Alessandra
Me doeu tanto fazer aquilo com a minha tata, mas não podia ser diferente, se eu fraquezas justo naquele momento, quando os menores do Terceiro Comando estavam de olho em mim, todo o meu esforço iria por água a baixo
Meu nome é Alessandra e eu sou a irmã mais velha da Sol, aquela que decidiu deixar tudo para trás, que negligenciou todo o sofrimento de uma menininha indefesa. Mas eu tive os meus motivos, queria uma vida melhor
Quando eu sai, achei mesmo que ia conseguir tirar a minha irmã daquele lado da comunidade, aquele comandado pelo Dante. Para mim, o cara era um demônio personificado, que vivia mandando o Pezão, aquele garoto que não saia do pé da Sol, encher o nosso saco na base da cobrança. Para mim, o Dante realmente fazia da nossa vida um inferno, só não sabia que, naquele nosso mundo de CDD, a parte que lhe cabia, era a melhor
Eu sou dez anos mais velha que a Sol e minha história é meio estranha. Meu pai é o José sim, mas eu sou fruto de uma pimbada m*l dada por parte da minha mãe e do meu pai. Sabe aquele negócio de golpe da barriga? Pois é, foi isso aí o que aconteceu, mas pro lado do meu pai, ele achava que minha mãe ia abrir mão daquele amor doido que sentia pelo Careta, mas não, ela preferiu ser mãe solteira e isso durou dez anos, por todo esse tempo foi só ela e eu, com algumas visitas do meu pai de vez em quando e ele implorando pra ela o aceitar como o macho da sua casa e das nossas vidas
Foi só depois que ela engravidou da Sol que se juntou de vez com o meu pai, acho que foi pra mandar recado pro Careta mesmo, tipo "não atrapalha a minha vida e nem a minha família que agora tenho que cuidar das minhas filhas"
Quando a minha bonequinha nasceu, eu fiquei tão feliz, já tinha idade para entender que ela não seria minha boneca particular, mas que deveria ajudar a cuidar. Tão meiga, tão delicada, tão tudo de bom, pena que meu pai não via dessa forma
Nunca entendi quando ele, nas escondidas, a maltratava, mas depois, vinha no chamego, uns presentinhos pra tirar sorriso da minha boneca, acho que era pra não chamar tanta a atenção da minha mãe, mas depois que ela foi embora, que Deus decidiu a recolher desse mundo maldito, ele se rebelou, virou um monstro e daí sim, se entregou nas drogas
Eu culpava o Dante, culpava todos os dias, foi ele o meu maior motivo para querer sair da comunidade, só não achei que, uma hora ou outra teria que voltar, em outras circunstâncias
Pra tentar pegar aquele líder, eu virei policial, fui a número um da turma e por conta disso, consegui escolher a área que queria seguir. Que novato que tem o privilégio de pegar uma vaga no seguimento que só entra quem é indicado só que sem ser indicado? Eu, por conta das minhas notas e determinação
Família? Eu tive, hoje não tenho mais. Me casei com um carinha que me ajudou a sonhar, me ajudou a sair do CDD, me ajudou a manter meu sonho de derrubar o Dante bem aceso, mas quando viu que eu podia ser mais que ele, deu uma de cuzão. O que eu fiz? Meti o pé na b***a dele, sorte minha que eu ainda não tinha assumido a minha vaga e mais sorte ainda, dele ter morrido atropelado na linha vermelha quando, no desespero de um arrastão, saiu do carro e tentou correr pro outro lado da pista. Não é coisa de se ficar feliz, mas pra mim, foi sorte, a gente não saiu muito bem da nossa relação, ele poderia me prejudicar
Como eu disse, melhores notas, menção de honra na formatura e eu achando que estava abalando. Fui pra área só P2. Sabe aquelas missões que aparecem em filmes, onde os policiais se infiltram no meio dos bandidos pra conseguir informação privilegiada? Pois é, isso existe mesmo, e eu sou um desses policiais
Eu sonhava em tirar a minha família das mãos daquele demônio, afastar ele do enferno de Dante, por isso não hesitei de ser perfeita em todos os requisitos. Disponibilidade de horário, para fazer viagens, ficar longos períodos longe de casa e o mais importante, ser sozinha, não ter para quem voltar, por isso cortei meu contato com a minha família, eu achei mesmo que seria temporário
Quando a minha missão saiu e eu vi o lugar que iria morar, meu coração quase saiu pela boca, CDD, mas na área do Terceiro Comando. Ali, naquele momento, achei que podia unir o útil ao agradável, faria o meu serviço e tentaria proteger a minha tata
O que poderia dar errado? Ela nunca vinha para esse lado, m*l saia de casa, já meu pai, trabalhava o dia todo, coitado . . . pelo menos a minha cabeça inocente pensava assim
Como eu disse, pensava, até ver ele naquela área, comprando mercadoria das bocas dali. Eu pesquisei, ele deixava quase todo salário naquelas bocas, nunca ficava devendo, claro, sabia que o TC não tem a mania que o Dante tem, a de escutar um tiquinho, pelo menos na hora da morte
Fora que, quando eu achei que as coisas não podiam piorar, elas pioram, meu pai estava dando informação do lado da comunidade que morava. Eu pensei, só pensei que o Dante fosse a doença, mas não, era o meu pai
Não pude intervir, senão, estragaria o meu disfarce ao invés disso, fui crescendo e crescendo ali dentro, ganhando a confiança de uns menor, vivendo como se fosse uma mina dali. O jeito delas eu conhecia e era fácil de imitar, eu sou cria da comunidade, sempre vi o que marmita faz pra ganhar confiança de gente do movimento. Algumas coisas eu não abria mão, mas uns beijinhos aqui e outro ali, eu cedia. O r**m de tudo isso é que eu fui percebendo que, o que eu achava que era monstro, na verdade, não era
No dia em que vi a Sol, eu quis abraçar a minha bonequinha, quis mesmo, saber como ela estava, como estava vivendo e se precisava de alguma coisa. Ela me encontrou dando bobeira perto do centro da cidade, mas justo naquele momento, os menor estavam fazendo cobrança de praxe, olhando pra mim. Foi para proteger a minha menina . . . imagina se eles descobrissem quem eu sou, ela estaria em risco, eu nem pude contar que não sou mais amigada, que aquela minha felicidade toda de quando sai do CDD, chegou ao fim, nada . . .
Foi par o bem dela, só por isso, mas as coisas já estão de acertando e ela está nos meus planos, logo eu dou um jeito de tirar a Sol dali, logo eu dou meu jeito