Capítulo 1

2331 Words
Hoje Minha mãe está com um namorado novo e, depois de um mês, resolveu apresenta-lo à mim e à minha irmã mais nova, Elizabeth. Ela tinha dito que ele também tem filhos, mas não vai ser hoje que vamos conhecê-los. Só o tal namorado mesmo. Eu na verdade não estou nem um pouco animada como Eliza. Mamãe já teve tantos namorados que tenho até preguiça de contar. Mas tudo bem, imagino que seja difícil achar alguém que a gente ame de verdade, e que também nos ame, pra sempre. Estamos as três, no sofá da sala, esperando o... Qual é mesmo o nome dele? Ah! Gabriel! Isso! Estamos esperando o Gabriel, namorado da mamãe, chegar. - Ele vai trazer os filhos. - Minha mãe diz de repente, olhando para a tela do celular. Agora está com o dobro da animação que estava dividindo com Eliza. - Você já viu eles? - Eliza pergunta para mamãe. - Não, mas Gabriel disse que eles estudam na mesma escola que vocês. - Você sabe o nome? Será que eu conheço? - É... - Mamãe olha para o teto, pensativa. - Ab... Abbigail? - Abbigail? - Eliza olha para mim, perguntando pelo olhar se eu conheço. Dou de ombros, mas eu conheço. Ah como eu conheço. E estou nervosa. Ou ansiosa. Ou os dois. E não é por causa da Abbigail e sim por causa de seu irmão, Lucas. Tem um ano que sonho com ele. E ele comigo. São sonhos lúcidos, temos total controle de nossas ações e do que falamos, menos onde ficamos. A cada sonho é num lugar diferente, mas a maioria das vezes é na casa dele, ou na minha, que não é nada longe uma da outra. Ele mora no prédio em frente ao meu. E tem mais, ele é da mesma série que eu. Pelo menos não somos da mesma turma. Ouço o som da campainha, o que me tira dos meus pensamentos. Prendo a respiração e me levanto, um pouco bamba, enquanto minha mãe abre a porta de nosso apartamento para que os três entrem. Gabriel é o primeiro a entrar, já lascando um beijo na minha mãe. Abbigail vem atrás, com uma travessa de sobre-mesa nas mãos. Abbigail tem cabelos pretos e cacheados que vão até sua cintura. É alta com um corpo já de mulher, mesmo ainda tendo quinze anos. Ela está com um vestidinho de verão todo florido. Lucas é o último a entrar. Ele tem 1,85 metro, como o pai, e um pouco musculoso. Parece se sentir bem com o corpo, o que o deixa com uma bela postura. Seus cabelos são iguais os da irmã, só que caem um pouco abaixo da orelha. Nos sonhos, quando nos beijamos, eu seguro seus cabelos bem na nuca. Sentimos muito pouco o toque um do outro, mas é o suficiente para nos sentir extasiados. Ele cumprimenta minha mãe e depois minha irmã, que acaba de cumprimentar Gabriel e Abbigail, que insistiu em ser chamada de Abby. Fico por último na fila. Gabriel me cumprimenta muito educado, e com um perfume suave e amadeirado. Se não fosse pelo cabelo grisalho e as marcas de expressão em volta dos olhos, pareceria o irmão gêmeo de Lucas. - Oi, sou Gabriel, namorado da sua mãe. Além de ser o ginecologista, penso. - Sou Aurora. - Sorrio, mesmo com o coração na boca, por causa do Lucas. - É bom te conhecer. - Tento ser simpática. Abby dá um empurrãozinho no pai, se abaixa um pouco e me abraça apertado. Ainda bem que minha mãe pegou a travessa de suas mãos. Devo ser uns quinze centímetros mais baixa que ela, que age com naturalidade, como se tudo fosse uma coisa rotineira, que ela fizesse sempre. Sinto seu cheiro, por conta de que os cabelos vão parar bem no meu rosto. O perfume é suave, mas único, talvez um pouco floral, ou frutado. - Sou Abbigail, mas, por favor, me chame de Abby. - Ela diz animada, que nem minha irmã, quando se afasta, terminando o abraço. - Aurora. - Sorrio para a menina. - Mas pode me chamar de Aura, se quiser. - Beleza! - Ela solta uma risadinha e meio que vai saltitando até o pai, que já está na cozinha com minha mãe. Olho para o lado e lá está Lucas, abraçando minha irmã. Acho que ainda nem me viu, mas deve saber de quem é essa casa e as pessoas que moram nela. Já estivemos muito aqui, e eu mostrei algumas fotos com minha mãe e minha irmã, assim como ele fez quando íamos para sua casa. E então, ele se vira para mim e me olha. Mas me olha mesmo. Me olha toda, dos pés a cabeça, no fundo dos meus olhos. É a primeira vez que ficamos cara-a-cara assim. Na escola já demos umas olhadas de longe, mas perto assim, só nos sonhos. Ele dá um meio sorriso, aquele que faz meu coração dar cambalhotas, e minha respiração falhar. Sorrio para ele, que reage com um brilho nos olhos. Lucas me puxa para um abraço apertado e, finalmente, consigo sentir de verdade seu corpo junto ao meu, e seu cheiro. Amadeirado,um pouco refrescante, lembrando o mar. Sou a primeira a me afastar, mesmo embriagada pelo seu cheiro. Lucas cambaleia para trás, mas não desvia os olhos dos meus. - Oi. - Ele diz. Sua voz é grossa nos sonhos, mas aqui parece ser mais ainda. E ela reverbera dentro de mim. - Oi. - Digo entre um suspiro e outro. - Vocês já se conhecem? - Mamãe quebra o clima total. Nos afastamos mais e a olhamos, que está arrumando a mesa de jantar, que fica entre a sala e a cozinha, dividindo o amplo cômodo. - Mais ou menos. - Ele responde, indo em sua direção. - Nossas turmas são quase que uma só. - Ah, é verdade. - Eliza entra na conversa. Os cinco ficam juntos, arrumando a mesa e conversando animadamente enquanto fico estática no mesmo lugar. Entender o que está acontecendo eu entendo, só não entendo porquê estou assistindo a cena de fora, já que eu deveria estar lá, com a família-comercial-de-margarina. Respiro fundo e dou um passo na direção deles. Não é confiante, mas é o suficiente para dar mais outros que me levam até a mesa. Eliza me nota e manda um sorriso animado. Não é a primeira vez que mamãe traz um namorado pra cá, mas é a primeira que os filhos, da mesma idade que a nossa, vem também. Acho que é justo minha irmã se animar. Era para eu me animar também. Finalmente tudo fica pronto e podemos comer o tão esperado "almoço de domingo". Geralmente não temos um almoço assim, ou estamos no shopping ou pedimos alguma comida enquanto assistimos algum filme na Netflix. Gastamos mais tempo escolhendo o filme do que a comida. Eliza se senta ao meu lado, Abby e Lucas à nossa frente. Mamãe e Gabriel ficam cada um em uma ponta da mesa. Durante o almoço inteiro tento mostrar o melhor de mim e não me sentir nervosa com a presença do Lucas. Tento não me lembrar que sou a única gorda ali e que todos parecem ter saído da capa de alguma revista de moda. Geralmente eu sou forte e tento ao máximo não me importar de ser diferente, mas em horas assim fica difícil. Todos parecem ter algum assunto interessante o suficiente para ser discutido, e engraçado o bastante para prolongar o sorriso que já não sai dos lábios. Todos, menos eu. Em certo momento canso de fazer comentários, que parecem ser chatos, e fico quieta. Também a indiferença de Lucas já começa a me atingir. Tudo bem ele agir só como um colega da escola, mas, poxa, poderia fazer uma forcinha para me olhar e se dirigir à mim, agir como se eu estivesse aqui. E eu estou! Mas ele está agindo como se não estivesse. E isso está me machucando. - O que acham da gente ir para a piscina? - Minha mãe pergunta logo depois do almoço, quando estamos limpando a mesa e as louças. Parece até que fazemos isso há anos. - Tem piscina? - Abby pergunta, surpresa. - Sim - Minha irmã responde. - É um triplex, na cobertura, e com piscina privada, uma para cada apartamento desse andar. - Não é pra tanto, Eliza. - Mamãe tenta amenizar. Minha irmã sempre se vangloria demais por causa de nossa condição e onde moramos. - A piscina é pequena. Solto uma risadinha. A piscina tem seis metros quadrados com um metro e meio de profundidade, numa cobertura grande o bastante pra dar uma festa para vinte e cinco pessoas, e ainda sobra bastante espaço. Tudo bem se somos ricas, afinal, minha mãe é dona de uma das maiores agências de modelos do Brasil. Não seria para menos. - Por mim tudo bem. - O namorado da mamãe opina. - Você quer um biquíni, Abby? - Eliza pergunta, pelo que parece, para a mais nova amiga. - Sim, por favor! As duas vão para o quarto da minha irmã, e minha mãe aproveita para ir para o seu com o Gabriel. Mas antes, me manda subir e ver como que está a cobertura. Talvez ela saiba que eu não vou querer ir na piscina e por causa disso me mandou ir arrumar a cobertura, que eu sei, está toda bagunçada. Lucas parece super sem lugar, ali, sentado no sofá rosa, que ganhamos de alguma pessoa famosa que já passou pela agência da minha mãe. Eu realmente não queria fazer isso, mas não seria eu. - Quer ir comigo? - Pergunto. - Ah... - Ele me olha como que só agora tivesse notado a minha presença. - Pode ser... Não demonstro nenhuma reação, apenas me viro e caminho até às escadas, que ficam do lado oposto da cozinha, no canto esquerdo da sala. As escadas são cinzas com detalhes brancos, combinando com toda a decoração da casa. Preto, branco e cinza. Menos o sofá rosa, óbvio, e os quartos; cada uma tem um quarto, e decoramos do jeito que queremos. No segundo andar tem quatro quartos com suítes, um escritório e uma varanda super grande que todos os cômodos tem acesso. Subimos mais um lance de escadas e chegamos na cobertura. Tem uma área coberta, com dois sofás azuis, uma TV e uma geladeira. Na parte descoberta tem a piscina, churrasqueira, espreguiçadeiras e uma mesa com guarda-sol e seis cadeiras. A decoração daqui de cima é mais alegre e colorida, mas é uma d***a de limpar. Principalmente depois que chove. E ontem choveu. A piscina está limpa, porque Eliza a limpa todo dia, mas o chão está imundo, assim como as espreguiçadeiras, cadeiras e a mesa. Ainda estão molhadas, mas já era para o sol ter evaporado tudo. - Olha, se quiser pode ligar a TV e ficar ali enquanto limpo tudo. - falo com o Lucas enquanto pego uma vassoura na área de serviço que fica num cantinho invisível daqui. - Acho que se eu te ajudar vai ser mais rápido. - Lucas pega a mangueira, enrolada na parede, a liga e estende até o outro lado, perto da churrasqueira, e molha o chão. - O que você tá achando? - Pergunto como quem não quer nada, enquanto jogo um pouco de sabão e cloro no chão. - Achando do que? - Ele responde com uma pergunta, ainda molhando o chão. - Dessa coisa de nossos pais juntos... - Legal... Meu pai estava precisando pensar em outra coisa que não fosse trabalho. - Seu pai é ginecologista, não é? - É... Mordo meu lábio, percebendo tarde demais que ele não está querendo assunto. Pelo menos não comigo. Talvez eu seja burra ou trouxa mesmo, mas insisto em ter uma conversa. Afinal, sonho é bem diferente de vida real. - Então... O sonho de ontem foi bem... Diferente. Não é? - solto essa, na esperança de que o Lucas do meu sonho apareça. - É... - Ele sorri, pensativo. Mas logo o sorriso vai embora e ele me olha com uma expressão nervosa. Ou de raiva mesmo. - Espera, do que você está falando? - Do sonhos de ontem. Que nós dois tivemos. Sonhamos juntos as mesmas coisas toda noite, Lucas. - Não sei do que você está falando. - Ele desliga a mangueira e a enrola novamente. - Sabe sim e não adianta negar. - Pego a vassoura, depois de guardar os produtos, e começo a esfregar o chão. - Olha, Aura, você não pode ficar falando disso. É loucura. Pelo tom de voz, sei que ele sabe do que estamos falando. E não quer mais falar sobre isso. Conheço tanto esse garoto que fico até assustada. - Loucura é você agir como se não me conhecesse, sendo que ontem nós... - Não termine essa frase. - Ele adverte. - É tudo sonho, e vai continuar sendo sonho. - Por que? Por que sou gorda? Por que seu pai namora minha mãe? Por que, Lucas? Sinto um soluço em meu peito. Droga! Ótima hora para chorar. E chorando por causa de um garoto! Garoto esse que tem vergonha de mim. E olha que eu tinha me prometido nunca fazer isso. Fungo e volto a esfregar o chão, amaldiçoando a empregada por ter tirado folga logo hoje. Agora entendo porque cobra caro. Mas ainda é barato, para ela, que merece mais. - Au... Não chora... - Ele fala mais baixo, mais manço, e se aproxima com certa relutância. Dou um passo para trás mas acabo escorregando e caindo de b***a no chão. - Aí! - Isso faz com que eu perca o controle e chore de vez. - Que d***a, Lucas! Okay, acho que estou exagerando, agindo que nem uma garotinha mimada de seis anos, mas eu não consigo parar. Eu já previa que hoje não seria meu melhor dia, só não previ que seria o pior.
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