O infiltrado
Rosa Rosso, 1946
Aquela não era a primeira vez que Tomásio entrava em um lugar como aquele, mas a sensação de que o seu estômago parecia se revirar do avesso era sempre a mesma. Era o mesmo lugar infestado de bêbados, com as mesmas mulheres apenas de trajes ín.timos, a maioria com os s.e.i.o.s á mostra. Nada parecia ter mudado em Rosa Rosso. Ele seguiu o corredor que ficava logo a lateral, haviam muitas mulheres se insinuando para ele. Uma delas chegou a cercá-lo, colocou uma das mãos grandes e masculinas de Tomásio na curvatura pálida de seu p.eito e por mais que o desejo do homem fosse visualmente instintivo da espécie masculina, ele já havia conseguido alcançar a indiferença quando se tratava daquelas mulheres. O rapaz, determinado, continuou o seu caminho. Do outro lado da porta ele conseguia ouvir os sons agudos que emanavam daquele quarto. Chegou a tocar na madeira por educação, mas logo uma das moças da casa - nua, para variar-, girou a maçaneta e o deixou ter uma visão da qual não estava muito interessado.
Matteo, seu irmão mais velho, estava com os joelhos bem apoiados na cama, e o quadril do mesmo chocava violentamente contra as nádegas de uma loira, na qual ele penetrava com intensidade.
Tom pigarreou, tentando chamar a atenção do outro, embora não tenha adiantado de muita coisa. Matt ainda segurava com força o quadril estreito e feminino enquanto se movia paulatinamente, por dentro da jovem, quando olhou de soslaio para o seu irmão caçula.
– Você está atrasado por quinze minutos. Costumava ser mais pontual, Tommy.– disse Matt, com o seu melhor tom de ironia.
A voz dele ainda estava rouca devido ao estado no qual se encontrava.
Tom se limitou a erguer uma das sobrancelhas. Embora o jeito explícito e devasso de seu irmão não o assustasse, ele esperava ser recebido com um pouco mais de cordialidade.
– É sério isso? Você estava mesmo me esperando... Assim?
– Não achou que eu usaria um traje de gala para ver o meu irmão caçula, achou?
– Se usasse um traje já estaria de bom tamanho.– Resmungou Tom.
– Qual o problema, Tommy? Esses dois anos que passou morando fora de Rosa Rosso te deixaram mais sensível?– Matt ergueu o canto da boca em um sorriso sarcástico.
– Você não me fez voltar para esse fim de mundo apenas para saber dos meus sentimentos, não é? Diga logo o que quer, você falou que tem urgência.
– Sim, é urgente.– Matt deu um último impulso para frente, antes de liberar toda a sua semente dentro do preservativo, enquanto ainda se movia dentro da jovem.– Agora pode ir embora, acertaremos no final.– ele disferiu um tapa contra uma das nádegas da mulher.
A loira prontamente ficou de pé, em seguida, saiu do quarto na companhia da outra mulher que estava ali.
– Não poderia ser menos i.d.iota?– Resmungou Tom.– Uma boa bisca estás me saindo.
– Eu vou pagar muito bem por isso. Agora ouça bem, não te chamei aqui para falar sobre a forma com que trato as p.rostitutas do bar.
– Jura?– Perguntou Tom, com ironia.
– Eu tenho uma missão especial para você, fora de Rosa Rosso.
– Sim, você me disse na carta. Será que pode adiantar o contéudo?
– Como você sabe, a Isabel está grávida, vou precisar ficar uma temporada na minha casa em Vigneto.
Tom não evitou arregalar os olhos. Suspeitava que Matt e Isabel pretendiam povoar uma cidade. Aquele já era o quinto filho que sua cunhada esperava na média de três anos.
– Eu espero que seja menino.
– Outra vez? Você já tem quatro filhos homens.– Comentou Tom.
– Mulher dá muito trabalho.– Matt bufou.– Voltando ao assunto, precisarei me ausentar por pelo menos um ano, e enquanto isso, você assume a liderança de Rosa Rosso.
Novamente Tom arregalou os olhos.
– Você só pode estar brincando comigo.–
– Não, não estou. Eu sei que você foi embora de Rosa Rosso para tentar se afastar do mundo da máfia, mas não pode fugir do legado que corre em nosso sangue, Tommy.
– Eu não sirvo para isso. Sou advogado, tenho o meu próprio escritório em Fiorenza, não posso jogar a minha vida para o alto.
– Sua vida?!– Exclamou Matt, indignado.– E o que diz da vida de nosso pai? Nosso pai morreu nas mãos dos maldito Santiago, assim como o nosso primo Alessandro.
– Alessandro está morto?!– disse Tom, boquiaberto.
– Sim, por isso que estou pedindo para VOCÊ assumir o meu lugar temporariamente. Saberia mais dos assuntos de nossa família se olhasse a sua caixa de correio com mais frequência, fratello.
Tomásio estava perplexo demais para emitir qualquer opinião.
– Voltando ao que eu estava dizendo, preciso que você vá até Aventine e que se infiltre na Dinástia das jóias.
– Ficou maluco? Quer me colocar no meio de nossos inimigos? Se descobrirem quem sou...
– Cuidaremos para que não descubram. Além do mais, você não estará sozinho, teremos homens disfarçados por toda a cidade. O único jeito de conhecer o inimigo é convivendo com ele, Tommy. Apenas conhecendo muito bem os Santiago, poderemos exterminar um por um, até que não exista mais uma prole Santiago no mundo.
– Há séculos existe essa guerra entre os Santiago e os Messina, sequer sabemos o motivo. Uns dizem que é pela competição de mercado. Os Santiagos com as pedras preciosas, nós com o ouro e a prata...
– Não venha dizer que é sem sentido, Tomásio. Pouco me importa como começou ou quem começou. Os Santiago mataram o nosso pai e o nosso primo, se trata de justiça! Não é mais o ouro, a prata ou as pedras preciosas, é a família. Lembra do que nosso pai sempre nos disse? Olho por olho, dente por dente e sangue por sangue.
– Eu não sei o que espera que eu faça.
– Já disse. Se infiltre entre eles, descubra o segredo e as fraquezas daquela família. Vamos atacar Eugênio Santiago aonde mais dói.
– Seja mais específico.– Tom enrugou a testa.
– Vamos matar a filha mais nova de Eugênio Santiago.
...
Semanas depois
Tom ainda se perguntava do porquê deixou o seu irmão convencê-lo daquele absurdo. Na verdade, não pareceu tão absurdo no momento em que ele apertou a mão de Eugênio Santiago e lembrou que foram aquelas mãos que tiraram a vida de seu pai. Cada vez que aquele homem apertava os dedos, Tom voltava ao passado. Chovia muito, típico de todo mês de julho em Rosa Rosso. Seu pai havia levado tanto Matt quanto ele para visitarem as vínicolas da família, faziam aquilo ao menos uma vez na semana - afinal de contas, precisavam manter as aparências, o governo acreditava que a fonte de renda da família era especificamente das vinícolas, e não que sonegavam impostos absurdos com o tráfico de ouro, prata e diamante -. Em algum momento, um grupo de homens surgiu do nada e invadiu a propriedade dos Messina. Leandro, pai de Matt e Tomásio conseguiu proteger os filhos, mas não impediu que os dois vissem quando Eugênio Santiago puxou o gatilho que acabou com a sua vida.
Tom precisou de muita força de vontade para não esmagar os dedos daquele canalha. Matt tinha toda razão, Eugênio precisava pagar muito caro por todo o sofrimento que trouxe á sua família. Ele choraria com lágrimas de sangue a morte da filha.
Depois daquela missão, Tom voltaria para a sua vida pacata em Fiorenza, que fosse para o inferno os negócios da família.
Em um meio tempo de consciência se perguntou se era justo tirar a vida de uma moça que seria mais uma vítima daquela guerra sem sentido, mas logo se convenceu de que não era problema seu.
– Então quer dizer que você estudou direito em Londres, fala três idiomas fluentemente e o seu pai é o embaixador de Castañale.– disse Eugênio, admirado, enquanto analisava o currículo do jovem.– Suas experiências também são bem vastas.
Tomásio ficou apenas em silêncio, ainda se recuperando da vontade súbita de agarrar o pescoço do outro.
– Espero que saiba que antes de assinarmos um contrato efetivo, eu vou averiguar todo o seu dossiê. Por enquanto, você tem três meses de experiência aqui na Dinastia.
– Sim, senhor, pode confirmar com todas as referências e verá que sou qualificado para me juntar ao corpo de advogados da empresa.
– Thomás MacGyver.– Eugênio franziu o cenho, analisando o rosto do homem á frente.– Curioso, você não parece um inglês.
– Meu pai era inglês e a minha mãe portuguesa.– Mentiu.
– Hum.– Eugênio se limitou a dizer.
Ainda em silencio, ele foi até a porta e exclamou para a secretária:
– Arrume um dos escritórios para o senhor MacGyver, eu irei mostrar a empresa para ele.
Tom prendeu a respiração em sinal de desespero. Por um segundo achou que se livraria da companhia de Eugênio, quando o mesmo se disponibilizou a apresentar a fábrica.
Foram longos e incansáveis minutos, antes que Eugênio o deixasse para ir á uma reunião urgente e misteriosa.
Tom tinha certeza que conseguiria informações significantes se conseguisse ouvir aquela conversa. Por sorte, a secretária havia se ausentado logo em seguida para a hora de almoço e poucas pessoas passavam por ali. Mais alguns passos e Tom estaria próximo o suficiente para escutar...
– O doutor Eugênio está em reunião, receio que não poderá atendê-lo agora.– disse uma voz feminina, fazendo-o parar.
A julgar pela tonalidade da voz da moça, ela percebeu que ele estava prestes a bisbilhotar uma conversa sigilosa.
O rapaz sentiu estranhos calafrios ao ter sido flagrado daquela maneira, mas nada comparado as ondas inebriantes que experimentou ao voltar-se para trás e se deparar com a mais linda de todas as criaturas que já viu na vida.
A jovem deveria ter por volta de seus vinte e dois ou vinte e três anos, embora que o rosto jovial indicasse que poderia ter até menos. Cabelos dourados, que mediam nos ombros. Lábios rubros, nariz pequeno e bem delineado, olhos verdes como as esmeraldas que Eugênio Santiago tinha em sua mesa, mas o que de fato fez Tom quase sair de órbita foi o cheiro suave de rosas que emanava do corpo dela.
– Desculpe... Quem é a senhorita?– Perguntou Tom, assim que voltou a si.
A moça abriu e fechou a boca, parecia nervosa. Aquela atitude diante de uma pergunta tão simples, deixou Tom intrigado.
– Sou Sofia, trabalho na contabilidade.
Tom arregalou os olhos, surpreso.
– Sei que está pensando o que todo mundo pensa.– A garota bufou, contrariada.– Nunca viu uma mulher contadora. Na verdade, não existe mesmo. Eu terminei a universidade no ano passado e precisei de muito esforço para convencer o meu pai a me deixar estudar e em seguida trabalhar. Desculpe, estou tagarelando.– ela mordeu os lábios, desconcertada.
Mentalmente ela insultou a si mesma. Era óbvio que o homem acharia suspeito o fato da mesma se explicar demais. Afinal de contas, por que daria tantas satisfações a um desconhecido?
– De forma alguma.– Respondeu Tom, ainda encantado.– Eu é quem peço desculpas por ter achado um tanto...
– Estranho?
– Incomum.– Tom logo a corrigiu.– No entanto, achei interessante. A senhorita deve ser uma moça muito inteligente.
A garota deu um sorrisinho sem graça perante o elogio, mas logo pareceu muito assustada ao ouvir vozes se aproximando da porta.
Eugênio estava prestes a sair do escritório, e a jovem não pensou duas vezes antes de sair dali em disparada.
Tom continuou olhando para o lugar que havia sido ocupado por ela e que agora estava vazio.
– Thomas?– Eugênio o chamou pela segunda vez, esperando apresentá-lo ao homem que estava ao seu lado.
Mas Tom parecia hipnotizado.
– Thomas!– Eugênio o chamou novamente, agora parecia impaciente.
Ele piscou os olhos várias vezes, aturdido.
– Mil perdões. É que eu estava conversando com uma moça que trabalha na contabilidade daqui da fábrica, Sofia é o nome dela. Não sabia que existiam mulheres contadoras.– disse Thomas, no intuito de saber mais sobre ela.
Tanto Eugênio quanto o outro homem pareciam confusos.
– Mas não há, nem na minha fábrica, tampouco em qualquer outro lugar do mundo.– disse Eugênio, agora parecia irritado.– Também não conheço nenhuma Sofia, ao menos não me lembro.
– Ninguém com um pingo de lucidez deixaria uma mulher ocupar um cargo tão importante.– Opinou o outro homem.– Por mais que na década de 30 Vargas tenha permitido o absurdo das mulheres votarem, ainda ninguém perdeu a razão ao ponto de deixar uma mulher trabalhar tão diretamente com as contas de um negócio.
Pela primeira vez, Tom prestou atenção nele.
Ele parecia jovem, deveria ter mais ou menos a idade de Tom, entre os vinte e cinco a vinte e sete anos.
– Imagine só? Uma mulher trabalhando diretamente com o capital de uma empresa? Levaria o negócio a falência, gastaria tudo com cabeleireira, manicure e sapatos.– Brincou Eugênio.
– Seria um desastre.– Concordou Rodrigo.– Essas malditas feministas tentam bagunçar a nossa sociedade, mas tenho convicção de que algum dia darão um final justo para essas cretinas.
– Thomás, quero que conheça Rodrigo Montenaro, o filho do prefeito de Aventine, que por coincidência é o meu genro.
Tom não deixou transparecer o seu entusiasmo, mas agora tudo parecia fazer sentido.
O filho do prefeito era genro de Eugênio, aquilo dizia muito sobre como os Santiago conseguiam traficar pedras preciosas sem serem descobertos, e o melhor, na maior facilidade.
– É um gosto conhecê-lo.– Rodrigo esticou a mão na direção de Tom.
– Igualmente.– Tom segurou a mão dele.
As peças daquele quebra-cabeça estavam começando a encaixar, agora era questão de tempo para Tom ter uma prova contra a máfia dos Santiago.