Verônica: Refém por Acidente

Manifesto contra ditadura

Pensei logo me acalmaria, mas eu estava errada. Naquele noite, abraçada com Hades, eu chorei até adormecer. Talvez nunca tenha chorado tanto na minha vida. Como se todas as lágrimas que eu tinha guardado até hoje, decidiram cair juntas para aliviar o meu coração que andava pesado. No fim, eu acabei sonhando com duas crianças correndo de um lado para o outro. Eram um casal de gêmeos.

— Estér? Estér? Você está bem? Acho que está tendo um pesadelo. — Ouvi a voz de Hades chamando, enquanto me balançava me tirando daquele sonho que apertava o meu coração.

Para qualquer outra pessoa, sonhar com crianças correndo felizes parecia um sonho maravilhoso, mas eu sentia fomos se fosse um pesadelo. Uma aviso da minha mente do que eu havia dormido de viver por conta de Pedro. Meu coração se sentia despedaçado.

— O que aconteceu? Você já está chegando novamente. Pensei que tinha se acalmado. Vamos lá. Eu não gosto de te ver chorar. Vem cá. — Hades me puxando para seus braços, me abraçando com força. Ao poucos senti o meu corpo relaxando. Não sei se a segurança daquele abraçado ou o cheiro do seu perfume, mas não podia negar. Me sentia completamente mais calma. — Você está bem?

— Sim. Me desculpa. Acredito que eu não fazia ideia do quão estava estressada. Tudo que aconteceu ontem foi como um estopim assustador. — Confessei. Claro que boa parte daquele estresse tinha Hades como culpa, mas sinto que não preciso dizer, ele sabe muito bem disso.

— Que tal a gente tomar um café da manhã e depois conversar um pouco. Quero me desculpar por ter saído do sério ontem. O que você falou depois de tudo que tive que ouvir de Rubi, me fez perder a cabeça. Podemos tomar café da manhã juntos e conversar? Ficaria feliz se chegar a um consenso sobre o que aconteceu e evitar qualquer situação como de ontem. Espero que compreenda. — Hades sugeriu. Parecia realmente envergonhado e culpado.

Era um homem totalmente diferente do grosso que apertou o meu braço ontem enquando me jogava no quarto. Talvez esse não seja o verdadeiro ele, mas sim o de ontem. E se eu tiver lidando apenas com uma máscara? Ele pode está atuando o tempo inteiro querendo ganhar a minha confiança, assim como eu tentei fazer com ele. Tenho que manter a calma. Se eu agir de forma impulsiva novamente, talvez acabe sendo ainda pior do que dessa vez.

— Gosto da ideia, mas posso primeiro tomar banho? — Perguntei. Hades gargalhou com a minha pergunta. Depois de dizer que eu estava fedendo naquele dia, acho melhor me manter cheirosa para não receber uma cortada dessa.

— Certo. Certo. Vou te esperar na cozinha. Vou aproveitar para resolver algumas coisas. Aliás, tome banho no meu quarto. O seu está em reforma e interditado por um tempo. Pode usar um dos meus moletons. Estão no closet. E pode se sentir a vontade para usar o que quiser no banheiro. As escovas de dentes novas ficam no armário. — Hades levantou me deixando sozinha na cama.

Fiquei me perguntando que tipo de reformar estavam fazendo em meu quarto, mas só saberia se perguntasse. Então corri para o banho, descobri que o cheiro que eu gosto bem do sabonete que ele usa. Acabei usando um pouco em mim. Escovei os meus dentes. Procurei o menor moletom que encontrei para vestir em seu closet. Quando estava descendo as escadas, o alarme de incêndio da casa tocou. Os três patetas passaram correndo por mim subindo a escada.

— O que está acontecendo? — Perguntei preocupada. A casa toda estava agitada subindo as escadas.

— Parece ter fumaça saindo do quarto de Rubi, os segurança internos disseram. — Edson gritou enquanto subia as escadas sem olhar para trás.

— Rubi? Aí Meus Deus! Rubi! — Meu coração apertou na mesma hora. Ela estava doente ontem. Fumaça e o estresse de um incêndio não iriam ajudar.

Sem me dar conta, meus pés me levaram até onde todos estavam reunidos tentando arrombar a porta do quarto que tinha uma alarme irritante. Hades surgiu por trás de mim e deu apenas um chute na porta, ela desmontou completamente. Eu não podia ver nada dentro do quarto, havia muita fumaça.

Enquanto eu tentava entender o que estava acontecendo ali, Hades entrou no quarto rapidamente e saiu dele com Rubi em seus braços. A menina estava tossindo muito. Os outros entraram no quarto para apagar o fogo. Eu acompanhei Hades que estava descendo a escada com a menina em seus braços quase desacordada.

— Ela precisa de um médico. Pode ter inalado muita fumaça. — Falei vendo que Hades olhava ao redor buscando uma forma de resolver esse problema.

— Sim. — Foi a única coisa que Hades me respondeu antes de colocar a menina no sofá e se afastar, com o celular na mão. Estava tentando falar com o médico.

— Estér? — Rubi gritou ao me ver, aumentando ainda mais a tosse dela.

— Evite falar por enquanto. O socorro já deve vir. Seu pai já está falando com o médico, tá? — Não havia nada que eu pudesse fazer além de sentar ao lado dela e segurar a sua mão.

Enquando segurava sua mão e ouvia sua tosse recorrente, meus olhos se voltaram para onde fica o quarto. Me perguntei como conseguiram colocar fogo naquele lugar. Será que foi um curto? Problema elétrico? Não faço a mínima ideia, apenas sei que algo não aparece bom pela agitação.

— O médico está vindo. Já está trazendo o oxigênio e as medicações necessárias. Você deve ficar quietinha até ele chegar. — Hades respondeu olhando para o movimento lá em cima. Assim como roubou a minha intenção, também roubou a dele. — Estér, pode ficar com ela um pouco. Preciso subir para ter certeza se está tudo bem e se conseguiram conter as chamas. Como ninguém desceu, tenho certeza que ainda estão trabalhando em algo lá em cima, mas não se preocupe, voltarei rápido.

Acenei concordando, também estava curiosa para saber o que estava acontecendo lá em cima. Embora eu não compreenda Hades. Como ele confia a própria filha com a refém que ontem ele estava tratando daquela forma? Bem que no final da noite ele não apenas me salvou de quebrar a cara no chão como me consolou. Quanto mais tempo passo nessa casa, menos consigo entender quem realmente é Hades e a razão dele está fazendo tudo isso. Quer dizer, algo me diz que Estér e o seu irmão tem relação com o desaparecimento da mãe de Rubi. Agora me pergunto como?

— Estér, você está bem? — Rubi perguntou tentando sentar no sofá, mas eu a impedi. Fazendo com que ela voltasse a se deitar.

— Olha quem está perguntando. Mulher, você está quase colocando o pulmão para fora. Deve ter ingerido muita fumaça. Espero que o médico não demore muito. Ah! Você sabe o que começou o incêndio em seu quarto? — Perguntei acariciando sua cabeça. Ela ainda parecia bastante nervosa com toda aquela situação. Como não estaria. Segundos atrás estava correndo risco de vida.

— Sei. — Rubi levantou a cabeça, olhando para o céu.

— E como foi que isso aconteceu, menina? — Eu suspeitava de um curto circuito ou algo assim. Na minha cabeça não havia outra forma de um incêndio, mas eu estava completamente enganada em minha teoria. Não podia estar mais errada.

— Ah! Fui eu. Roubei um negócio de fazer fogo de Márcio quando ele passou no meu quarto mais cedo. Juntei muitos papéis e coloquei fogo. Vi em um filme que faziam uma enorme fogueira para mostrar a sua revolta contra uma ditadura. Queria mostrar que sou contra o ditador Vitor. — Rubi explicava como se fosse a coisa mais simples do mundo. Ela basicamente tinha colocado fofo no seu próprio quarto por causa de uma porcaria de filme. Agora entendo porque Ulisses é tão chato em relação ao filme que os meus sobrinhos assistem.

— O que você está me dizendo? Você colocou fogo no seu próprio quarto? Você enlouqueceu? Podia ter morrido. — Segurei os ombros da menina. Os planos de Rubi eram perigosos para ela. Se continuasse assim, ela poderia acabar sendo machucada.

— Rubi! Você realmente colocou fogo na lixeira de lixo do seu quarto? — Hades gritou descendo as escadas com um semblante repleto de raiva.

— Sim. Eu sou contra a sua ditadura! — Rubi gritou levantando a mão.

Definitivamente, algo me diz que haverá uma grande confusão do mesmo jeito deve ter acontecido no maldito filme que essa criança assistiu.