No amor e na guerra tudo vale.
- Eu já não aguento mais ficar aqui sentada!- Esperneou Dalila, atirada na grama como se fosse um punhado de pasto fresco.
- O seu tornozelo está bastante inchado. Não tenho como dizer se foi algo grave ou não, será necessário que um médico te avalie. Enquanto isso, não é bom arriscar.- Instruiu Noah, fazendo uma careta ao analisar a rapidez com a que o coágulo do tornozelo da moça aumentava de tamanho. Ele estava de cócoras, de frente para a mesma, preocupado com a possível gravidade daquele machucado.
Até poucos minutos, Noah cavalgava tranquilamente na presença de Dalila e Maria Eugênia, filhas de um grande amigo de seu pai, quando, de repente, os arreios de uma delas saiu do lugar, e a moça em questão foi parar diretamente no chão, justo quando o seu animal já trotava bastante rápido, acompanhando os outros.
Por uma sugestão de Maria Eugênia, eles apostavam uma corrida de cavalo. Embora Dalila tenha ficado desconfiada das intenções de sua irmã mais velha, já que a mesma parecia deixar algo nas entrelinhas, ela era competitiva demais para recusar a proposta.
- Se não tivéssemos apostado corrida, com certeza a situação não estaria tão f.e.i.a.- Disse Dalila, lançando um olhar fulminante para a outra garota, enquanto falava.
- Ah, que ótimo. O cavalariço não aperta bem os arreios do seu cavalo, e você vem colocar a culpa em mim.- Disse Eugênia, com um ar sarcástico.
Por fora, ela parecia mesmo ofendida com a acusação, já por dentro…
Por dentro, reverberava de alegria, porque tinha a total certeza que ninguém acreditaria nas desconfianças de Dalila.
Há algumas semanas, quando apertou a mão de Hugo Menezes, o filho do prefeito, e aceitou a proposta de se aliar a ele para fazer com que Dalila se apaixonasse pelo mesmo, assim, tirando-a de seu caminho até o coração de Noah, Eugênia estava disposta a tudo. Agora, com Dalila tendo o tornozelo fraturado, naquele fim de mundo, contaria justamente com Hugo, o único médico que estava disponível, no momento. Eugênia deu a sua irmã de bandeja para o outro, e em consequência disso, poderia aproveitar a oportunidade de desfrutar de Noah, sem a interferência de Dalila.
- Ninguém teve culpa nisso. Bom, ninguém exceto o cavalariço, que pelo visto não apertou os arreios direito.- Interferiu Noah, impedindo que as irmãs brigassem.
- Eu já liguei para o Hugo, e ele já está vindo, para te ajudar.- Disse Eugênia para Dalila, que continuava furiosa por ter certeza que tinham os vinte dedos de sua irmã mais velha naquela empreitada.
- Vai ficar tudo bem.- Disse Noah para Dalila, tranquilizando a mesma.
A julgar pela respiração ofegante, a garota estava mesmo furiosa. Seu olhar havia adquirido uma tonalidade sombria sempre que encontrava Eugênia.
As vezes, Noah percebia um certo cinismo por parte da outra. Ela não parecia sentir muito por sua irmã machucada. A impressão que passava, era que até havia um certo sadismo, uma certa satisfação pelo sofrimento de Dalila. Não era de hoje que Noah já havia percebido uma espécie de rivalidade entre as duas irmãs, mas Maria Eugênia nunca se importava de jogar sujo.
Poucos minutos depois, chegou Hugo, filho do prefeito, que era médico, como a própria Eugênia tinha feito questão de informar. Ambos trocaram um rápido olhar de cumplicidade, logo depois do rapaz analisar o tornozelo de Dalila, e constatar que ele precisaria passar um longo período de cama, sem poder forçar aquele pé que foi machucado. Após Dalila estava devidamente acomodada em sua cama, com todas as orientações de cuidados terem sido feitas, Hugo saiu de seu quarto, com a promessa de que voltaria no dia seguinte.
Eugênia esperou por ele no corredor do andar debaixo, ansiosa, já que sabia que precisaria esperar que os seus pais o fizessem mil e uma perguntas, antes de deixá-lo ir.
- Ah, finalmente, achei que não conseguiríamos conversar hoje.- Disse Maria Eugênia, impaciente.- E então? O caso da Dalila foi mesmo grave?-
- Ela torceu o tornozelo. Foi bem perigosa essa empreitada, e não recomendo fazer de novo. Sua irmã poderia ter sofrido alguma lesão grave.- Sugeriu Hugo, falando com seriedade.
- A Dalila é dura na queda, não se preocupe. Não questiono meus métodos, Hugo, eu sempre consigo o que quero.-
- Sei que você é inteligente e astuciosa, por isso te propus aquele acordo. Me aliar com uma pessoa como você, é, sem dúvidas, conseguir o que quero. O que eu quero, Eugênia, é conquistar a sua irmã, assim como eu soube pelos seus irmãos que o que você quer, é conquistar o Noah. Temos interesses em comum, e foi isso o que me levou a te sugerir o nosso acordo.-
- Por que está fazendo toda essa introdução? Fala logo o que quer falar, porque eu não sou uma pessoa muito paciente.- Rosnou Eugênia.
- Você passou dos limites, Maria Eugênia. Não precisa atirar a sua irmã do cavalo para afastá-la do Noah.-
- Primeiro de tudo, eu não atirei ninguém do cavalo. Só prejudiquei os arreios. Segundo, não sei do que está reclamando, porque fiz isso estrategicamente para aproximar a Dalila de você.- Eugênia bufou, impaciente, ao ver o semblante de incredulidade que Hugo expressou para ela.- Você é médico, ela a sua paciente… Terá sempre desculpas para visitá-la.-
- Eu já entendi, Maria Eugênia.- Disse o rapaz, irritado.
- E ainda de quebra, ela vai ficar impossibilitada de se meter no meu caminho, literalmente, já que não posso marcar nada com o Noah que a Dalila dá um jeito de aparecer.-
- Por sorte, não aconteceu nada grave, mas te peço que não faça mais nada do tipo. Estou falando sério, Maria Eugênia, sua irmã poderia ter se machucado de verdade…-
- Escuta aqui, Hugo.- Rosnou a moça, aproximando-se dele de forma intimidadora.- Foi você quem veio falar comigo sobre o assunto. Foi você quem me propôs o acordo, portanto não reclame dos meus métodos, porque eu não gosto de ficar sendo questionada.-
- Tudo bem, tudo bem. Eu só estou te pedindo isso, porque realmente a Dalila poderia ter se machucado de verdade…-
- Mas a sua preciosa Dalila não se machucou. Ou melhor, machucou o tornozelo, mas você mesmo disse que não é nada demais. Eu te fiz um grande favor, Hugo, e espero que saiba reconhecer. Ou do contrário podemos quebrar o nosso acordo aqui mesmo.-
- Não vamos quebrar nada.- Hugo colocou o dedo em riste.- Eu já sabia dos riscos que corria quando te propus um acordo. Eu já sabia que te ter como minha aliada seria bastante perigoso.-
Maria Eugênia esboçou um sorriso tão largo ao ver que o outro cedeu, que foi possível ver o brilho que emanava de seus dentes perfeitamente brancos e bem alinhados.
- Então ainda somos parceiros.- Constatou Eugênia.
- Parceiros.- Hugo estendeu uma das mãos para que a mesma apertasse, e prontamente ela aceitou o gesto.
- Agora que estamos entendidos, passe a confiar mais nos meus métodos. Eu sempre sei o que estou fazendo.- Disse Eugênia, assim que soltou sua mão da mão dele.
- E o que você está fazendo?- Perguntou Rafael, irmão de Eugênia, adentrando repentinamente no cômodo.
A curta diferença de tempo entre o nascimento de ambos, sempre gera muitos comentários. Tanto Rafael quanto Eugênia têm vinte e cinco anos, com a diferença de que a moça é apenas um mês e meio mais velha do que o seu irmão.
Há casos nos quais mulheres grávidas conseguem engravidar de novo, e a mãe deles costumava dizer que ela era um daqueles casos. Era muito raro, e por isso muitas pessoas não conheciam essa possibilidade, embora que, as vezes, a própria Eugênia tinha dificuldades em aceitar.
Não conseguia entender o porquê de ser tão diferente de seus pais, e até de seus irmãos. Até fisicamente não havia semelhança. Não havia herdado os olhos verdes de Betina, sua mãe, como Dalila e Rodrigo, ou os olhos azuis-acinzentados de Arthur, o pai, no caso de Rafael. Seus irmãos tinham uma mistura perfeita entre os dois, mas Maria Eugênia não tinha um traço fenotípico deles.
Ela até tinha algumas características de Arthur, algo bem ínfimo, mas nada nela lembrava a mulher que conhecia como o mãe. Com o passar dos anos, aquela impressão ia ficando cada vez mais forte, mas ainda assim, Eugênia decidia ignorar.
Algumas coisas ela conseguia ignorar, mas com certeza, dentre elas, não estava a intromissão de Rafael.
- Mas o que você é agora? Uma espécie de sombra? Parece que está em todos os lugares, sempre à espreita.- Disse Maria Eugênia, irritada.
- Não estou gostando nada dessa aproximação repentina de vocês dois.- Disse Rafael, olhando de um para o outro.- Estão sempre cochichando, sempre dando a impressão de que escondem algo…-
- Você é insuportável e intrometido. Não te devo satisfações da minha vida.- Rosnou a garota, antes de sair dali, pisando duro.
Rafael continuou parado no mesmo lugar, ainda lançando um olhar questionador para Hugo, que era um de seus melhores amigos.
- Nunca tivemos segredos um para o outro, Hugo. Vai mesmo estragar a nossa amizade para por sei lá que motivo fazer os caprichos da Maria Eugênia? Sequer gosta dela, sei muito bem que é pela Dalila que você…- Rafael não completou sua frase, ao invés disso, arregalou os olhos, como se tivesse desvendado o segredo da paz mundial.- É isso, não é? Fez alguma espécie de complô com a Maria Eugênia, por isso andam tão próximos.-
- Calma, Rafa, está deduzindo coisas de mais…-
- Só pode ser isso! O que vocês dois andam combinando, Hugo? Qual o plano de vocês?-