Maíra
Agora estava no jatinho do senhor Becker morrendo de medo. Apesar de ele dizer que é seguro, ou que há mais acidentes de carros, nada acalma minha ansiedade.
Por um momento pensei em dizer a verdade sobre o meu atraso, mas resolvi não fazer isso. Ele não tem nada com meus problemas e apesar de dizer que se importa, acho que só está sendo simpático.
— Por que tão tensa?
— Ainda falta muito?
Ele riu abertamente e me fez sorrir. Apesar de estar morrendo de medo, conversar com ele estava me acalmando.
— Só umas nove horas e quarenta minutos, mais ou menos — falou olhando o relógio no pulso.
— Santo Cristo…
Riu mais uma vez quando resmunguei.
— A Renata trabalha com o senhor há quanto tempo?
— Caramba, você não consegue me chamar pelo nome ou de você, não é?
— Desculpe. É automático.
— A Renata está comigo há uns cinco anos se não me engano.
— Bastante tempo.
— Sim, ela e o marido são ótimas pessoas.
— Verdade. Ela é muito gente boa e parece ser muito feliz.
— Você não é?
— O que?
— Feliz?
Desviei o olhar com a pergunta. Com tanta coisa acontecendo, não parei mais para pensar nisso. Parece que liguei o automático e sigo assim há muito tempo.
— Maíra?
— Oi. Sim, acho que sim.
— Acha? Isso não é certeza e se não tem certeza, é porque não é. Eu sinceramente compreendo não ser.
— O que quer dizer?
— Como ser feliz com aquele marido que você tem?
O encarei com os olhos arregalados. Já tinha notado que ele é super direto quando fala com as pessoas, mas não pensei que falaria algo do tipo comigo.
— Ele não foi sempre assim.
— Aposto que não. Todos são adoráveis no começo.
Fiquei quieta olhando o rosto dele. Me encarava sério.
— Se eu pudesse….
— Pudesse o que?
— Te tirava de perto dele hoje mesmo. Quer dizer, te tirava de vez de perto dele.
Não encontrei resposta. O que isso quer dizer? O que está acontecendo?
Fiquei pensativa e as coisas que a Renata falou vieram à mente. Assim como tudo o que ele estava falando. Será que vivo com um tipo de monstro e não sei? Porque do jeito que eles falam…
— O Alexandre é ciumento, mas não é má pessoa.
— Ciumento?
— É.
— Só isso?
— O que mais poderia ser?
— Um homem abusivo?
— Por que acha isso? Só o viu naquele dia…
— Justamente. E ele fez um escândalo por algo normal da vida. A esposa trabalhar.
Não posso discordar disso. Realmente foi uma vergonha por algo tão natural.
— Está certo.
— Acha mesmo?
— Sim. Vendo por esse lado, ele não precisava ter ido até lá e feito aquele escândalo. Que vergonha.
— Não sinta vergonha por algo que não foi você quem fez.
— Não foi, mas é constrangedor de qualquer forma.
Ele mudou de assunto logo em seguida, o que foi ótimo. Deve ter notado meu desconforto. Conversamos um pouco até que ele disse que tinha que resolver uma coisa e começou a mexer no notebook.
Peguei meu celular e tinha várias mensagens do Alexandre. Em nenhuma delas ele perguntava se estava tudo bem comigo. Só tinha coisas como: "Está com a Renata?", "Não sai de perto dela de jeito nenhum." "Não quero saber de você sozinha com esse riquinho metido a b***a"
Suspirei e guardei o celular sem dar resposta. Essas coisas me irritam! Se preocupa que eu não faça isso e aquilo, mas não tem a capacidade de perguntar se estou bem.
***
Quando finalmente chegamos, eu estava acabada. Tentei dormir no voo, mas não consegui. Só cochilava.
— Vamos. Precisamos descansar.
Concordei e o acompanhei. Entramos no carro e em pouco tempo chegamos ao hotel, que era muito chique. Esperei o senhor Becker falar com a recepcionista e ali me dei conta de algo muito importante. Eu não sei falar inglês! Pra que ele me trouxe? Não vou conseguir ajudar, não se tiver que falar inglês.
— Vamos? — perguntou.
— Sim.
Apesar de ter notado que sou inútil aqui, resolvi deixar para perguntar no dia seguinte. Preciso de umas horas de sono antes de perguntar qualquer coisa.
Entramos no elevador e eu fiquei abismada com a vista. Ele era de vidro e dava para ver o lado de fora perfeitamente.
Chegamos ao andar e segui ele até que parou em frente a porta.
— Aqui é o seu quarto. Se precisar de qualquer coisa, o meu é esse em frente. Tenha um ótimo descanso.
— Obrigada. Você também.
Ele sorriu. Um sorriso largo e contagiante.
— Finalmente falou você.
Ri com isso. Nem percebi, deve ser o cansaço.
— Estou bastante cansada.
— Então só disse por estar cansada? — Pareceu ofendido.
— Quis dizer que não percebi.
— Pois então continue não percebendo.
— Vou me esforçar.
— E eu vou cobrar isso — disse me fazendo rir.
— Pode cobrar.
Então ele fez algo realmente inesperado. Se aproximou e beijou meu rosto. Quando fez isso, senti seu perfume e me crucifiquei por gostar do que ele fez.
— Até amanhã.
— Até.
Entrei no quarto e me encostei na porta. Toquei a bochecha que ele beijou e sorri. Logo balancei a cabeça e me preparei para dormir.
Não me venha com pensamentos desses de novo, Maíra! Ele é um homem inalcançável e você é casada!
Tobias
Esperei ela entrar no quarto e então fui para o meu. Suspirei já lá dentro. Queria ela aqui no quarto comigo, mas não para o que vocês estão pensando. Queria cuidar dela, mimá-la um pouco. Mostrar que pode sim ser feliz e que tudo o que o traste do marido faz é crueldade. Mas preciso ter paciência. Enquanto ela não perceber sozinha, nada do que eu disser vai fazer efeito.
***
No dia seguinte, tomei um banho e me preparei para tomar o café da manhã. Bati na porta do quarto da Maíra e não demorou a abrir.
— Bom dia.
— Bom dia. Descansou?
— Dormi como um anjo.
— Claro. Não é muito difícil pra você, não é?
Ela me olhou em dúvida.
— Vamos comer? — mudei de assunto rápido.
— Sim.
Tomamos café da manhã sem muita conversa. Eu precisava me preparar para a reunião daqui a duas horas e precisava conseguir fechar o negócio. O único que vim aqui fazer.
Sim, poderia ter vindo sozinho e voltado em dois dias, mas fiz questão de trazer a Maíra. E ainda vou aproveitar essa semana de folga.
— Terminou?
— Sim. Já tem algo pra fazer agora?
— Sim, a reunião é em duas horas. Vou voltar para o quarto e me preparar.
— E o que o senhor quer que eu faça?
— Primeiro que pare de me chamar de senhor e segundo, que espere no quarto. Ou se quiser, pode aproveitar a piscina.
Maíra franziu a testa, ficou pensativa e tinha uma expressão muito fofa de dúvida.
— Mas não preciso te ajudar?
— Ainda não.
— Tá bem…
— Aproveite essa manhã de folga. A piscina é muito boa aqui.
Maíra concordou e seguimos cada um para o seu quarto. Espero que a reunião não demore muito e que tudo saia bem.