Gisella despertou e a primeira coisa com a qual se deparou foram os olhos da pixie Elanelle. A fadinha a encarava bem de perto. Gisella gritou e cobriu a cabeça, temendo ser agredida pela pequenina. Ouviu risos e então teve seu edredom arrancado pelas pixies.
— Não precisa ter medo, princesa. Eu não vou te bater de novo! Juro! Recuperei minha luz, graças a você. — Falou Elanelle.
— Graças a mim? — Repetiu Gisella, a encarando.
— Sim, você me deu um pouco de sua própria energia vital. Não se lembra? — Disse Elanelle, sorrindo.
Gisella fez que não com a cabeça.
— As pixies sempre serão eternamente agradecidas pelo que você fez por nós, princesa, por isso, nós a amamos e você sempre é bem vinda em Emmelond. — Falou Adrisse.
— É bom saber que posso contar com amigas fiéis. — Falou Gisella, relaxando.
As pixies assumiram o compromisso de ajudar Gisella a se adaptar a sua nova vida como uma princesa. Mostraram todo o castelo a ela e lhe explicaram algumas coisas. Como o rei Willard tinha remorso de ter sido exigente com a filha na vida passada, decidiu aliviar um pouco, deixando a educação dela para pixies, criaturas as quais, desde sempre, a princesa amou e defendeu com unhas e dentes.
— São todos meus? — Perguntou Gisella olhando os belos vestidos em seu closet.
— São sim. — Falou Elanelle.
— São tão lindos! — Disse Gisella. — Mas onde vou usá-los?
As pixies riram. Seu riso era sempre tão agradável quanto o de uma criança.
— Esses, você pode usar quando houver bailes. — Falou Adrisse apontando para o lado esquerdo onde estavam pendurados os vestidos elegantes.
— Aqueles, você pode usar no dia a dia. — Falou Elanelle apontando para trás de Gisella, para os vestidos mais simples e modernos, mas não menos belos.
— E aqueles… — Disse Adrisse apontando para a direta de Gisella. — Pode usar para passeios.
— Já no colégio, você usará uniforme como todos, mas não se preocupe, os uniformes são lindos! Você mesma desenhou o modelo. — Falou Elanelle.
— Hein? Esse lance de que princesa sabe tudo é verdade mesmo? Puxa! Eu não sei nada ou se sei… Não me lembro. — Falou Gisella sem graça.
— Você também não sabia muito quando se tornou uma princesa na vida anterior, mas atuava bem. Você mantinha a postura séria e o ar esnobe e fingia entender bem de coisas as quais não entendia. — Falou Adrisse.
— Quanto mais as pessoas falam de mim, menos me reconheço. — Disse Gisella.
— Deve ter cuidado em quem confia. — Advertiu Elanelle. — Sua família possui muitos inimigos.
— Como Kadir? — Perguntou Gisella.
— É proibido dizer esse nome aqui, princesa. — Falou Adrisse.
— Por que? O que ele fez? — Perguntou Gisella, sentindo um arrepio frio.
— Seu pai e ele nunca se deram bem e tudo o que você precisa saber por hora é que nem Suoni nem Kadir são confiáveis. — Falou Elanelle.
— Para vocês não me falarem o que ele fez, o estrago deve ter sido grande! — Falou Gisella.
— Irreparável. — Disse Elanelle antes de ser acotovelada por Adrisse e esboçar uma careta de dor.
Gisella terminou de se arrumar e desceu para tomar o café com sua nova família.
Uma mesa farta e colorida foi posta para o deleite de todos. Tinham tantos doces, pães e bolos que Gisella nem sabia o que provava primeiro. Achou que tinha comida demais, mas quando percebeu o voraz apetite de Melynda entendeu que a caçula era tão gulosa quanto os elfos. Isso alegrou Gisella porque ela gostava de ver pessoas comendo porque se lembrava dos elfos.
O melhor de ser um elemental, era que, independente da quantidade de alimentos que você saboreasse, não engordaria como os pobres mortais. Lá, realmente era a Terra Do Nunca, Nunca Envelhecer, Nunca Engordar, Nunca Morrer, Nunca nada… Parecia um sonho.
O colégio era um prédio antigo de quatro andares, com belos e bem cuidados jardins.
Logo que chegou, Gisella foi levada até as escadas onde um grupo de alunos se encontrava parado nos degraus esperando por ela. A inspetora apresentou Gisella com seu antigo nome e os estudantes a cumprimentaram com um misto de respeito e carinho. Então, eles foram dispensados para seguirem para a aula. Gisella os acompanhou.
As primeiras aulas transcorreram bem e Gisella até se esqueceu que estava entre as fadas, já que sentia como se estivesse entre humanos em um colégio comum.
No recesso entre as aulas, Gisella seguia para o refeitório quando duas garotas vieram e pararam em sua frente. Uma delas era albina, com belos olhos azuis, a outra tinha uma aparência mais comum, estatura mediana, pele branca e cabelo castanho.
— Oi, Maria? Ainda não acredito que está de volta! — Falou a albina, seu nome era Stephanie. A outra que a estava acompanhando chamava-se Eulina.
Um flash veio a mente de Gisella de forma que ela reconheceu a garota a sua frente: Era Stephanie, uma garota vinda de uma família humilde que só estudava naquele colégio graças as suas boas notas. Por algum motivo, Ana Maria adorava humilhá-la, esquecendo-se que também viera de um lugar humilde.
Aquela lembrança veio como um soco no estômago de Gisella e a encheu de remorso e vergonha, especialmente porque ela sentia que Stephanie era uma boa garota, apesar de seu ar esnobe que ela só mantinha para sobreviver entre lobos.
— Você continua igualzinha a antes! É incrível como não envelheceu um só dia! — Observou Stephanie.
— Obrigada. — Disse Gisella, surpreendendo Stephanie. — Já, você está linda! Deve ser o seu cabelo que é perfeito.
— Jura? Obrigada. — Falou Stephanie, sorrindo, chateada, mas, disfarçando. — Fui ao mesmo cabeleireiro que você costuma ir.
Se fosse Ana Maria e não Gisella, ela riria e diria algo como “impossível para uma morta de fome”, mas como não era, Gisella disse, simplesmente:
— Ah, não. Eu… Não fui a nenhum cabeleireiro. Foram as pixies que deram um trato no meu cabelo. Mas depois você pode me dar umas dicas porque o meu cabelo vive desidratado.
— Pixies?! — Repetiu Eulina rindo com escárnio. — Ninguém anda com pixies, elas são péssimas para reputação de qualquer uma, ainda mais de uma… — Eulina olhou para Gisella da cabeça aos pés com desprezo. — Princesa.
— Quem disse? Eu ando com pixies e posso dizer que elas são as melhores pessoas no mundo! — Falou Gisella, irritada, porque fadas eram mais preconceituosas do que ela imaginou. Não desprezavam só os elfos, mas também as pixies. E por que? Só por elas serem menores? Ridículo!
— Foi com elas que você esteve durante todo esse tempo? — Inquiriu Eulina, rindo, enquanto colocava a mão na cintura.
— Não, fofa. Estive em companhia melhor… Os elfos! — Gisella tinha consciência que aquelas palavras seriam como um suicídio social entre as fadas mais populares, mas estava com tanta raiva daquela esnobe e também de si mesma por ter sido tão cretina em sua vida passada que nem pensou.
Stephanie e Eulina não disseram nada, mas ficaram atônitas com as palavras da orgulhosa princesa de outrora, aquela que mais que todos, julgou e desprezou pessoas simplesmente por elas serem como eram.
— Se vocês me dão licença agora, vou almoçar porque estou faminta! — Falou Gisella se afastando das fadas.
— O que aconteceu com ela? Será que aprendeu a se drogar com os elfos? — Falou Eulina.
— Você ouviu o que ela falou do meu cabelo? d***a! Agora terei de mudar ele porque se ela disse que estava bonito é porque, na verdade, está h******l! — Falou Stephanie aborrecida. — Eu não acredito que ela está de volta! Ela nunca deveria ter voltado! Tudo ia tão bem pra mim… As pessoas começavam a me respeitar, mas agora… Todo aquele pesadelo recomeçará! Não sei se suportarei, Lina!
— Calma, amiga? Se ela se meter com você, daremos uma lição nela! — Falou Eulina.
— Para ela inverter os papéis e se fazer de vítima como na última vez? Nem pensar! — Falou Stephanie. — Vou tentar ignorá-la o máximo possível.
† † †
Gisella se chateou tanto por descobrir que não foi uma pessoa tão boa assim que não conseguiu se concentrar na aula de cálculos, irritando o professor que era um belo elfo com cabelos longos e louros e olhos azuis, seu nome era Risa. Aquele professor era naturalmente impaciente porque detestava fadas, e ainda mais com Gisella, que como Ana Maria só lhe trouxera dor de cabeça. Por isso, ele não hesitou na hora de chamar a atenção dela e constrangê-la na frente dos outros alunos.
— Me desculpe, professor? Estou fazendo o possível para prestar a atenção ao que o senhor está explicando, mas tenho dificuldade com números. — Falou Gisella.
— Você sempre foi boa nessa matéria! Está tentando zombar de mim outra vez? Não vou admitir mais suas gracinhas. Não importa se é uma princesa. Enquanto estiver na minha aula, sou seu professor e você me deve respeito! — Falou Risa.
— Me perdoe? Mas isso era antes, quando eu era outra pessoa… — Falou Gisella, abaixando a cabeça. — Te asseguro que não sei mais nem metade do que sabia.
Risa a encarou e conseguiu “escanear” a mente dela, percebendo que ela estava sendo sincera. A começar por não se valer de nenhum escudo de p******o que o impedisse de ver suas reais intenções. Mais transparente que ela era impossível encontrar naquela classe.
— Nesse caso, sugiro que tenha aulas de reforço para que melhore seu desempenho. — Falou Risa com pena dela, ainda que se amaldiçoasse por isso porque achava que depois da forma que ela agira no passado, o que menos merecia, era sua pena.
Depois de um dia entediante no colégio, Gisella retornou ao castelo e se refugiou ao lado da fonte que ficava no labirinto formado por arbustos. Observando as Asrais dançarem, ela se esqueceu de tudo como tanta desejava.
Asrais eram elementais da água, que tinham olhos negros e puxados, e corpo translúcido. Não passavam de quinze centímetros.
Miranda a observava de seu espelho mágico enquanto planejava uma forma de tirá-la definitivamente de seu caminho.
† † †
A pequena Camila estava brincando na sala com sua madrasta quando ouviu a campainha tocando e foi correndo atender a porta, se deparando com um homem alto que usava um terno azul. O homem se agachou ao vê-la e a cumprimentou, sorrindo.
— Oi, pequenina? O seu pai está?
— Não, tio Kadir. — Camila respondeu.
— Oh, uma pena! Queria tanto falar com ele! — Disse Kadir e encarou a menina.
Ela era muito parecida com Gisella quando ela tinha aquela mesma idade, com exceção dos cabelos castanhos que Camila herdou do pai. Quando Kadir imaginou que aquela poderia ser sua filha com Gisella, se chateou.
— E posso saber o que você quer com o Adrian? — Perguntou Demétria se aproximando e pegando Camila no colo.
— Você jura que não faz nenhuma ideia?! — Kadir sorriu, malicioso, e encarou Camila.
— Vou te pedir para não vir mais a minha casa e nem se aproximar da minha filha! — Falou Demétria.
— SUA filha?! — Kadir riu e se voltou a Camila. — Não acredite nisso pequena? Sua mãe se chama Gisella e está de volta e ansiosa para te ver!
— A mamãe voltou? Oba! Eu quero vê-la! — Falou Camila, animada.
— Adeus! — Demétria quis fechar a porta, mas Kadir a impediu, segurando a porta.
— Diga ao Adrian que o que é dele está guardado! — Falou Kadir antes de soltar a porta e ir.
Demétria encarou o tempo r**m lá fora. Parecia que uma tempestade se aproximava, pois nuvens escuras se amontoaram e uma ventania agitava os galhos das árvores com força. No entanto, no instante em que Kadir se foi, a ventania cessou e o sol ressurgiu com todo o seu esplendor. Demétria deu um beijo no rosto de Camila e a colocou no chão depois de fechar a porta.