Caterina Gallo
Eu nasci em uma família pobre do interior da Sicília. Nós não tínhamos muito no começo, mas meu pai nunca deixou faltar nada em casa. Éramos felizes. Quando eu tinha oito anos, ele sofreu um acidente de carro e veio a falecer. Alguns meses depois a minha mãe se casou com Enzo Santoro, no começo ele era bem legal, eu não vou mentir. Ele gostava de mim, me levava para passear e comprávamos brinquedos e doces todos os finais de semana.
Mas alguma coisa mudou quando minha irmã Giana nasceu. Eu tinha 12 anos na época e ele começou a me olhar de um jeito estranho. Quase predatório. O que me fez usar moletons largos e feios.
O barulho de vidro se quebrando me chamou atenção. Eu me virei para Giana e coloquei um headset na cabeça dela com música clássica no volume mais alto que consegui. Ela não precisava ouvir nada do que estava prestes a acontecer. Eu corri em direção ao escritório de Enzo com o coração batendo forte em meu peito. Da última vez que ele e mamãe brigaram eu quase não cheguei a tempo. Peguei a maçaneta pronta para abrir.
— Por quanto tempo você acha que eu vou continuar sustentando os luxos dessa p*****a que você chama de filha? — A voz de meu padrasto Enzo encontrou meus ouvidos em alto som enquanto ele discutia com minha mãe.
— Enzo, por favor — mamãe respondeu em um tom choroso que me apertou o coração. Eu sabia o que meu padrasto estava fazendo com ela no escritório.
Nunca entendi porque ele não gostava de mim. Eu sempre me comportei bem. Sempre fui uma boa filha, fiz todas as tarefas domésticas. Tirei boas notas na escola e não arrumei nenhum namoradinho para me desviar dos estudos e sempre cuidei de minha irmã Giana, mas toda vez que Enzo chegava bêbado ele e minha mãe brigavam.
E todas as vezes eu o ouvia falar m*l de mim para ela. Talvez ele me odiasse por não ser filha dele.
— Eu te sustento, te dou uma vida boa, e o que eu ganho em troca? Essa sua filha ingrata e inútil! — Enzo continuava, sua voz carregada de desprezo.
Abri a porta com força, entrando no escritório. Enzo se virou para mim, seus olhos cheios de raiva e álcool.
— O que você quer, Caterina? — ele gritou, balançando uma garrafa de uísque vazia. — Veio ver como sua mãe te defende enquanto você só nos traz problemas?
Minha mãe, com lágrimas nos olhos, estendeu a mão na minha direção, tentando me afastar da linha de fogo.
— Caterina, vá para o seu quarto, por favor, — ela suplicou, sua voz trêmula. Mas eu estava cansada de me esconder. De esconder Giana quando eles brigavam. Cansada de ouvir as palavras venenosas de Enzo, de vê-lo machucar minha mãe.
— Não, mamãe, — eu disse, minha voz firme. — Isso precisa acabar. Enzo, não tem direito de nos tratar assim. Você pode ser o marido da minha mãe, mas não é meu pai. Nunca será meu pai.
Ele deu um tapa no meu rosto. Ardeu. Queimou.
— Cale sua boca, imunda! — Ele disse — Acha que não sou capaz de matá-la se eu quiser?
— Não Enzo, por favor. — minha mãe suplicou e ele olhou para ela com desgosto, lhe dando um chute na barriga.
— Mamãe! — eu gritei indo em direção a ela. — Você é um monstro!
Ele riu, — Acha que seus xingamentos bobos me atingem?
Enzo deu um passo na minha direção, seu rosto contorcido de fúria. Ele levantou a mão, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa contra mim, eu peguei um vaso na mesa ao lado do sofá e o atirei contra a parede, o som do vidro se quebrando como um estrondo na sala.
— Eu não vou mais aceitar isso, — eu disse com todo o ódio guardado em meu coração. — Você pode gritar, pode nos intimidar, mas eu não vou mais ficar calada. Vou proteger minha mãe e minha irmã de você.
Enzo ficou parado por um momento, surpreso com a minha coragem. Minha mãe chorava silenciosamente ao meu lado. Não me recordo em qual momento ela ficou desse jeito. Mas me doía vê-la tão acuada e triste, longe da mulher radiante que ela era antes de se casar com Enzo.
— Você vai se arrepender disso, fedelha! — Enzo rosnou, mas sua voz já não tinha a mesma força. Ele se virou e saiu do escritório, batendo a porta com força.
Eu esperei até que ele estivesse longe e abracei minha mãe, tentando oferecer algum consolo a ela.
— Mamãe, não podemos mais viver assim, — eu sussurrei com a voz embargada. — Precisamos fazer algo, sair daqui. Ele não vai mudar. Ele nunca vai mudar.
Ela soluçou, me apertando em seus braços com força. — Eu sei, Caterina. Eu sei, — respondeu ela, a voz quebrada entre as frase também quebraram meu coração. — Mas para onde podemos ir? Ele tem controle sobre tudo, nossas finanças, nossa casa... Não tenho para onde fugir com vocês.
Me afastei um pouco para olhar em seus olhos. Havia medo ali, mas também uma centelha de esperança.
— Vamos encontrar uma maneira, — eu disse, tentando soar mais confiante do que me sentia. — Eu vou falar com a tia Laura, talvez possamos ficar com ela por um tempo.
Ela assentiu lentamente, ainda hesitante. — Você é tão corajosa, minha filha, — ela sussurrou, acariciando meu rosto. — Eu só quero que você e Giana estejam seguras. Se sua tia Laura conseguir ajudar vocês duas eu estarei tranquila.
Eu assenti lentamente e levei mamãe para o quarto para cuidar dos hematomas que Enzo havia deixado nela, e rapidamente ela dormiu. Voltei ao quarto de Gianna. Ela ainda estava com os fones de ouvido que eu havia dado a ela.
Ela ergueu os olhos para mim e retirou os fones da cabeça. — Acabou? — Ela perguntou, eu sorri para ela, tentando tranquilizá-la. Ela tinha apenas 6 anos, mas eu sabia que ela sabia o que estava acontecendo entre nossos pais.
— Está tudo bem agora, Giana, — eu disse, tentando soar tranquilizadora. — Vamos sair daqui em breve, eu prometo.
— E a mamãe? — perguntou ela, seus olhos grandes e cheios de preocupação.
— A mamãe vai com a gente, — eu assegurei, tentando esconder a incerteza em minha voz. — Vamos ficar todas juntas.
Ela engatinhou para fora, abraçando-me com força. — Tenho medo, Caty, — ela sussurrou. — Não quero que ele machuque mais você ou a mamãe.
— Eu sei, Giana, — eu respondi, acariciando seus cabelos castanhos — Mas vou cuidar de vocês. Confie em mim.
— Porque ele faz isso? — ela perguntou me encarando confusa, — Os pais dos meus amigos não são assim.
Eu mordi o lábio com dor no coração. — Eu não sei, Bolinho de canela. — eu respondi dando-lhe um beijo na cabeça. — Vamos dormir. Eu tenho que pensar em um plano bom para nós.
“Deus, se você existir, me ajude. Eu preciso sair dessa casa urgentemente. Eu preciso salvar a minha família. ”