Era verão, os da Europa costumavam ser bem quentes, não era o caso da Província. Por ser litorânea, as manhãs e o início da tarde, eram calorosos. No final vespertino, iniciando o escuro noturno, aqueles que ali viviam, eram agraciados com a brisa marítima.
Essa brisa, era um vento fresco e um tanto frio, mas não o que cortava a pele e, sim, aquele que refrescava após um dia de mormaço. Frio mesmo, estava o coração de uma jovem da Província.
Diziam que ela, Antonella Taranto, estava com depressão pós-parto. Entretanto, diante da postura pungente daquela jovem, podia-se afirmar, que o que sentia era ódio, raiva, ojeriza... Queria estar bem longe do menino, as poucas vezes que o viu sentiu, repulsa e até uma vontade que ele nascesse morto, contudo, se sentia aliviada em saber que logo ele estaria bem longe de seus olhos e ouvidos.
A presença da criança lhe dava pavor. O choro contínuo do bebê, fazia com que aquela mulher cerrasse os punhos com muita força, a ponto das unhas machucarem a palma de suas mãos.
Aquele ser, além de lhe tirar meses de sua vida, queria fazer-lhe de banquete, ela jamais o alimentaria, isso nunca. Já bastavam os longos sete meses que teve que ver aquele hospedeiro crescer dentro de si.
Encolhida na cama, coberta com um felpudo edredom, Antonella queria abafar os sons que insistiam adentrar em seu quarto. Ele não parava de gritar, clamando que ela, como mãe saciasse sua fome. Não faria, não adiantava sua mãe rogar, não se sentia mãe daquele ser, só queria vê-lo longe dali.
O ranger da velha porta de madeira, misturado ao aroma de rosas, indicava que sua mãe acabara de adentrar o cômodo. Dona Gioconda entrou e parou a frente da cama de sua filha, que não se movia. Antonella estava decidida, não queria aquela criança.
— Nero Pussent já chegou. Daqui a poucos minutos, partirá com o menino e não terá mais volta. — discorreu, como um alerta. Como se a filha fosse perder algo que queria, mas esse não era o caso. Ao menos não naquele momento.
Podia quase tocar na reprovação que emanava no tom da voz de Gioconda. A mãe de Antonella não entendia como uma mãe poderia renegar um filho. O problema era que Antonella não se sentia mãe, logo não tinha filho.
— Minha decisão já está tomada. — proferiu, friamente.
— Não se abandona um filho, Antonella! — a mulher argumentou sem sucesso.
— Essa coisa — soltou o ar dos pulmões — Não é meu filho. O quero bem longe daqui.
— Filha, não diga isso. Um dia, quando essa tempestade dentro de ti se acalmar, irá se arrepender. Acredite.
— Sabe o mais importante disso tudo? — lançou um sorriso sarcástico — É que a vinícola está salva. O papai já pode comemorar.
— Não se trata disso, filha! Se trata que de ser seu...
Por um momento, Antonella ergueu o tronco da cama.
— Para, por favor! A senhora se faz de cega ou quê? Não importa, não quero essa coisa aqui!
A mãe percebeu que sua filha não desistiria. Saiu do quarto, batendo a porta, seguindo em disparada. Certamente faria a última tentativa para que Nero não levasse a criança. Dona Gioconda era teimosa. Ninguém tirava de sua cabeça que, de uma hora para outra, sua filha se curaria da depressão pós-parto e os sentimentos de Antonella mudariam.
Em vão, Gioconda tentou que Nero Pussent não levasse seu neto. Sabia que o dono de uma das maiores vinícolas do estado, por conta do trabalho, não poderia dar a atenção necessária para uma criança, tinha medo que o menino não fosse feliz.
Nero nem cogitou a possibilidade de deixar seu filho homem, tal orgulho que sentia. Como desejou aquele filho, o homem partiu da Província, para a capital, com a criança nos braços. Era seu herdeiro e o poria a frente de tudo. Aquela criança, era quem Nero iria preparar para assumir o negócio milionário da família.
(...)
Sobre o futuro da criação do menino, a avó dele estava bastante certa, foi como uma premonição. Dante Pussent cresceu tendo de tudo nessa vida. Tudo aquilo que o dinheiro poderia comprar. Menos amor. Amor o dinheiro não compra. A falta de um sentimento genuíno, na infância, prejudicou a essência do adulto. Além da ausência dos pais, teve que lidar com a maldade de uma madrasta.
Sandra odiava a ideia de dividir a herança Pussent, com um bastardo. Pela frente de seu pai, a mulher o tratava com falsídia. Bastava Nero dar as costas, para que sua esposa o humilhasse, de forma pungente e extremamente agressiva. Sandra fazia questão de jogar na face de Dante, todas as grosserias que Nero contou que sua mãe biológica falou quando ele nasceu.
“Sua mãe que tinha razão! — A mulher dizia — "Você é uma coisa r**m, um lixo.!"
A mulher cuspia as palavras sem dó, afinal, Sandra queria realmente destruir o psicológico de uma criança, foi além, destruiu o do homem.
O rapaz entendia que Nero trabalhava para lhe dar o melhor. Mas em seu coração deserto e sem afeto, um ódio descontrolado o absorvia. Dante jamais culpou o pai, o amou mesmo diante de sua ausência, até o dia em que Nero morreu de um ataque cardíaco fulminante, aos 66 anos de idade. Porém, alguém teria que pagar essa conta. A raiva que sentia, não o deixava em paz, ao saber que sua mãe poderia ter lhe dado amor, que ela poderia ter suprido o sofrimento que a madrasta causou, mas não o fez.
Psiquiatras, terapeutas... Nada adiantou. Sentia um gosto amargo na boca, era ódio que o consumia. Como um purgante em refluxo, dentro do estômago, subindo a garganta. Para Dante, ele tinha contas a acertar na pequena Província. Somente conseguiria paz, quando lá retornasse.
O agora rapaz, de quase 30 anos, acreditava que a única saída para sucumbir sua consternação, era voltar a província de Nápoles, sua cidade de origem, e desquitar toda sua ira na pessoa certa.