Às 08 horas eu estava pronta, tomando café na cozinha. Maria estava muito calada mas me mandava sorrisos tímidos, demonstrando que estava orgulhosa da minha iniciativa. Quando o meu pai finalmente desceu ele disse que iria direto a um cliente e que eu poderia ir para a empresa sozinha. Que bastava procurar o assistente dele que ele iria me orientar sobre tudo. Sai na mesma hora. Não encontrei a minha mãe.
A Química White tinha muitos anos de vida, ela foi fundada pelo avô do meu pai e foi passando de geração em geração. A empresa tinha um nome muito forte no mercado e se destacava por sua história e qualidade. Claro que administrá-la não era uma tarefa fácil. A administração ficava em um prédio comercial na Avenida Paulista, no centro de São Paulo. Assim que entrei na recepção fui recebida por Ana, uma moça que parecia estar com sono e que não queria estar ali.
- Bom dia, senhorita Emily, seu pai ainda não chegou.
- Bom dia Ana, eu sei. O Lúcio já chegou?
Ana me levou a uma sala que parecia não ser limpa há séculos e com um cheiro forte de salgadinho. Lúcio era um homem muito mais velho do que eu imaginava, para um assistente.
- Senhorita, o Senhor White me explicou sobre as suas expectativas, e gostaria de deixar claro que pode contar comigo para o que precisar. - Ele era do tipo puxa saco, o pior tipo. - Vocês combinaram qual seria seu cargo exato, para que eu possa te orientar?
- Lúcio, não vamos falar sobre isso. Eu sou tão dona dessa empresa quanto o meu pai, então nesse momento quero saber… tudo! - Ele se ajeitou na cadeira e tossiu.
- Defina tudo?
- Tudo. Quero ver balanços, faturamento, rede de atuação e principais produtos. Depois quero entender o organograma e metas de cada setor e por fim quero visitar a fábrica para analisar o que está sendo feito por lá. - Ele estava boquiaberto com os meus pedidos.
- Quanto tempo temos para esse cronograma? - Eu sorri, para acalentar um pouco o nervosismo dele.
- Temos, digamos, hoje. Com as informações que eu colher, amanhã teremos mais clareza de cronograma.
- Senhorita Emily…
- Pode me chamar só de Emily, por favor.
- Certo, Emily. Deixa eu te explicar. É impossível fazer tudo hoje.
- Não é. - Entreguei um cronograma do dia, com horários definidos para cada atividade e ele estudou por um minuto. - Começamos em 10 minutos, libere o seu dia para mim.
- Mas eu tenho demandas importantes…
- Delegue ou remarque, você tem 10 minutos. Estarei te aguardando na sala do meu pai. - Sai da sala deixando um Lúcio perdido e confuso.
Depois de me instalar na sala do meu pai respondi a mensagem do Jonas combinando o jantar para as 19 horas ali perto, em um restaurante que eu conhecia e que teríamos privacidade.
Lúcio entrou com muitos papéis e pastas na sala, e começamos a trabalhar.
Durante apenas a primeira hora eu consegui entender o tamanho do rombo que meu pai tinha deixado na empresa. Os danos eram imensos. Entregas que atrasaram devido a falta de caixa, valores que entraram sem declaração e saíram sem justificativa. Os últimos 5 anos tinham sido de muito baixo ou quase nenhum lucro líquido, por conta de grandes retiradas que meu pai fez. Lúcio tentou encobrir mais eu o tranquilizei que eu sabia com o que o meu pai gastava o dinheiro e que isso não iria mais acontecer. Depois de avaliar e anotar dados importantes mapeei o potencial do mercado, e o Lúcio demonstrou um nível de conhecimento que me surpreendeu. Depois de entender o funcionamento dos setores programei uma reunião para a próxima sexta com todos os líderes para definições que eu faria a partir da minha análise inicial daquela semana. Uma coisa era fato, o potencial de crescimento era imenso, tínhamos muito o que crescer e estava tudo ali, faltava apenas foco e dedicação. E isso, eu tinha de sobra. Almocei no escritório mesmo. A Ana, que ainda não demonstrava vontade de estar ali, providenciou uma salada Caesar para mim. Um pouco antes de eu sair para a fábrica meu pai chegou e combinamos que eu usaria a sala dele de agora em diante e ele ficaria com a sala do seu antigo sócio, que abriu uma empresa sozinho fazia alguns anos para um mercado novo.
Depois de visitar a fábrica, que não ficava longe, percebi de cara diversos pontos com oportunidade de evolução e economia, com base em estabelecer processos.
Quando o dia estava chegando ao fim, eu finalmente tinha um cronograma para o Lúcio. Eu acompanharia cada micro etapa do processo naquela semana para poder desenhar um plano de ação de melhorias. Ele se colocou à minha disposição para colaborar.
Depois de uma rápida reunião com o RH, para solicitar revisão de salários e pedir a contratação de uma secretária, finalmente bati a porta da sala do meu pai.
- O que achou do seu primeiro dia, filha? - Ali, comandando a empresa, ele parecia outro homem.
- Achei bem produtivo. Obrigada por perguntar. - Eu estava orgulhosa.
- E aí, ainda acha que é uma boa ideia? - Ele perguntou esperançoso que eu achasse o trabalho difícil e desistisse.
- Não só acho, como espero que concorde que ainda bem que tive essa iniciativa. - Ele se manteve em silêncio e eu continuei. - Pai, estamos à beira da falência.
- Não estamos, tivemos apenas um período difícil.
- Não, esse é o problema. Temos um faturamento expressivo, mas retiradas imensas de dinheiro e o que resta nem cobre as despesas básicas.
- Você chegou hoje e quer me ensinar a cuidar da minha empresa? - Ele estava ofendido.
- Não pai, estou dizendo que o seu problema fará você perder tudo. Então preciso que confie em mim, quando digo que tem solução. - Ele ponderou por um momento.
- O que você precisa, para trazer essa tal solução?
- Autonomia e colaboração. - Respirei fundo. - Eu preciso que você me dê plenos poderes igual ao senhor.
- Você quer o meu cargo? - Ele perguntou rindo.
- Não, eu quero um cargo que me assegure que eu possa te impedir de tirar dinheiro. Pensei em atuar inicialmente como diretora administrativa. Quando eu me formar, veremos qual cargo melhor cabe.
- Já temos um diretor, e sou eu.
- Você é o CEO, e eu estarei logo abaixo de você. A diferença é que eu vou estabelecer processos que te impeça de fazer o que você tem feito nos últimos anos. Eu preciso que confie em mim.
Ele ficou em silêncio de novo. Meu pai refletia muito antes de tomar uma decisão.
- Quanto tempo você precisa?
- Pelo menos 1 ano. Depois podemos pensar em como seguir.
- 1 ano, nem um dia a mais.