Eu fui obrigado a tirar o óculos e encarar novamente aquele lugar, de novo aqui. Quem diria. Estava na mesma casa de anos atrás, nada havia mudado, parecia tudo igual pra mim. Fui até o porta mala que já havia sido destravado e peguei minha mala.
Por um segundo olhei para o céu já escuro, como eu vim parar aqui nesse fim de mundo de novo? Ah, melhor nem lembrar disso para não atacar minha gastrite.
Eu não tinha nada contra o lugar, apenas não gostava de pensar que eu ficaria no meio do mato, aqui era tudo exclusão de uma sociedade.
– Quer ajuda? – antes de responder a mulher na minha frente, vou apresentar ela primeiro.
Ela é minha geradora.
Me carreguei durante oito meses na barriga, isso mesmo, nasci prematuro. Quem me concebeu foi ela. Sara Histofiler, no hospital da cidade, às 3:37 da madrugada, em outubro, estava chovendo muito naquela noite. Dona Sara, moradora de Del Rey, pra ser mais exato, moradora de uma fazenda a alguns bons minutos da cidade. Uma branquela de trinta e nove anos que ama mato, plantinha, gado… fazendinha, a p***a toda. Fui fruto de uma relação de um ano de namoro. E depois que nasci ainda ficou casada com meu pai até os meus dez anos.
Teve mais um filho. Alex, meu irmão. Alex é uma outra apresentação. Vamos adiar isso, bem, pelo menos por hora. Agora é a vez de dona Sara brilhar, a típica mulher de fazenda, cabelo preto grande, quase sempre amarrado, uma calça jeans e uma blusa, sempre xadrez. E claro, não muito importante, as botas pretas de cano baixo. Eu achava elas horríveis! Mas para ela era a melhor peça do visual todo. O que pode ser melhor que uma fazendeira com uma botina, não é mesmo?
Minha mãe é um amor (diferente do meu pai ), só que temos um problema, nossa ideologia de vida e pra lá de diferente, o que nos faz ter brigas de mãe e filho. Brigas grandes e complicadas. Faz tempo que não passo uma temporada com ela, creio que essa vai ser uma longa temporada e isso já começa a me colocar em novas táticas para lidar com ela.
Havia ficado um bom tempo longe dela e até do meu irmão, no geral disso tudo, então ela poderia não cair nos meus truques, se antes era difícil, agora acho impossível saber o quando ela melhorou nisso.
Bem, mas ela é minha mãe, amo ela, apenas não convivemos muito e temos ideais diferentes, durante a separação eu preferi ficar com meu pai, na época pareceu certo, ela tinha Alex e meu pai eu.
– Não preciso de ajuda, consigo levar minhas coisas.
– James… Olha, faz de conta que isso é uma colônia de férias – Eu olhei para ela e sorri irônico, porém não disse nada. Minha mãe tinha um jeito torto de me querer fazer sentir em casa, eu não achava r**m, ela tentava da forma dela. Havíamos nos afastados durante esses anos, podia me lembrar as poucas vezes que pude falar com ela abertamente, na maioria das vezes pelo celular, por poucos minutos. – Como nos velhos tempos.
Nos velhos tempos. Nos velhos tempos eu não sabia de muita coisa que eu sei hoje, que eu não vivo sem hoje.
- Quero ir na cidade amanhã, não trouxe todas as minhas coisas e preciso de algumas coisas.
– Só irá quando eu for, claro, tem sua velha bicicleta e um par de pés ótimos.
Abro e fecho a boca. Não. Não era possível. Ela foi alertada. Até ela fazer isso comigo?
Pelo jeito meu pai já fez o dever de casa obrigatório aqui, avisou sobre o filho que estava chegando e deixou as especificações do próprio. Isso deveria ser bom pra ela, mas r**m pra mim. Muito r**m.
– Vou ficar preso aqui? Eu?
– Não, vai ficar aqui porque não tem nada pra fazer na cidade. Se você tiver é bem diferente. Seu pai conversou comigo James, então eu acho que temos que adequar você aqui, certo?
Então é assim? Teria que recorrer ao segundo plano, vi pronto pra qualquer situação.
– Mercado, farmácia… Como, mãe? – Brinquei.
- No bom vocabulário, não quero ver você com problemas. Você é mais sadio que um touro e na nossa dispensa tem tudo que você precisar.
Devo me preocupar? Não e nem vou.
Relaxa James, é fácil conseguir as coisas por aqui.
– Mãe, vamos fazer assim, vou pro meu antigo quarto, arrumar o que eu der conta e no jantar a gente se fala.
– O jantar é daqui a meia hora.
Balanceei a cabeça indignado e segui para dentro, nada havia mudado. Estava tudo muito relevante pra mim. Será que não curtiam mudanças, mesmo que fosse na m***a de uma casa? Meu caminho era a escada alta e que me lembrava o meu braço quebrado aos oito anos. Depois da escada estava nos quartos e o meu era a terceira porta à esquerda. As paredes cremes continuavam, principalmente, alguns quadros sem brilho nenhum. Abri a porta do meu quarto e tive uma surpresa, tudo havia mudado. A casa inteira estava do mesmo jeito, e adivinha a única coisa que muda?
Isso mesmo, meu quarto. Oh, m***a!
Os postes das paredes que eu tanto gostava.
Meu velho armário, cama, tudo havia mudado.
– Onde está Clarice? – Falei baixo para mim mesmo, o poster da Clarice era... Era...
Raridade. Exclusividade. Era a sétima maravilha do mundo.
Clarice era o sonho de qualquer adolescente.
Olhei para as paredes e vi que as paredes haviam mudado de cor, agora estavam cinzas e a única luz vinha da janela que ia de um metro acima do chão até um metro abaixo, que dava uma boa visão de quase toda parte da frente da fazenda. Já pulei muito essa janela pra ficar nas telhas da varanda.
Coisa que certamente eu faria de novo. E de novo.
Olhei o armário novo que mamãe certamente havia comprado, para a cama de solteiro e a mesa de cabeceira.
Quero minhas coisas de novo, velhas, mas minhas.
Penso em descer e tentar fazer alguma coisa. Mas a preguiça de viagem me abraça. Me consola. E minha amiga. Me deixo ser seduzido pela cama e sinto o velho perfume do amaciante.
Faz três anos que não vinha aqui, passei a morar com meu pai aos onze, ele me levou sem nenhum problema. Minha mãe ficou muito irritada, deu até processo de guarda, só que naquela época meu pai já tinha influência. Foi aos onze anos que deixei ela para ir morar com meu pai. Moravamos aqui na fazenda, pra mim a cidade sempre foi um grande parque. Até os meus dez anos, eu e Alex, ficamos no meio dos dois. De um lado meu pai, querendo crescer profissionalmente e por outro minha mãe, querendo continuar nos próprios negócios, no caso toda a m***a da terra da família. Na fazenda não tinha o que ele queria, e na cidade não tinha o que ela queria.
No fim deu m***a e se separaram. Foi assim que foi.
Fim.
Ponto final ou vírgula.
Isso mesmo, vírgula.
Mas isso não é da minha conta.
Até surgiu um pouco de revolta da minha parte por mamãe não acompanhar papai, ela poderia cuidar dos negócios, não diretamente, papai também, mas ele era cargo, ele tinha que dar a cara. Os dois foram egoístas no final de tudo.
Depois da separação dos dois, eu me mudei e aconteceram várias coisas ruins e boas e agora estou aqui. Desanimado pra caramba. Minha mãe aprendeu a ser gelada comigo, desde pequeno ela fazia isso. Terei que ser algo esperto para poder não ficar preso nessa fazenda. Eu não sou mais o mesmo garoto que ficava aqui nessa fazenda, pelo menos de uma coisa eu sei que continua igual, a comida.
Saio do quarto e desço as escadas e não demoro muito pra escutar duas vozes muito familiares para mim, vindo da cozinha. Diminui o passo quando escutei meu lindo nome.
Parei de vez.
– James deve descer daqui a pouco, ele está muito diferente. Ele cresceu.
– Duvido muito mãe, ele certamente está chato, arrogante. O mesmo que veio aqui três anos atrás e fez uma tragédia na ceia do natal, lembra?
Magoou,ficando mais quieto pra terminar de escutar.
– Alex?!
– Sou três anos mais novo que ele e sou mais cabeça que ele.
Vamos a apresentação do cara que já mostrou que não é meu fã, mas meu irmão. Alex é o caçula.
Como ele disse três anos mais novo que eu, somando dezessete ou dezoito anos, eu acho. A gente se afastou depois que eu fui morar com papai, ele nunca aceitou isso e também nunca aceitou que eu era mais lindo e que eu sempre seria melhor que ele nas coisas que ele pensava ser bom ou ótimo. Provavelmente, essa última parte foi equivocada. Amor próprio é tudo.
Nosso corte total foi na minha última ceia de natal em família. Onde estraguei muita coisa. Resumindo: fiz m***a.
– O pertubado já tirou a paz do papai, não vou deixar que tire a da senhora.
Perturbado? Ele me chamou de perturbado?
Terminei de entrar na cozinha pronto para o que aparecesse. A sala de jantar era dividida da cozinha apenas pelo balcão de granito. Passando da cozinha direto para mesa apareceu minha mãe com uma tigela na mão, que logo me olhou, na mesa havia Alex, que seguiu o olhar da minha mãe até mim. Alex havia mudado muito, havia crescido, mudado o rosto e o cabelo estava bem cortado dessa vez, parecendo mais homem. Fiquei o encarando por alguns segundos até voltar a caminhar e me sentar no meu antigo lugar da mesa, bem de frente pra ele, mas por ele ter uma idéia perturbada de mim, não olhei mais pra ele.
Apenas pra ela. Ignorei ele e evitei lembrar do perturbado.
– Está pronto? – Olhei para o risoto na minha frente e aquilo me fez feliz. Pelo menos comer era bom. Minha mãe pegou dois pratos e entregou um para mim e outro para Alex.
– Podem se servir – Esperei o morador fixo se servir primeiro. – Seu pai me mandou um fax agora pouco com seu histórico escolar, pode me explicar o motivo?
– Quero terminar o colégio, falta apenas o último ano.
Falei calmo.
Viu, eu tinha o plano B para ir na cidade.
– Você só vai conseguir a noite, sabe disso, não sabe? – Mamãe parecia muito cautelosa ao falar comigo.
- Sim, eu sei. Já que ficarei aqui, vou fazer algo útil.
– As aulas começam daqui uma semana, Alex está no último ano também – Não é possível. Estava quase desistindo quando mamãe sorriu e olhou pra mim, em sinal de esperança. – Vocês podem estudar juntos, ir juntos também…
Eu me alegrei. De certa forma isso era bom.
– Não, não vou estudar com ele… Não! – Quase ri da cara de desespero do cara. - Ele só quer um caminho pra cidade, não vê isso? Não vê o óbvio?
Ele estava certo, mas eu iria negar até a morte.
– Alex, você gostando ou não, eu vou estudar, com você ou não. Pouco me importa o que você acha.
Eu sabia ser cínico.
– Você ainda é o mesmo i****a.
– Mãe, vai deixar ele falar isso pra mim? Eu acabei de chegar.
– Calado os dois! – Então ficamos calados. Os dois. – Alex sabe as regras, você não.
Eu tirei o sorrisinho que formava no meu rosto.
– Dona Sara, vai te defender? – Perguntei, incrédulo.
- Vou dizer uma coisa clara para você James, eu sei que você não queria estar aqui. Eu não vou pegar leve aqui com você, não sou o seu pai.
– Não fala do meu pai, obrigada.
– Você não estuda, não trabalha, não sabe arrumar nem a própria cama. Não sabe nem ganhar seu próprio dinheiro.
Aquilo não era totalmente verdade.
Eu sabia ganhar dinheiro.
Ela sabia disso.
Sabia bem.
– Onde você quer chegar? – Pronto, lá vai eu escutar mais coisas.
– A partir de amanhã ninguém vai arrumar seu quarto, você vai ajudar Alex com o leite...
– Eu não preciso de ajuda com o…
Minha mãe olhou para Alex que se calou na hora.
– Você não vai pegar nenhum veículo de motor. Você vai ter um salário por mês, vai na cidade até duas vezes ao mês. Enquanto a escola, você até pode voltar, mas como você sabe, a escola é a noite e se seu irmão não quiser te dar carona, eu mesma te levarei ou vou arrumar uma pessoa para tal ato ou quem sabe uma perua. Como nós velhos tempos.
– Vou ter que ficar no milho de joelhos também? – Dei uma risada nervosa. – Meu pai vai me mandar mesada, não vou precisar trabalhar.
Falei convicto, mas quando minha mãe riu, eu sabia que algo estava sendo bem prejudicado, no caso eu.
– Conversamos, entramos em um acordo. Eu disse que vou te dar um teto e comida, o resto a partir de hoje e você que vai conseguir. Ou você aceita as minhas condições ou já sabe os planos do seu pai.
– Posso fazer minhas próprias escolhas.
– Consegue sustentar suas escolhas até quando? Eu não estou castigando você, apenas te apresentando uma nova forma da vida.
– Grande m***a de vida!
– E é pegar ou largar.
Eu subi e me levantei da mesa. Nunca pensei que iria usar essa frase. Mas tem uma vez pra tudo.
– Perdi a fome!
Por fim, dei as costas e sai com raiva. Não dava pra agir com naturalidade. Não era a m***a de um comercial de margarina.
Eu fiquei com raiva. A última vez que fiquei com raiva bati um carro.
Esse lugar não era bom, nada aqui era bom pra mim. Eu só podia ter certeza de uma coisa:
Quanto tempo até eu ir embora daqui?
AVISO - Mais um capítulo fresquinho pra vocês (finalmenteeee), para ficar por dentro adicione o livro na biblioteca, comente sempre nos capítulos para eu poder saber o que vocês acham do livro e deixe o seu voto maravilhoso ou me sigam para receber novidades e atualizações. Até amanhã com mais um capítulo fantástico. Att, Amanda Oliveira, amo-te. Beijinhos. Hehehehe até