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### Capítulo 1: **O Vestido Vermelho**
Ana Julia
7 anos antes
Corri até a cozinha empolgada, com o vestido novo balançando ao redor das minhas pernas pequenas. Meus passos ecoavam no piso frio, como se o barulho pudesse aumentar minha excitação.
**— Mamãe, estou bonita?** — gritei, entrando na cozinha com um sorriso que m*l cabia no meu rosto.
Minha mãe, que estava lavando a louça, virou-se devagar. Seus olhos cansados encontraram os meus, e por um breve momento, um brilho de alegria passou por eles. Ela forçou um sorriso, mas eu sabia que por trás dele havia uma tristeza que ela nunca deixava transparecer completamente.
**— Está linda, minha princesa.** — Ela se ajoelhou para ficar na minha altura, alisando o tecido do vestido com as mãos. — **Tão linda quanto uma princesa.**
Por um segundo, eu esqueci das brigas que ecoavam pela casa à noite. Naquele instante, era como se só existisse eu e minha mãe, como se o mundo fosse perfeito.
Mas a realidade logo voltou à minha mente, junto com as lembranças de vozes elevadas e portas batendo. O casamento dos meus pais sempre pareceu um arranjo, uma combinação sem amor. A ideia de que o tempo traria amor e felicidade provou ser uma mentira c***l. Eles viviam como estranhos, cada um imerso em seu próprio sofrimento silencioso.
**— Lucas vai gostar de me ver com esse vestido?** — murmurei, mais para mim mesma do que para ela.
**— Lucas?** — minha mãe perguntou, franzindo a testa em confusão.
Antes que eu pudesse responder, Lucas entrou na cozinha, e meu coração deu um salto. Seus olhos encontraram os meus e ele sorriu, segurando minha mão e depositando um beijo na minha bochecha. Meu rosto corou instantaneamente.
**— Está deslumbrante, minha princesa.** — disse ele, tocando meu queixo e aproximando-se do meu rosto, seus olhos me analisando com carinho.
**— Ana! Volte para a terra!** — A voz da minha mãe me trouxe de volta à realidade.
**— O quê?** — perguntei, perdida em meus pensamentos.
**— Sonhando acordada de novo, Ana?** — Ela riu, balançando a cabeça.
**— Desculpe, mãe...** — respondi, envergonhada.
**— Filha, chama os meninos para lanchar.** — Ela se referia a Igor e Lucas, meu querido e amado Lucas.
Subi as escadas, meu coração batendo forte no peito. Bati na porta do quarto deles e esperei. Lucas abriu a porta, seu sorriso descontraído fazendo minhas pernas ficarem bambas.
**— Juju, o que foi?** — Ele sempre me chamava assim.
**— Aaaa...mamãe nos chamou para lanchar...** — gaguejei, m*l conseguindo olhá-lo nos olhos.
**— Vamos descer então.** — Lucas passou a mão pelos meus cabelos, bagunçando-os de propósito.
Assim que ele sumiu de vista, eu caí durinha no chão, meu rosto tão vermelho quanto o vestido que usava.
**— Ele tocou no meu cabelo...** — sussurrei para mim mesma. **Nunca mais vou lavar esse cabelo!**
**— Julia!!!** — A voz da minha mãe ecoou pela casa.
**— Tô indo!** — gritei de volta, correndo para a cozinha.
Quando cheguei, Lucas já estava sentado à mesa, elogiando o lanche que minha mãe preparou.
**— Dona Amanda, está uma delícia. Não deveria ter se incomodado.** — disse ele, com sinceridade.
**— Que é isso, querido. Eu amo fazer lanches para vocês, vocês são a alegria do meu dia.** — minha mãe respondeu, sorrindo, mas seus olhos ainda carregavam um peso que só eu parecia perceber.
Eu observava a cena, imaginando que Lucas gostava de comer bem. Um plano se formou em minha mente, e minhas bochechas ficaram coradas só de pensar nisso.
**— Mãe, me ensina a cozinhar?** — perguntei, decidida a fazer um bolo que faria Lucas se derreter por mim. Cada mordida seria como um "eu te amo", pensava eu.
Antes que minha mãe pudesse responder, meu pai entrou na cozinha, a atmosfera se transformando instantaneamente. O ar ficou mais pesado, e meu estômago se apertou.
**— Não existe essa necessidade, Ana Julia!** — disse ele, a voz fria como gelo.
**— Pra que isso, Paulo? Ela só quer se distrair.** — minha mãe respondeu, tentando aliviar a tensão.
**— Se quer ocupar a mente, faça um esporte. Minha filha não vai para a cozinha se juntar com os empregados!** — Ele apontou para minha mãe, sua voz crescendo em fúria. — **E você, Amanda, é a culpa desse m*l exemplo! Agora, suba!** — Ele finalizou, o som de sua voz ainda ecoando enquanto subia as escadas.
O medo brilhou nos olhos da minha mãe. Eu sabia que a única razão pela qual ela ficava era por minha causa. Ele devia ameaçar tirar-me dela se ela tentasse ir embora.
**— Mãe, não vá...** — supliquei, segurando sua mão, as lágrimas enchendo meus olhos.
**— Está tudo bem, meu amor. Nada vai acontecer, querida.** — disse ela, sorrindo, mas o sorriso não alcançou seus olhos.
Vi minha mãe subir as escadas, e meu coração afundou com cada passo que ela dava.
Fiquei sentada na sala, ansiosa, sentindo o peso de todas as brigas anteriores.
**— Ana, você está bem?** — A voz de Lucas me trouxe de volta, e ele se sentou na minha frente, segurando minha mão.
**— Estou sonhando...** — pensei, um sorriso tímido se formando nos meus lábios.
Meu irmão, Igor, apareceu na sala, gritando por nossa mãe, o que me arrancou de meus devaneios. Corri atrás deles, subindo as escadas o mais rápido que pude.
Quando cheguei ao topo, meu mundo desmoronou.
Minha mãe estava caída no chão, envolta em uma poça de sangue. Meu irmão gritava no celular, e Lucas estava ajoelhado ao lado dela, verificando seus pulsos.
**— Mãe...** — sussurrei, sem forças.
Tudo aconteceu rápido demais. Fui levada para o meu quarto por Igor, que me abraçou, tentando me confortar.
**— Juju, vai ficar tudo bem.** — disse ele, mas eu sabia que era mentira.
Lucas
Presenciar aquilo não foi uma surpresa, mas dessa vez, foi muito pior. A realidade que Ana Julia conheceu naquele momento era algo que eu enfrentava há anos. Eu e Igor nos conhecemos desde pequenos, somos praticamente irmãos.
Quando Ana nasceu, Igor não gostou da ideia de ter uma irmã, mas eu a aceitei como se fosse minha. Ela era a irmã mais nova que eu nunca tive.
Depois daquela cena horrível, fui para casa, preparado para enfrentar minha própria realidade sombria. Fui direto ver minha mãe, que estava deitada, presa em seu mundo de dor e remédios.
**— Mãe...** — disse, segurando sua mão. Ela abriu os olhos por um breve momento e sorriu.
**— Bem, querido...** — ela respondeu, antes de voltar a dormir, como todos os dias.
**— Lucas, venha aqui!** — ouvi meu pai me chamar, sua voz cortando o silêncio.
Fui até ele, sabendo que nada de bom viria daquela conversa.
**— Sim, pai?** — perguntei.
**— Como sabe, estamos com dificuldades financeiras. Não temos renda suficiente e a situação só piora.** — Ele jogou um documento sobre a mesa. — **Recebi uma proposta, e você faz parte dela. Não há como recusar.**
**— E o que isso tem a ver comigo?** — perguntei, sentindo o estômago se revirar.
**— Você vai se casar com Ana Julia Cooper.** — Ele disse, sem rodeios.
**— O quê? Ela tem 15 anos! Eu tenho 25! Não vou fazer isso, já sou dono da minha própria vida!** — Respondi, levantando-me, minha voz tremendo de raiva.
**— Você não pensa em nós? Em sua mãe?** — Ele bateu na mesa, o som ecoando pela sala. — **Já está feito! Assinei o contrato. Ou você cumpre, ou estaremos na rua, sem nada além das roupas do corpo!**
**— Você não pode fazer isso comigo!** — gritei, mas sabia que estava sem opções.
**— Já fiz.** — Ele disse, sua voz firme e inabalável. **— E está feito.**
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