Moldando sonhos

2497 Words
Quando os elfos anunciaram uma reunião de última hora na casa de Damla e Derin, Gisella imaginou que fosse por sua causa, que Hendrik tivesse reclamado por Theodred ter aparecido no colégio e que agora, ela estava muito encrencada. Por conta disso, achou conveniente se mostrar amigável a Irwan e Mabel, pois, eles seriam os únicos que poderiam intervir a seu favor. Preparou suco e sanduíches e levou até a sala para dividir com eles. — Isso parece delicioso! — Falou Mabel sorrindo. Ela tinha a pele pálida e Gisella achava que se ela tomasse um pouco de sol, talvez, resolvesse o problema. Seus cabelos eram longos, lisos e loiros sem volume nenhum, quando não estavam presos em um r**o de cavalo perfeito, estavam soltos. Não era bonita nem f**a, mas, se usasse alguma maquiagem, Gisella tinha certeza que ela ficaria linda. — Eu espero que gostem. É só o que sei fazer. — Gisella se sentou entre Irwan e Mabel. — E então, prima… O que você aprontou dessa vez? — Mabel sorriu maliciosa e quando percebeu que Gisella se chateou com a pergunta, riu e balançou a cabeça. — Relaxa? Tia Evin não convocou essa reunião por sua causa. Não que eu saiba. — Sim, Gi. Não tem com o que se preocupar. — Falou Irwan. — Jura? — Gisella o encarou nervosa. — Juro. — Irwan sorriu, tranquilizando Gisella. Mabel não gostou da forma como Irwan e Gisella se olhavam e disse: — Mas, pensando melhor… Talvez tenha mesmo a ver com você, afinal, o Hendrik foi chamado para assistir a reunião. Desde que me entendo por gente, ele nunca deu a mínima para os problemas do nosso clã, a menos, é claro… Que o problema seja você. — Tenho certeza que dessa vez, o problema não é você. — Irwan disse a Gisella.                                                    ━─━────༺༻────━ O clã aguardava ansioso para ouvir o que Evin tinha a lhe dizer. — Muito bem, irmã. Estamos todos aqui. O que tem de tão urgente a nos dizer? — Damla se voltou a Evin. Apesar de serem irmãs, não eram parecidas fisicamente. Damla tinha um ar sexy e imponente, a pele morena, olhos castanhos e cabelos longos, negros e cacheados. — Isso… — Evin exibiu o cartaz com a foto de Gisella, sendo concisa. — Raptamos uma princesa… Das fadas! Todos se entreolharam e permaneceram em silêncio por um tempo até que um dos anciões de manifestou. Clemente se levantou e disse: — Uma vez que a iniciativa de trazê-la para cá, partiu de Hendrik e Mabel, isso os torna responsáveis por ela, então, sugiro que os mesmos decidam o que fazer nesse caso. Todos os olhares se voltaram a Hendrik que permaneceu impassível. — E então, Hendrik? O que vai ser? — Damla perguntou. — Gisella é minha noiva e quando Mabel e eu a raptamos, ela era só uma humana. A meu ver, não cometemos nenhum crime. Por isso, ela continua conosco. — Disse Hendrik. — Isso é contra as leis. — Disse Damla. — Se quando ela era só uma humana comum, já era ilegal mantermos ela sob nossos domínios, imagine agora que as fadas estão reivindicando ela? A única forma de isso não terminar m*l, é você se casar com ela porque podemos alegar que ela está conosco por vontade própria. — Só que ela não quer se casar comigo. — Falou Hendrik frustrado. — Talvez, se fosse mais gentil, querido… — Evin sorriu amarelo. — Ser gentil com Gisella é como dizer “pise em mim”. Não, mãe. Já fui mais que gentil com ela e o que ganhei em troca? Ingratidão e desprezo. — Falou Hendrik com raiva. — Por que não nos mudamos para um vilarejo afastado e tiramos ela do colégio por um tempo? Só até as fadas desistirem dela. — Não acho que seja o bastante. — Disse Evin. — Já esqueceu daquela amiguinha dela? Gaion tem enchido a cabeça dela sobre o quão fantástico é o reino das fadas. — Isso é porque elas fantasiam em ficar juntas na Fairyland. — Hendrik percebeu que todos o olhavam com censura e revirou os olhos. — Qual é? Não me digam que ainda não perceberam que Gisella não gosta de homens. — Por Loki! Nunca mais diga um absurdo desses! — Falou Dinorah, a avó de Hendrik. — Você ainda é jovem, rapaz, e não domina a arte da sedução, é só isso. Não culpe a moça. — Falou Derin sorrindo com deboche antes de Damla o fuzilar com o olhar. — Talvez, você queira comprovar por si mesmo que o culpado é o meu sobrinho e não a humana! — Damla sempre notava como o marido olhava para Gisella com desejo e não gostava daquilo. — Como assim? Do que ela está falando, tio? — Hendrik perguntou a Derin. — E eu é que sei? — Derin deu de ombros se fazendo de desentendido. — Sabe como a Damla é paranoica. — Paranoica? Eu? — Damla riu com raiva. — Ah, faça-me o favor! — Podemos, por favor, voltar a falar de Gisella? — Pediu Hendrik perdendo a paciência. — Oh, mas já estamos falando dela! — Disse Damla tentando manter o controle. — Vamos nos mudar então, mas e quanto a Gaion? Gisella não vai gostar nenhum pouco de se separar dela. — Falou Evin. — Por que não permitem que ela visite Gisella quando quiser? Dessa forma, vocês podem vigiá-las e manter Gisella entretida.— Sugeriu Damla. — E permitir que essas duas se encontrem bem embaixo de nossos narizes? — Interveio Dinorah. — Fazer o que se o Hendrik não dá conta?! — Disse Derin. — Mãe! — Disse Hendrik. — Desculpe, filhinho, mas você é o único culpado se sua noiva prefere uma garota a você. — Falou Evin. Hendrik suspirou e balançou a cabeça, tentando relevar o que sua mãe dizia. — Quem me preocupa não é essa tal Gaion, mas aquele infeliz do Theodred. — Falou Damla. — De longe, percebo que sua aura é envolta em escuridão. — Todos percebem, exceto Gisella, e olha que ela consegue enxergar tão bem nossas auras. — Disse Hendrik chateado. — Às vezes, o amor nos torna cegos. — Falou Damla. — Sei que um dia, Gisella se dará conta de que, ao contrário do Theodred, você realmente a ama. — Disse Evin apertando o ombro de Hendrik. Annwn - Fairyland Kadir Turan estava farto de permanecer como um inválido na cama. Se levantou com dificuldade e foi até a janela. Abriu uma fresta entre as cortinas, mas a fechou rapidamente quando sentiu o sol queimando sua pele. Ele praguejou e recuou quando Suoni irrompeu em seu quarto. A ruiva estava com os cabelos desgrenhados e parecia irritada com alguma coisa. — Aconteceu alguma coisa? — Kadir perguntou. — Maria voltou! — Disse Suoni. — Onde ela está? — Kadir sorriu, radiante. — Não sei. Meu pai contratou caçadores para encontrá-la. — Respondeu Suoni. — Precisamos encontrá-la antes dos outros. — Falou Kadir. — Descubra quem são esses caçadores e eu cuido do resto. — Disse Kadir.                                                   ━─━────༺༻────━ Ana Vitória e sua mãe, Valda, também planejavam encontrar Gisella antes de Willard. — Precisamos encontrá-la antes de Willard, pois Maria nunca estará segura ao lado de Miranda. — Disse Valda. — A Suoni já sabe que Maria voltou? — Perguntou Ana Vitória. — Eu não sei de sua irmã. Faz muito tempo que ela e eu não nos falamos. — Disse Valda com ódio.                                                     ━─━────༺༻────━ Após a reunião, os elfos jantaram, jogaram um pouco de baralho e dispararam flechas em um alvo, beberam cerveja e foram dormir. Bem, quase todos… Quando os elfos adormeciam, seu sono era sempre profundo e, muitas vezes, envolto em pesadelos, já que eles viajavam por outras dimensões nesse estado elevado de consciência. Por isso, um deles sempre ficava acordado, velando pelos outros; chamavam de O Guardador Dos Sonhos quem recebia essa função. Não era um título imposto aquele que sofresse de insônia, ao contrário, era provisório, e os próprios elfos se revezavam nessa função. Dessa vez, o guardador dos sonhos seria Irwan. Gisella decidiu se juntar a ele e preparou chocolate quente para os dois. — Obrigado. — Irwan sorriu ao receber uma caneca cheia de chocolate quente. — Espero que chocolate não dê sono. — Gisella disse, sentando-se ao lado dele no tapete. Os dois estavam no corredor, encarando dois quartos onde chamas de velas bruxuleavam na escuridão. — Imagina… — Irwan riu. — Chocolate para os elfos é como cafeína para humanos. — Engraçado… As mães humanas sempre dão leite morno as crianças para que elas peguem no sono. — Falou Gisella. — Oh, então você queria me adormecer? — Irwan moveu as sobrancelhas sugestivamente. — Não mesmo. — Disse Gisella e soprou seu próprio chocolate. — É que me lembrei de Once Upon A Time, de como os personagens dos contos de fadas adoravam chocolate quente e pensei que… — Não somos como nos seus contos de fadas. — Disse Irwan, mas logo se arrependeu por esse comentário quando viu Gisella virar o rosto chateada. Ele podia entendê-la facilmente. Era só uma garota assustada com sua nova realidade, que queria desesperadamente acreditar em um final feliz, que se não retornasse a seu mundo, ao menos se sentiria em casa ali entre os seres que, um dia, ela tanto idolatrou. — Não totalmente… — Ele disse, esperando que aquilo consertasse alguma coisa. — Eu percebi isso pela forma como se vestem e como vivem. Nada aqui é como nos contos. — Disse Gisella. De fato, ela estava certa, pois a Elfland estava mais para uma versão distorcida da realidade humana que conhecia. Havia eletricidade, tecnologia e modernidade ali. Nada de seres trajando roupas medievais e se comportando como guerreiros nobres. — Todos esses contos foram criados por seres incríveis que nunca desistem porque acreditam em finais felizes e nunca perdem a fé em seus semelhantes, seres que nós amamos e ao mesmo tempo invejamos… Humanos. — Irwan suspirou. — Não sei porque buscam em nós o que buscamos em vocês… Magia. — Nos acha mágicos? — Gisella perguntou. — Não posso falar por todos os humanos porque só conheço uma, mas… Sim. Eu acho. — Respondeu Irwan. — Você é tão fofinho que, às vezes, tenho vontade de te colocar em um potinho junto a um arco-íris e um unicórnio. — Falou Gisella sorrindo. Irwan arregalou os olhos, assustado, e disse: — Não repita mais isso ou as pessoas acharão que você caça Leprechauns e Djinns. — O quê?! — Gisella riu. — Quieta, sua maluca! Vai acordar todo mundo desse jeito! — Disse Irwan, nervoso. — Isso foi só o modo de falar… — Gisella explicou. — Guardar no potinho quer dizer que você é especial. — Sei… E vocês guardam todas as pessoas especiais em potes? — Irwan disse. — Não. É só o jeito de falar. Guardamos em nossos corações ou na memória. — Disse Gisella. — Hmmm… Entendi, acho. — Disse Irwan. — Ainda assim, é melhor não repetir isso. Alguns podem não entender. — Ok. — Gisella se forçou a ficar séria mas falhou, rindo outra vez do elfo. — Às vezes, acho que Hendrik e Mabel te roubaram de um circo porque você é uma palhacinha. — Disse Irwan rindo. Um gemido de dor fez com que os dois deixassem de rir no mesmo instante. Irwan se levantou e entrou em um dos quartos, sendo seguido por Gisella. Mabel estava tendo um pesadelo onde era perseguida por um Troll raivoso, Irwan visualizou isso ao tocar a testa dela e fez com que Gisella também visualizasse ao apertar a sua mão. Gisella encarou Irwan, espantada. Irwan sorriu com ar travesso antes de se agachar e sussurrar no ouvido da prima: — Por que está fugindo Mabel? Isso não é um Troll, é um goblin cara de sapo. Na visualização que se seguiu, Mabel parou de correr e se virou, observando o ameaçador Troll se transformar em um goblin cara de sapo do tamanho de um filhote de gato. Mabel colocou as mãos na cintura e assumiu uma expressão severa. “Ah, então é você seu monstrengo!”, disse Mabel antes de erguer o pé, ameaçando pisotear o goblin que fugiu, assustado. Mabel riu como uma garotinha perversa e se pôs a persegui-lo. — Uau! — Disse Gisella fascinada. — Tulpas de sonhos. — Irwan explicou. — Não são reais. — Pensei que vocês andassem entre as dimensões quando dormissem. — Falou Gisella. — Nem sempre… — Irwan disse. — Alguns de nós gostam de só sonhar. Mais dois elfos gemeram, Eldar e Hendrik. — Eu cuido dele assim que cuidar do Eldar. — Falou Irwan ao notar que Gisella pareceu preocupada com Hendrik, e se aproximou de Eldar que dormia abraçado a Evin. Evin não poderia ajudá-lo, pois estava em sono profundo. Gisella ignorou o que Irwan disse e foi até onde Hendrik estava. Irwan só percebeu quando acalmou Eldar, que sofria porque não conseguia alcançar sua chupeta na parte superior da estante. — Gisella? — Irwan sussurrou. — Eu posso fazer isso. — Gisella tocou a testa de Hendrik. — Não acho que… — Irwan ia dizer que só elementais dominavam o campo onírico, mas percebeu que Gisella conseguiu visualizar o pesadelo de Hendrik. Não precisou entrar na mente dele ou tocá-lo porque sabia que o pesadelo dele era sempre o mesmo. Uma lágrima escorreu pelo canto do olho de Gisella ao visualizar o pesadelo de Hendrik… Ele estava no altar, feliz da vida enquanto esperava pela noiva que era ela… Gisella olhava para todos, assustada, e então, para Hendrik e soltava o delicado buquê de rosas antes de se virar e fugir. “Não, Gisella?”, Hendrik gritava antes de ser tragado pela escuridão. Ele ficava sozinho e triste em um lugar escuro até retornar ao altar onde sua tormenta recomeçava. Irwan prendeu a respiração, observando Gisella e se perguntando o que ela faria, se diria que sentia muito antes de fugir, atormentada. Gisella surpreendeu Irwan ao se deitar ao lado de Hendrik e abraçá-lo antes de sussurrar em seu ouvido: — Estou feliz também e sei o que eu quero… Ficar com você para sempre. Enquanto ela falava, o pesadelo de Hendrik se transformava em sonho com Gisella indo ao seu encontro confiante. Os dois se encararam por um tempo e sorriam, apaixonados antes de se voltarem ao sacerdote que disse as palavras que os uniu para sempre. E no momento mais aguardado, Gisella disse: “Sim, eu aceito”. E os dois selaram sua união com um beijo. E dessa vez Hendrik não foi tragado pela escuridão, mas sim pela luz, sendo levado para outros sonhos… Sonhos bons do tempo em que era só um menino. “O que você é Gisella?”, Irwan quis lhe perguntar, mas sua voz ficou presa a sua garganta.
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