São Paulo, dia 24 de Setembro, de 2002.
17 horas da tarde.
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Já ouviu falar de Lucifer? Que veio do inferno com moral, um dia no Carandiru, não, ele é só mais um. Comendo rango azedo com pneumonia...
Os guardas tiravam os manos das celas, pouco por pouco, pra não dar confusão.
Metade dos caras do presídio já tinham sido transferidos para outras cadeias por São Paulo.
Eu não fazia ideia pra onde eu ia, mas tava suave em questão a isso, qualquer lugar é melhor que essa p***a. Isso daqui é o próprio inferno.
Tu entra aqui uma pessoa, e sai outra. Tu entra achando que vai ser suave, tudo de boa, mas não é. Cada dia que passa tu vai mudando pouco a pouco, se tornando cada vez pior do que já era antes.
Tua mente vai ficando cada vez mais f**a de entender, e de controlar. Tu vê cada coisa que te deixa mais puto, e com ódio do sistema.
Lá fora é uma coisa, tu só ouve sobre as coisas que acontece aqui dentro, mas quando tu cai e sente na pele as paradas tudo, você percebe que é muito pior do que falam por ai.
Acertos de contas tem quase todos os dias, e é nessa parada que teu ódio só cresce.
Os caras maltrata mermo, sem dó. Aqui dentro f**a se sua cor, seu status lá fora, ou o tanto de dinheiro que tu tem na conta, aqui dentro você é só mais um filho da p**a pra esses arrombados que dizem ser a lei.
Quando eu vejo essas paradas, dos caras batendo nos manos, eu nem falo nada, tá ligado? Se não é eu que apanho, e apanho f**o mermo.
Mas da uma vontade do c*****o de chegar metendo o serinho pra cima dos caras, mas seguro, por que aqui ninguém tá por mim, então eu não vou ser por alguém, e depois sai como o****o.
Marcão: Teve manos que tentou fugir, alguns conseguiram, mas outros pegou mais alguns anos ai. - murmurou, enquanto olhava os guardinhas xingando os caras.
Vários tentaram fugir, eu também quero, mas de um a cem, a minha chance é zero...
Eu tinha uma chance de tentar fugir, e conseguir, mas não queria testar a sorte. Se der m***a eu pego mais alguns anos, ou acabo morto. E eu quero cumprir esses anos, quero mudar, tá ligado? Sair daqui limpo, sem caô nenhum nas costas.
Sinistro: Só fé para os que conseguiram. - suspirei, me sentando na cama do Marcão. - Se eu não tivesse ninguém por mim lá fora, eu tentava a sorte. Mas penso na minha coroa, e prefiro cumprir.
Marcão: Tá certo, pô. Se eu não tivesse minha mulher e minhas crias lá, eu também tentava.
Depois de mais algumas horas alguns policiais veio até a nossa cela, e depois de algemar nós tudo, mandou nós ir andando.
Entramos num corredor, e o cheiro podre subiu. Assim que passamos na frente de uma cela eu vi um mano pendurado com o lençol no pescoço, prendido na cela.
Balancei a cabeça, suspirando alto, e mesmo com as mãos algemadas fiz um sinal de cruz. Que ele suba na fé.