- Por que estavam brigando mais cedo? - Ouvi minha mãe perguntar, enquanto eu sentava na mesa para comer algo antes de sair lá fora. Beber de barriga vazia era uma coisa que eu jamais queria repetir.
- Ele ficou implicando por que o Felipe me acompanhou até a porta hoje. - Respondi, colocando minha comida na mesa. Só estava eu e minha mãe, Rafael estava trancado no quarto e meu padrasto estava trabalhando. Ele era caminhoneiro e geralmente nunca parava em casa, minha mãe era diarista então também quase nunca estava, mas sempre que estava fazia questão de querer jantar em família.
- E por que disso agora? Lipe sempre veio aqui. - Perguntou, e eu dei de ombros sem saber o real motivo do qual os dois pararam de conversar. - E você vai sair?
Perguntou apontando para minha roupa. Estava de short, o que não era novidade, e um cropped preto, com os cabelos soltos e alisados, eu apenas assenti enquanto mastigava a comida.
- Vou ficar aqui em frente, não se preocupa. - Falei assim que consegui e ela assentiu.
- Fica atenta para correr pro portão, ta bom?
- Pode deixar mãe! - Joguei um beijo no ar para a minha amada e ela sorriu, vindo até mim e deixando um beijo na minha testa. - Pedi para o Lipe passar aqui, então ninguém vai mexer comigo.
- Que bom, gosto dele. - Disse antes de ir andando para a sala. - Vou assistir minha novela, vê se lava o prato quando terminar.
- Pode deixar.- respondi baixinho, rindo.
*****
Já era umas nove da noite e o baile começava a bombar, as ruas cheia de gente e os carros de sons uns mais altos que outros. Eu tinha comprado minha própria bebida, um cantina do vale, e estava sentada na frente de casa observando o movimento enquanto não conseguia empolgação pra dançar.
Gostava mais de vinho do que vodca, catuaba ainda era a minha favorita mas dessa vez a adega já não tinha mais então fiquei com minha segunda opção.
João, o vizinho da frente, vendia sua porção de batata como água, ele sempre lucrava pra um c*****o em dia de baile. Todo mundo louco de maconha e com uma larica sempre parava ali pra pegar uma poção, e a dele com certeza era muito melhor do que de qualquer outra pessoa.
Não demorou muito até que Felipe aparecesse ali na calçada de casa com uma garrafa de Red Label e meu sorriso só aumentou quando encontrei seus olhos divertidos. Ele já estava bem alterado.
- Oi minha princesa. - Ele me cumprimentou com um abraço e logo se sentou ao meu lado. Foi então que eu percebi que ele não estava sozinho mas sim com uma garota. Morena dos cabelos longos, batia na cintura, uma escultura de mulher. - Gabi essa é Marcela, Mah essa é a minha irmãzinha postiço que eu tanto te falei.
- OI.- Ela tinha um sorriso tímido mas ela parecia ser uma garota muito gente boa. Levantei e cumprimentei a mesma com um beijo na bochecha.
- Oi Marcela, fica a vontade.- Pedi, indo na garagem de casa e buscando mais uma cadeira para ela se sentar. - Então você é a mina que conseguiu fisgar esse peixão.
- Parece que é. - Ele respondeu divertida e olhando para ele. - Acho que na verdade foi ele que me fisgou.
- Que lindos. - comentei, reparando que os dois faziam um casal perfeito. - Espero que sejam felizes.
- Obrigada. - Lipe agradeceu pelos dois e eu apenas pisquei meu olho em sua direção. Ofereci vinho para Marcela que logo aceitou, sabia que beber uísque não era tão gostoso quanto se embebedar de vinho.
As coisas estavam indo bem demais para meu gosto mas nada durava muito na minha vida, inclusive a paz, portanto quando observei meu irmão chegando em casa enquanto discutia com mais dois caras, meu peito se encheu de preocupação.
- Eu sei, to ligado nessas coisas. - Ele vinha falando mais alto que o normal, respondendo alguma coisa que um dos cara tinha falado para ele. O que estava acontecendo ali?
- Então se liga por que se não fazer tuas fita o Caio vai cobrar. - Ouvi então o que um deles tinha falado, não só eu como as pessoas que estavam ao redor da nossa casa, atenta na cena que estava acontecendo ali. - E tu vai pra fossa, rapa.
- Ei, que que tá acontecendo aqui? - Perguntei assim que cheguei ao lado do Rafael e encarei os dois que empurravam meu irmão para a calçada de casa.
- Teu irmão tá fazendo umas fita ai que o Caio não tá gostando. - Lucas, eu reconhecia ele da escola, que andava com o grupinho que cuidava dessas coisas de trafico na escola. - É melhor ele andar na linha se não a bala vai canta.
- Não sei mete Gabi. - Meu irmão falou pra mim, colocando sua mão na minha frente e me colocando atrás do seu corpo.
- Não se mete?! - Falei histérica. - Tu quer acabar com sua vida? Você vai lá e faz, agora querer acabar com a vida da nossa mãe que te deu tudo e nunca deixou faltar nada, eu não vou deixar.
- Cala a boca que tu não sabe de merda nenhuma. - Gritou comigo, me empurrando para trás e quase me derrubando, se Felipe não tivesse sido mais rápido pra me segurar.
Levantei no mesmo instante e fui como uma leoa pra cima dele. Ele achava que era quem para me tratar dessa maneira?
Levantei minha mão e acertei em cheio um tapa em seu rosto, sentindo as lágrimas de raiva correndo meu rosto.
- Você nunca mais encosta em mim. - Murmurei baixo. Aquela altura o carro de som parado ali perto tinha desligado a música e todo mundo ao nosso redor prestava atenção na briguinha de irmãos que estava rolando ali. - Você não é homem o suficiente pra ter esse direito.
Seu rosto furioso em minha direção era vermelho, e eu tinha ciência de sua fúria. Ele odiava chamar atenção para si quando se tratava de confusão, levar um tapa na frente do baile todo era demais, mas ele mereceu.
Logo sua mão se ergueu e por um momento eu vacilei, sentindo a dor antes mesmo dela chegar em mim, então fechei os olhos e esperei.
- Que isso? - Ouvi perguntarem, uma voz grossa e rude, com certeza bravo com a situação ali. - Você está mesmo querendo bater na sua irmã por que ela te deu um tapa que você mereceu?
Abri os olhos e notei que quem estava na minha frente era Caio, o dono da boca de Paraisópolis. Vacilei por uns instantes quando percebi que ele me encarava e ainda sim falava com meu irmão, segurando seu braço no ar antes que ele me atingisse.
- Ela é uma pirralha, merece uma lição. - Rafael tentou justificar.
- Pirralho é tu, seu merda. - Soltou seu braço com força fazendo ele bambear com o impacto do seu braço com seu corpo. - Você não ouse levantar a mão para uma mulher da tua família outra vez, você está me entendendo?
Meu irmão olhou em direção ao Caio, e apenas assentiu, me encarando em seguida com os olhos cheio de fúria e saiu rua acima, se perdendo no meio da multidão.
Olhei nos olhos do homem a minha frente e não consegui falar nenhuma palavra de agradecimento mas sabia que não precisava.
Ele me encarou por um tempo antes de ir embora e toda a música voltar a tocar.
O que tinha acontecido ali?