Barco furado

1158 Words
Às 08 horas eu estava pronta, tomando café na cozinha. Maria estava muito calada mas me mandava sorrisos tímidos, demonstrando que estava orgulhosa da minha iniciativa. Quando o meu pai finalmente desceu ele disse que iria direto a um cliente e que eu poderia ir para a empresa sozinha. Que bastava procurar o assistente dele que ele iria me orientar sobre tudo. Sai na mesma hora. Não encontrei a minha mãe. A Química White tinha muitos anos de vida, ela foi fundada pelo avô do meu pai e foi passando de geração em geração. A empresa tinha um nome muito forte no mercado e se destacava por sua história e qualidade. Claro que administrá-la não era uma tarefa fácil. A administração ficava em um prédio comercial na Avenida Paulista, no centro de São Paulo. Assim que entrei na recepção fui recebida por Ana, uma moça que parecia estar com sono e que não queria estar ali. - Bom dia, senhorita Emily, seu pai ainda não chegou. - Bom dia Ana, eu sei. O Lúcio já chegou? Ana me levou a uma sala que parecia não ser limpa há séculos e com um cheiro forte de salgadinho. Lúcio era um homem muito mais velho do que eu imaginava, para um assistente. - Senhorita, o Senhor White me explicou sobre as suas expectativas, e gostaria de deixar claro que pode contar comigo para o que precisar. - Ele era do tipo puxa saco, o pior tipo. - Vocês combinaram qual seria seu cargo exato, para que eu possa te orientar? - Lúcio, não vamos falar sobre isso. Eu sou tão dona dessa empresa quanto o meu pai, então nesse momento quero saber… tudo! - Ele se ajeitou na cadeira e tossiu. - Defina tudo? - Tudo. Quero ver balanços, faturamento, rede de atuação e principais produtos. Depois quero entender o organograma e metas de cada setor e por fim quero visitar a fábrica para analisar o que está sendo feito por lá. - Ele estava boquiaberto com os meus pedidos. - Quanto tempo temos para esse cronograma? - Eu sorri, para acalentar um pouco o nervosismo dele. - Temos, digamos, hoje. Com as informações que eu colher, amanhã teremos mais clareza de cronograma. - Senhorita Emily… - Pode me chamar só de Emily, por favor. - Certo, Emily. Deixa eu te explicar. É impossível fazer tudo hoje. - Não é. - Entreguei um cronograma do dia, com horários definidos para cada atividade e ele estudou por um minuto. - Começamos em 10 minutos, libere o seu dia para mim. - Mas eu tenho demandas importantes… - Delegue ou remarque, você tem 10 minutos. Estarei te aguardando na sala do meu pai. - Sai da sala deixando um Lúcio perdido e confuso. Depois de me instalar na sala do meu pai respondi a mensagem do Jonas combinando o jantar para as 19 horas ali perto, em um restaurante que eu conhecia e que teríamos privacidade. Lúcio entrou com muitos papéis e pastas na sala, e começamos a trabalhar. Durante apenas a primeira hora eu consegui entender o tamanho do rombo que meu pai tinha deixado na empresa. Os danos eram imensos. Entregas que atrasaram devido a falta de caixa, valores que entraram sem declaração e saíram sem justificativa. Os últimos 5 anos tinham sido de muito baixo ou quase nenhum lucro líquido, por conta de grandes retiradas que meu pai fez. Lúcio tentou encobrir mais eu o tranquilizei que eu sabia com o que o meu pai gastava o dinheiro e que isso não iria mais acontecer. Depois de avaliar e anotar dados importantes mapeei o potencial do mercado, e o Lúcio demonstrou um nível de conhecimento que me surpreendeu. Depois de entender o funcionamento dos setores programei uma reunião para a próxima sexta com todos os líderes para definições que eu faria a partir da minha análise inicial daquela semana. Uma coisa era fato, o potencial de crescimento era imenso, tínhamos muito o que crescer e estava tudo ali, faltava apenas foco e dedicação. E isso, eu tinha de sobra. Almocei no escritório mesmo. A Ana, que ainda não demonstrava vontade de estar ali, providenciou uma salada Caesar para mim. Um pouco antes de eu sair para a fábrica meu pai chegou e combinamos que eu usaria a sala dele de agora em diante e ele ficaria com a sala do seu antigo sócio, que abriu uma empresa sozinho fazia alguns anos para um mercado novo. Depois de visitar a fábrica, que não ficava longe, percebi de cara diversos pontos com oportunidade de evolução e economia, com base em estabelecer processos. Quando o dia estava chegando ao fim, eu finalmente tinha um cronograma para o Lúcio. Eu acompanharia cada micro etapa do processo naquela semana para poder desenhar um plano de ação de melhorias. Ele se colocou à minha disposição para colaborar. Depois de uma rápida reunião com o RH, para solicitar revisão de salários e pedir a contratação de uma secretária, finalmente bati a porta da sala do meu pai. - O que achou do seu primeiro dia, filha? - Ali, comandando a empresa, ele parecia outro homem. - Achei bem produtivo. Obrigada por perguntar. - Eu estava orgulhosa. - E aí, ainda acha que é uma boa ideia? - Ele perguntou esperançoso que eu achasse o trabalho difícil e desistisse. - Não só acho, como espero que concorde que ainda bem que tive essa iniciativa. - Ele se manteve em silêncio e eu continuei. - Pai, estamos à beira da falência. - Não estamos, tivemos apenas um período difícil. - Não, esse é o problema. Temos um faturamento expressivo, mas retiradas imensas de dinheiro e o que resta nem cobre as despesas básicas. - Você chegou hoje e quer me ensinar a cuidar da minha empresa? - Ele estava ofendido. - Não pai, estou dizendo que o seu problema fará você perder tudo. Então preciso que confie em mim, quando digo que tem solução. - Ele ponderou por um momento. - O que você precisa, para trazer essa tal solução? - Autonomia e colaboração. - Respirei fundo. - Eu preciso que você me dê plenos poderes igual ao senhor. - Você quer o meu cargo? - Ele perguntou rindo. - Não, eu quero um cargo que me assegure que eu possa te impedir de tirar dinheiro. Pensei em atuar inicialmente como diretora administrativa. Quando eu me formar, veremos qual cargo melhor cabe. - Já temos um diretor, e sou eu. - Você é o CEO, e eu estarei logo abaixo de você. A diferença é que eu vou estabelecer processos que te impeça de fazer o que você tem feito nos últimos anos. Eu preciso que confie em mim. Ele ficou em silêncio de novo. Meu pai refletia muito antes de tomar uma decisão. - Quanto tempo você precisa? - Pelo menos 1 ano. Depois podemos pensar em como seguir. - 1 ano, nem um dia a mais.
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