelos deuses era quase nula e sem garantias. Eu poderia facilmente ter perdido você.
— O que quer dizer?
— Não vê? — Ele segurou minha mão com firmeza e aproximou o rosto do meu. — Éramos de mundos diferentes, incapazes de nos encontrar e reconhecer um ao outro como companheiros. Ainda assim, você me encontrou quando ninguém sabia que eu estava lá e ainda por cima escolheu me amar mesmo sem nunca ter me visto e contra todas as possibilidades. Foi você quem cumpriu as condições para que pudéssemos estar juntos agora, neste momento. O único nome que encontro para isso é milagre!
O amor só acontece quando ambos escolhem se amar. Sim, escolhi amá-lo, e mesmo que ele não dissesse que escolheu me amar também, eu sabia que ele tinha feito a mesma escolha que eu, ou do contrário, jamais teríamos nos encontrado pessoalmente. Ele escolheu continuar se encontrando comigo na cachoeira todos os dias, escolheu estar lá por mim sempre que eu precisava dele e escolheu me salvar. Seus gestos valiam muito mais do que dizer um milhão de vezes que me ama, mas ainda assim, eu esperava que um dia, pelo menos uma vez, ele pudesse pronunciar essas palavras para mim.
Resolvi usar as informações que eu tinha para persuadi-lo. Era melhor agirmos logo para ganhar tempo, do que deixar o tempo passar e perder a chance de vivermos um longo futuro juntos. Meu apelo quanto a me preparar para a provação surtiu efeito, e ele finalmente decidiu que era hora de sair do quarto.
— Não vou te deixar sair assim. — Ele bloqueou o meu caminho e percorreu meu corpo com o olhar. Eu estava só com a camisa dele, mas pensei que estava coberta o suficiente. Seus olhos desaprovadores me diziam que não.
— O que eu uso então? — perguntei inocentemente. Meu vestido era a única roupa que eu tinha. Ele fora levado pelas servas há uns dois dias e ainda não o tinham trazido de volta. Junto com o vestido, elas levaram várias mechas de pelos da minha loba.
— Até que suas roupas fiquem prontas, você ficará aqui. — Seu tom impositivo não deixava margem para discussão. Fiquei parada vendo-o sair. As portas se fecharam automaticamente após sua saída, e não pude deixar de procurar uma maçaneta ou algum botão de controle.
Não consegui entender como a porta funcionava. Parecia ter um sensor de presença que respondia apenas a ele. Foi inútil tentar, assim como foram inúteis todas as minhas tentativas de sair para a varanda. Eu estava presa aqui dentro.
— Pelo menos é uma prisão confortável e tem o cheiro dele. — falei comigo mesma, sorrindo enquanto saltava sobre a cama e abraçava o travesseiro dele. Eu não conseguia me cansar ou ficar entediada aqui, ainda mais quando ele estava comigo.