Lara...
Sentada à mesa da loja, no andar de baixo, eu estava escrevendo algumas coisas na lista de compras.
O Nicolas já tinha comprado todos os móveis e itens de decoração necessários, e me pediu pra anotar algumas coisinhas que eu quisesse pra dar o meu toque no lugar. Pedi ajuda pra dona Alexandra, mas ela foi bem direta: “Tudo o que você decidir, eu vou gostar.”
Então ela deixou tudo nas minhas mãos. E eu nem gostei, né.
Arrumar tudo do meu jeito parece até um sonho. É tão bom ver que tenho liberdade pra mexer aqui dentro. Melhor ainda? Sem gastar um centavo do meu bolso, porque quem tá bancando é aquele doido lá.
Ouço o barulho da porta se abrindo e levanto o olhar rápido, vendo o dito cujo surgir. Desvio o olhar e volto pra minha lista de compras.
— Boa tarde. — A voz dele ecoa pelo lugar vazio, fazendo meu corpo reagir de um jeito que eu nem sabia que era possível. Um frio na barriga que eu detestava sentir.
Até a voz do cara tava me deixando maluca.
— Boa tarde. — respondo seca, sem olhar pra ele. Papo com ele? Hoje, não. Ainda mais depois que estragou meu esquema com o Fábio.
"Num fode e não sai de cima."
— Cadê todo mundo?
— Tão almoçando. Ninguém é escravo aqui, não — respondo, e ele para do meu lado. Continuo pensando no que mais preciso comprar.
— Já tá com ignorância? m*l cheguei — ele diz.
Continuo sem levantar o olhar pra ele, ignorando a fala, rabiscando no papel. Ele não desiste. Pega no meu queixo, tentando levantar minha cabeça.
— Falei com você.
Empurro a mão dele.
— Me solta, Cobra. O que você quer aqui?
— Ué, vim ver minha loja. É proibido agora?
— Você sumiu uma semana. Deveria aparecer só quando estiver tudo pronto. Ia poupar estresse entre nós dois.
— Eu apareço quando quiser. Inclusive pra ficar de olho em você — olho pra ele com os olhos semicerrados.
— Então é isso? Veio me vigiar agora? Além de bandido, é espião?
— Fala direito, Lara. Não tô pra gracinha contigo.
— Quem não tá pra gracinha sou eu! Você se metendo na minha vida, falando besteira pro Fábio...
— Eu fiz aquilo pra acabar com a p*****a de vocês dois. Já falei que aqui não é lugar de namorico, é lugar de trabalho.
— A gente é estritamente profissional! Quem não é profissional aqui é você — arrumo minhas coisas em cima da mesa, bufando.
— Cheguei aqui de boa, mas quem veio de ignorância foi tu. Agora eu tenho culpa se você quer dar pra qualquer um que aparece? — olho pra ele, p**a da vida.
Quem ele pensa que é pra falar assim comigo?
— Me respeita, Cobra! Eu não tô saindo dando pra qualquer um, você nem sabe do que tá falando! E mesmo se eu tivesse, qual o problema? Sou solteira, meu filho. Não devo nada pra ninguém. A culpa não é minha se você não foi o único da minha lista.
— Você deve sim. Tá trabalhando pra mim.
Sorrio com escárnio.
— Por favor, né? Isso não te dá o direito de se meter na minha vida — fecho o zíper da bolsa e coloco no ombro, olhando firme pra ele. — Para de se meter onde não foi chamado. Insuportável.
Tento virar as costas, mas ele segura meu braço.
— Me solta!
— Eu tô doido pra arrancar essa tua linguinha afiada... Quero ver se vai ter coragem de me desafiar desse jeito. Se põe no seu lugar. Tá achando que eu tô brincando contigo, Lara?
— Você não vai fazer nada — falo convicta.
Confio nele. Sei do que ele é capaz, mas por algum motivo, sei que ele não vai me machucar. Ele segura meu pescoço e aperta, e eu levo as mãos até as dele.
— Então me testa pra ver — ele diz contra a minha boca, num tom ameaçador. Mas ainda assim, eu sinto... confiança. — Tô mandando tu ficar na linha. Senão, vai pagar por isso.
Engulo em seco, olhando nos olhos dele.
Se eu não o conhecesse, teria medo — como já tive antes.
Mas agora, sei que ele tá fazendo isso pra se aproximar. Como está agora, com a boca quase encostada na minha.
Por que ele tem que ser tão escroto?
Por que tem que estar metido com coisa errada?
Por que tem que ser tão bonito?
Por que meu coração, depois de tanto tempo, foi escolher justo ele?
Podia ser qualquer um. Mas tinha que ser logo alguém que eu sei que vai me magoar...
— Por favor... me solta — digo baixinho.
Ele franze o cenho e solta meu pescoço devagar, passando a mão pelo meu peito e barriga.
Abaixo a cabeça, tentando controlar minha respiração. Sinto a dele batendo no topo da minha cabeça.
Meu coração tá acelerado. Mas não pelo que ele disse... e sim pela presença dele. Por estar tão perto.
Quero me afastar, mas cada célula do meu corpo pede o toque dele.
— Lara... — ele volta a falar.
— Não foi o que eu quis dizer.
Escuto sem olhar.
— Não me arrependo de ter mandado o engenheiro sumir — ele diz, num tom mais baixo que o normal. — Porque eu não quero ele em cima de tu.
Levanto o olhar pra ele, dessa vez vendo uma expressão calma. Sinto sinceridade nas palavras.
— Não quero você com ele. Nem com mais ninguém.
— Não é você quem decide isso.
— Eu sei — ele levanta a mão até meu rosto, acaricia com o polegar e me observa com atenção. — Mas não me arrependo. Vou continuar sendo egoísta e querendo você só pra mim.
Ele segura meu rosto com as duas mãos e aproxima o dele do meu.
Seguro suas mãos e fecho os olhos, sentindo sua respiração quente e os lábios macios encostarem nos meus.
Não nos beijamos. Ficamos assim, quase esperando o outro ceder.
Mas eu não podia. Sou covarde nesse ponto. Tenho medo do que pode acontecer se eu deixar ele tomar conta de mim e dos meus pensamentos.
Digo pra mim mesma pra ficar longe, mas não consigo.
Principalmente agora, com ele tão entregue.
Ele toma a iniciativa e me beija. Um beijo calmo, carinhoso.
Como nunca tinha feito antes.
E eu retribuo, mesmo sabendo que ele tá me iludindo, e que eu tô caindo feito uma patinha i****a.
O beijo foi de forma lenta.
Mas sinto que consigo transmitir tudo o que carrego: todos os medos, todas as vontades.
Desde os desejos mais obscenos até os mais puros.
Não sei se ele consegue sentir o que tô sentindo agora.
Mas queria que sentisse.
Enquanto o abraço pelo pescoço, e ele me aperta pela cintura mais forte do que deveria, eu percebo: talvez, só talvez, ele sinta um pouco do sentimento que eu tanto tento esconder.