Está maluca, garota! Quer morrer?

1182 Words
Kate Eu me troco no escuro, sem coragem de acender a luz, sem coragem de sair do quarto. O ar está pesado, carregado de dúvidas e um medo que não sei explicar. Eu ando de um lado para o outro, o coração batendo descompassado, tentando entender o que pode ter acontecido, tentando entender o porquê de Daniel sempre precisar se meter em tudo, bancar o bom samaritano. Por que ele não pode simplesmente deixar as coisas acontecerem sem se envolver tanto? A quietude do momento é quebrada por um choro distante. Uma mulher chora na cozinha. O som é angustiante e, de repente, minha curiosidade e preocupação falam mais alto. Eu saio das sombras, hesitante, e vou até lá. A cena que encontro me paralisa. Ela está lá, toda ensanguentada, com os olhos marejados de dor. Daniel está com ela, a segurando, tentando confortá-la de um jeito que me deixa sem palavras. Ele fala em espanhol, uma língua que eu quase não entendo, mas o tom de sua voz é suave, quase paternal. — O que houve? — Pergunto, minha voz soando pequena no meio daquela dor imensa. A mulher, com o rosto coberto de sangue, olha para ele, e é como se não houvesse mais nada no mundo além da sua dor. Ela começa a falar, mas tudo o que eu consigo entender é o nome do filho dela, o choro que não para de sair da sua boca. O som da sua angústia corta como faca, e eu me sinto impotente, perdida, incapaz de ajudar. — Mataron a mi hijo. — Ela diz, e eu sinto a dor dela como se fosse minha. Daniel, com a calma de quem já passou por muitas coisas, lhe traz um copo de água com açúcar, tentando acalmá-la. Ele a olha com um tipo de cuidado que, por um momento, me faz questionar onde eu realmente me encaixo nesse caos. Eu fico ali, observando, sem saber o que fazer. Minha mente está tão confusa que até parece que estou assistindo a tudo de fora, como se não fosse realmente comigo. De repente, uma jovem entra na cozinha. Ela se parece comigo, mas é mais linda, mais forte. Seus cabelos longos e negros caem sobre os ombros, e seus olhos grandes, cheios de dor, são como um reflexo do que a mãe está vivendo. Ela se aproxima da mulher, a abraça e, ao me ver, seus olhos se fixam em mim. — Mamá... — Ela diz, e o choro da mulher se intensifica. Ela se ergue e vai até Daniel, o abraçando com uma força que me deixa sem palavras. Eu fico ali, como uma intrusa, tentando não ser vista, tentando desaparecer. Eles compartilham a dor, o abraço, o momento. E eu… eu sou só uma espectadora, um ponto fora do lugar. Daniel, por fim, se afasta dela e olha para a jovem com uma seriedade que não consigo compreender. — Fique com sua mãe. — Ele diz para ela, e, com isso, ele me puxa para mais perto, como se a nossa conversa, a nossa história, devesse ser guardada em algum lugar, como um segredo a ser protegido. Eu vejo os olhos da garota em mim, e há algo ali que eu não gosto. Há algo que me faz sentir como se tivesse invadido um espaço onde eu não deveria estar. E então, ele me afasta, como se isso fosse normal, como se estivesse tudo certo. E, naquele instante, o nó na minha garganta se aperta, a raiva se mistura com a confusão, e eu não sei mais o que pensar. — Aonde você vai? — Ela pergunta, chorando, e, por um segundo, eu quase sou tentada a responder, a dizer que não importa, que tudo bem. Mas não, não posso. — Só vou levá-la até o carro. — Daniel responde, e a expressão no rosto dela é de quem já esperava isso. Ela assente, triste e vulnerável, e me faz querer fugir, mas, ao mesmo tempo, me faz querer lutar. Ela assente, os lábios trêmulos. Quando ele se vira para mim, seus olhos encontram os dela por um breve momento. Ela me encara com uma hostilidade tão evidente que quase recuo. — Vem, vamos, Kate. Hora de você ir para casa. — Ele fala com um tom que me faz sentir como uma criança pequena. Saímos abraçados da casa. Passamos por homens que falam alto, seus relatos cheios de emoção enquanto reconstroem os eventos da tragédia. Ao nos aproximarmos do corpo de um jovem estendido no chão, o ar se torna mais pesado. Pessoas, homens e mulheres, cercam o local, em choque. No meio delas, está Rose. Ela nos vê. Quando seus olhos se fixam em mim, vejo o reconhecimento surgir em seu rosto. — Kate? — Sua voz é uma mistura de surpresa e confusão. Droga! — Oi, Rose. Ela olha para mim, depois para Daniel. O braço dele ainda está ao redor da minha cintura. — Vocês estão juntos? — Sim. — Respondo, tentando soar firme. Ela fungou, cruzando os braços. — Seu pai sabe? Eu balanço a cabeça, negando. — Ainda não. — Se teu pai souber... — Ela deixa a frase no ar, como uma advertência. — Meu papai não pode saber de nada. — Minhas palavras são mais rápidas do que eu gostaria. Sinto o braço de Daniel se tencionar antes que ele me afaste com firmeza. — Rose, leve-a até o carro. Sim? — Sua voz é baixa, mas não aceita questionamentos. Um nó se forma no meu estômago. Encaro Daniel, tentando compreender o que está acontecendo. Mas seu olhar duro encontra o meu, e é como se tivesse levado um soco. Fico imóvel, processando o peso de suas ações. Por que ele não entende que ainda não é hora de falarmos sobre nós? Tudo é tão recente. Eu só quero paz para viver esse amor. Ele se vira para sair. — Daniel? Ele olha para mim, sério. — Vá para casa, Kate. Aqui não é seu lugar. — Pare com isso, Daniel. Meu lugar é onde você está. Ele desvia os olhos dos meus e fala com Rose como se não tivesse me ouvido. — A acompanhe até o carro. Minha raiva explode. — Isso, vai lá consolar a garota. Percebi que ela estava muito confortável em seus braços. Estava adorando sua solicitude. Daniel, que já se afastava, se vira e me olha de forma indecifável. — Pense o que quiser. Minhas mãos tremem de frustração quando vejo sua silhueta se afastar. Olho para Rose. — Vamos, eu te levo até o carro. — Ela oferece. — Não! Adeus, Rose. Sem olhar para trás, saio apressada, cega de raiva. Meu nome ecoa ao longe, mas não me viro. Atravesso a rua, ainda atormentada pela imagem de Daniel com aquela garota. Quando alcanço meu carro, ouço o rangido abrupto de pneus. Meu corpo congela, os olhos fechados em reflexo. Um carro para a poucos centímetros de mim. — Está maluca, garota! Quer morrer?! — Um senhor grita de dentro do veículo, a cabeça para fora da janela.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD