O silêncio das ruínas
O vento soprava pelas ruínas da antiga metrópole, carregando consigo o cheiro de ferrugem e terra úmida. Cada passo de **Lia** fazia ecoar um som baixo contra os restos do que um dia foi uma cidade viva. Ela ajustou a alça da mochila nos ombros magros, sentindo o peso de anos de sobrevivência, e ergueu o olhar para o céu. O sol estava fraco, escondido por camadas de poeira e poluição.
“Mais um dia de nada,” murmurou para si mesma, o tom carregado de cansaço.
Lia não falava com outra pessoa há semanas. Desde que a última comunidade onde vivera fora invadida por saqueadores, ela seguia sozinha, evitando contato humano. O silêncio era tanto um companheiro quanto um inimigo, uma faca de dois gumes que a mantinha viva, mas a fazia esquecer o som de sua própria voz.
Ao longe, avistou uma estrutura parcialmente de pé. Era uma antiga estação de trem, pelo que parecia. Decidiu se aproximar, em busca de abrigo.
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**O Encontro**
Lia entrou na estação em silêncio, os sentidos alertas. Havia aprendido a sempre presumir que algo ou alguém estivesse à espreita. Enquanto inspecionava o ambiente, um som inesperado quebrou o silêncio
...um som inesperado quebrou o silêncio — o farfalhar de uma lata rolando pelo chão. Lia congelou, os olhos imediatamente procurando a origem do ruído. Sua mão instintivamente alcançou o cabo da pequena faca presa ao cinto.
“Quem está aí?” Sua voz saiu baixa, mas firme, ecoando pelas paredes rachadas da estação.
Por um momento, tudo voltou a ficar em silêncio. Talvez tenha sido apenas o vento, pensou, mas o instinto lhe dizia o contrário. Ela deu um passo cauteloso à frente, os olhos varrendo as sombras. Foi então que o viu.
Um homem emergiu de trás de uma pilha de destroços, as mãos erguidas em um gesto de rendição. Ele tinha os cabelos desgrenhados, escuros, e o rosto coberto de sujeira. A barba por fazer o fazia parecer mais velho, mas seus olhos, de um castanho profundo, brilhavam de alerta.
“Calma,” ele disse, com a voz rouca, mas tranquila. “Não quero machucar você.”
Lia não abaixou a faca. “O que você está fazendo aqui?”
“Procurando o mesmo que você, imagino. Abrigo, talvez um pouco de comida.” Ele deu um passo lento para o lado, para ficar completamente visível. “Meu nome é **Dante**. Estou sozinho.”
Ela estreitou os olhos, sem confiar na declaração. “Sozinho? Não parece o tipo que sobrevive por conta própria.”
Dante deu um sorriso curto, quase triste. “Não é fácil, mas é possível. Você está sozinha também, não é?”
A pergunta a atingiu como um soco. Ela não respondeu, mas seu silêncio foi suficiente.
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**A Tensão Inicial**
Os dois ficaram em silêncio por um momento, o som distante do vento preenchendo o vazio. Lia mantinha a faca levantada, os dedos firmes no cabo.
“Se eu quisesse fazer algo contra você, já teria tentado,” Dante falou finalmente, apontando para as mãos ainda erguidas. “Mas estou cansado demais para isso. Só preciso de um lugar para descansar.”
Ela hesitou, olhando para ele com desconfiança. Algo na sinceridade em seus olhos a fazia querer acreditar, mas a vida já tinha lhe ensinado que confiar em alguém podia ser fatal.
“Fique onde está,” ela ordenou, com a voz firme. Ela caminhou lentamente pela sala, verificando se não havia ninguém mais escondido. Seu olhar pousou em uma pequena mochila ao lado de onde Dante estava.
“O que tem aí?” perguntou, apontando com a faca.
“Não muito.” Ele abaixou as mãos devagar e abriu a mochila, revelando o conteúdo: uma garrafa de água pela metade, alguns enlatados amassados, e um pedaço de tecido sujo. “Nada que valha a pena roubar, se é o que você quer saber.”
Ela relaxou a postura, mas não abaixou a faca. “Por que você está sozinho?”
Dante suspirou, os ombros caindo levemente. “Porque confiar em pessoas não dá certo. Pelo menos, não ultimamente.”
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**A Primeira Faísca**
As palavras ressoaram em Lia de uma forma que ela não esperava.
As palavras ressoaram em Lia como um eco doloroso. Ela sabia exatamente o que Dante queria dizer. Não era apenas uma frase, mas uma verdade vivida, gravada na pele e nos ossos de quem já havia perdido tudo.
"Não dá certo..." ela repetiu baixinho, mais para si mesma do que para ele. A frase ficou suspensa no ar entre os dois, carregada de significados que nenhum dos dois ousava explorar naquele momento.
Dante percebeu o impacto de suas palavras e a olhou com mais atenção. "Você também sabe como é, não é?"
Lia desviou o olhar, fingindo inspecionar as sombras do lugar. "Eu não confio em ninguém. E você não me deu motivos para mudar isso."
Ele deu um leve sorriso, sem humor. "Justo." Então, cruzou os braços e inclinou a cabeça para o lado, observando-a com cuidado. "E agora? Vai me deixar aqui ou me expulsar?"
Ela permaneceu em silêncio por um momento. Ele parecia sincero, mas quantas vezes já havia pensado o mesmo sobre outras pessoas, só para ser traída? O peso de estar sozinha, no entanto, começava a se tornar insuportável. Talvez fosse apenas cansaço, mas havia algo nos olhos de Dante — algo familiar, algo que ela não via há muito tempo: uma faísca de humanidade.
"Você pode ficar," disse finalmente, com a voz baixa e controlada, "mas só por hoje. E se tentar qualquer coisa..." Ela balançou a faca no ar, sem terminar a ameaça.
Dante ergueu as mãos de novo em um gesto de rendição. "Entendido. Obrigado."
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**O Início de um Relacionamento Delicado**
Lia se afastou um pouco, sentando-se em um canto da estação, onde podia manter Dante à vista. Ela puxou sua própria mochila para o colo e verificou rapidamente o que ainda tinha: um pouco de pão seco, um cantil quase vazio, e uma faca reserva. Não era muito, mas suficiente para mais um dia.
Dante observou o movimento dela e, depois de um momento de hesitação, falou: "Posso dividir um pouco da água que tenho. Não é muito, mas é melhor que nada."
Ela levantou os olhos, desconfiada. "Por quê? Por que dividir comigo?"
Ele deu de ombros. "Porque você parece precisar tanto quanto eu. E, francamente, se for para morrer de fome ou sede, prefiro não fazer isso sozinho."