A noite cai, mas o sono não chega. Estou deitado na cama, fitando o teto, com a mente a mil por hora. As luzes da rua entram pelas frestas da janela, dançando nas sombras do quarto. Tento apagar os pensamentos, mas é impossível. O convite da máfia ecoa em minha cabeça, reverberando como um sino que nunca cessa.
Meu salário é ridículo. m*l cobre as contas básicas. Os ganhos com as lutas só ajudam a pagar o aluguel e garantir que eu não passe fome, mas nunca são suficientes para algo mais. Nada de casamento, nada de filhos, nada de futuro. Tento encontrar uma saída há anos, mas é como um labirinto sem fim. Sempre tropeço nas mesmas paredes, as mesmas portas trancadas.
Quando me olho no espelho, o reflexo é um rosto marcado, cheio de cicatrizes de lutas que se acumulam. Um homem que está sempre cansado, com os punhos doendo e os olhos fundos de exaustão. Talvez seja por isso que nunca consigo um emprego decente. Meus currículos são rejeitados antes mesmo de serem lidos. Quem contrataria um cara que parece ter saído de uma briga de rua?
Agora, Antony Mancini e Don Vincent me oferecem uma "chance". Uma proposta para fazer parte da máfia. E aqui estou eu, hesitando, considerando isso. Que piada! Mas é mais complicado do que apenas dizer "não". Eu sei o que significa entrar para a máfia: uma vez dentro, não há volta.
E Kate? Como ela reagiria? Pensar em ficar longe dela, incomunicável, me destrói. Mas o que mais me atormenta é saber que estou à beira de um abismo e, se der um passo errado, posso arrastá-la comigo. Não posso aceitar. Não posso me tornar o que eu sempre evitei ser. Eu sou da luz, sempre fui. Nunca roubei, nunca vendi drogas, apesar de todas as oportunidades. Recusei o caminho mais fácil tantas vezes antes, mas agora o preço parece maior.
O gosto amargo dessa decisão me acompanha até o amanhecer. Finalmente o fim de semana chega, e com ele a chance de ver Kate. Quando ela entra em casa, trazendo um pote de comida, seu rosto muda de expressão assim que me vê.
— Deus! Daniel! — ela exclama, horrorizada.
— Isso não é nada — tento minimizar, mas sei que estou todo roxo. Os hematomas estão visíveis, mesmo que essa seja a versão "boa" do meu rosto.
— Como assim, não é nada? Você está todo machucado — ela diz, se aproximando devagar, como se não soubesse se deveria me tocar ou não.
Eu vejo a dor nos olhos dela, e isso me incomoda mais do que qualquer soco que já levei. Eu passo a mão pelos seus cabelos, tentando me concentrar na suavidade de seus fios, no quanto ela se arrumou para me ver. Está linda.
Puxo-a para mim, e nossos lábios se encontram em um beijo urgente, cheio de saudade. Beijamos-nos como se estivéssemos tentando apagar todas as incertezas, como se nossos lábios pudessem nos salvar da realidade dura. Mas quando me afasto, percebo algo diferente em seus olhos. Preocupação? Não, é mais profundo. Talvez seja aversão.
O silêncio na casa fica pesado. Posso ouvir nossas respirações, rápidas, como se estivéssemos nos preparando para uma luta.
— Daniel, você não pode continuar assim. Deus, olha para você!
— Isso paga as minhas contas — rebato, tentando soar firme, mas ela me empurra, irritada.
— Deve haver outro jeito.
— Não tem. Vamos parar de falar sobre isso. — Tento puxá-la para o quarto, ansioso para fugir dessa conversa. Preciso senti-la, preciso apagar essas dúvidas em nossa cama.
— Homens! Querem resolver tudo na cama. Não desconversa, Daniel! — Ela me empurra novamente, e eu fico ali, congelado.
A infelicidade cresce no meu peito como uma maré alta, sufocando.
— Acho que você se deparou com a minha realidade, linda. Lide com isso — digo, tentando manter a voz firme.
Ela pisca, surpresa com minhas palavras.
— Sei que sua vida é difícil, mas você precisa se empenhar mais, mandar currículos.
Dou uma risada seca, incrédulo.
— Verdade? Você acha que é simples assim? Acha que só porque mando um currículo, tudo vai se resolver? — minha voz sai carregada de ironia.
— Pare com isso! Eu estou falando sério.
— E acha que trazer comida vai resolver minha situação? — explodo, sentindo o sangue fervendo nas veias.
— Claro que não, Daniel! — ela responde, e eu percebo a dor em sua voz. Meu coração dá um salto, querendo uma resposta definitiva, algo que me diga que ela está disposta a estar comigo, apesar de tudo.
— Se eu parar de lutar, sou despejado. Essa é a minha realidade. Você precisa enxergar o mundo em que vivo antes de se acorrentar a ele. Estou acostumado a isso, Kate. Desde jovem, essa é a minha vida. Nada mais me choca. Se quiser sair agora, eu vou entender — digo, as palavras saindo com uma frieza que não sinto. É uma mentira que tento contar para mim mesmo, mas sei que, se ela decidir ir embora, isso vai me destruir.
O silêncio entre nós é esmagador. Fico parado, observando-a. Sua respiração está pesada, seus olhos marejados. Eu a amo, mas amar não é suficiente para resolver tudo. E agora, estou pedindo para que ela escolha — entre a fantasia e a dura realidade que eu vivo.
Ela se vira, como se fosse embora, mas para na porta, de costas para mim. Eu vejo seus ombros subirem e descerem em um suspiro profundo.
— Daniel, eu não quero te deixar. Mas também não quero te perder para esse mundo.
As palavras dela ficam no ar, pesadas, e eu sinto o impacto delas. Porque agora sei que não estou apenas escolhendo por mim. Estou escolhendo por nós dois, e a decisão que eu tomar vai nos definir para sempre.