Capítulo 2

1001 Words
– Claro. Nessa obra em particular, Dante critica muito a política, a moral e os líderes que ele encontra no Inferno, já que suas ações controversas os haviam levado ali. – Digo com um sorriso inocente. O professor fechou a cara, assentiu e retornou sua atenção ao quadro, enquanto os outros alunos reviravam os olhos. Eu sempre tento me manter longe da atenção, mas todos torcem para o fracasso quando não é com você. É a sociedade, acho. Mas eu tinha mais com que me preocupar do que entrar em um debate interno sobre a maneira como a sociedade funcionava, e certamente havia mais para pensar do que me importar com a opinião daqueles que não me conhecem nem se importam comigo. Havia alguém que se importava comigo e que eu precisava pensar muito mais do que naqueles que me cercavam... Olhei brevemente para a cadeira vazia do meu lado, a que pertence a Levi, e soltei um suspiro, indo repassar pela milésima vez aquela historinha infantil... *** Quando as aulas finalmente acabaram, vou quase correndo para a casa de meu melhor amigo, desejando que meus pensamentos estejam errados. A questão é que Levi não é um aluno que falta muito, na verdade ele se recusa a faltar por qualquer que seja o motivo; quando estávamos no sexto ano ele precisou retirar as amígdalas e recebeu permissão para ficar em casa por uns quatro dias, tomando sorvete, e ele foi mesmo assim. Foi aí que eu percebi ser a sensata da amizade, mais ou menos. Às vezes. Me aproximo da casa grande de fachada branca, com uma porta alta alegre e nada convencional azul-escuro. Como já fiz muitas vezes, bato na porta e espero alguém atender, observando o jardim verde e bem cuidado do lugar. Como somos amigos há anos, a casa de Levi se tornou um segundo lar e já a visitei milhares de vezes, mas nunca deixo de me encantar com as flores e árvores bem cuidadas do jardim frontal da casa. Sinto uma leve rajada de vento e me viro para cumprimentar a mulher sorridente com cabelos castanhos, quase negros, e olhos gentis. – Oi, senhora Wilde. - Digo, forçando um sorriso. – Olá, Luna. E já falei para parar com isso. Me chame de Gracie. – Ela diz, gentil, e eu ofereço um sorriso de desculpas em troca. Em seguida abre mais a porta, me convidando a entrar. Uma vez na grande sala de estar, decorada de modo contemporâneo e alegre, observo o ambiente. Além de Levi, Gracie possui gêmeos de 10 anos, e apesar disso a casa sempre está muito organizada quando vou até lá. A decoração é uma mistura entre cores claras e vibrantes, penso que uma mistura de personalidade entre Gracie e seu marido, Artur, que está servindo em uma região tensa no oriente. Quase nunca vi ele, mas nessas poucas vezes foi perceptível o amor que eles compartilhavam. Ela é uma artista, pintora com sua própria galeria, e ele um soldado servindo ativamente o país. Sempre me impressionei com a história deles, não apenas pela diferença de profissões, mas também pelo funcionamento, uma vez que ele passa a maior parte do tempo fora. Mas acho que quando se trata de amor, não há muita racionalidade envolvida assim. – Bem, Luna, aceita alguma coisa? Uma água, algum doce... – Ela pergunta, deixando a parte do doce no ar em tentação. Eu adoro doce, e ela sabe muito bem, mas apenas ofereço um sorriso e recuso. – Obrigada, mas não vou ficar muito tempo. - Bem, o que posso fazer? Levi não está, e não acho que tenha vindo por nada. – Levi não está? – Aquilo me surpreende e me assusta ao mesmo tempo. – Uhm. Onde... você sabe... o quê... – Me atrapalho com as palavras, tentando encontrar sentido e alternativas em meus pensamentos. – Onde ele está? - Ela pergunta, franzindo a testa. - Claro. Ele disse que ia passar algum tempo visitando Augusto. – Ela diz, se referindo ao primo distante que faz faculdade em uma cidade ali perto. Ele e Levi são muito amigos, mas não possuem muitas oportunidades de se verem. – Faz alguns poucos dias desde que viajou. Pensei que ele tinha dito a você. – Ah, não... sim, ele disse. Apenas me esqueci; é estranho não ter ele ao meu lado no colégio. – Respondo, sorrindo na minha melhor expressão de isto não é uma mentira e eu sou uma boba esquecida. Depois acrescento rapidamente, tentando mudar de assunto e desviar deste ponto. – Então, onde estão Leo e Cass? - Me refiro aos gêmeos. isto não é uma mentira e eu sou uma boba esquecida–Ah, hoje tiveram aula à tarde. Mas logo mais estão chegando. – A mulher me informa, olhando o relógio de pulso, e depois sorrindo. – Se quiser pode ficar, e depois fazemos um lanche. – Obrigada, senhora Wilde... – Gracie. – Ela me interrompe, com uma falsa voz de desaprovação. – Gracie. – Substituo sorrindo. – Mas tenho muita lição para fazer. Só passei para conferir se ele já havia chegado. – Ah, nesse caso me deixe ao menos pegar alguns cookies para você. Acabei de fazê-los. Com um sorriso, vejo-a sair da sala rumo à cozinha, esperando até não ser mais vista para desmanchar minha falsa expressão tranquila. Me obrigo a respirar profundas lufadas de ar, me focando em um único objeto e forçando minha mente a pensar com clareza. Eu sabia que não havia viagem nenhuma, nem aviso nenhum de Levi para mim; sabia para onde ele havia ido, e não estava contente. Ele foi muito esperto usando Augusto, já que sua mãe nunca questionaria nem ligaria ao primo de confiança; ele já viajou para lá antes, e ela é bem liberal nesse sentido, ainda mais considerando que estamos em fim de semestre, então não há matérias, só revisões. Mas sabia que Levi aguardaria as férias. Sabia que aquilo era uma mentira. E aquilo estava me desesperando.
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