Divida

1285 Words
Acordo sobressaltada, devem ser 4horas da manhã, ainda está escuro e aquele frio danado de Janeiro, ouço gritos e saio do quarto de pijama sem pensar em quem iria encontrar ou não.. Vivo sozinha com o meu pai,Vítor, a minha mãe deixou-nos em pequena, fugiu e nunca mais a vi, o meu pai fez de tudo para me criar, trabalhou imenso, tentou estar sempre presente, mas infelizmente desde que a minha mãe nos largou sempre bebeu em demasia e acabou por ficar viciado em jogo de cartas. Vivemos num bairro não muito famoso, mas como fui aqui criada para mim não faz confusão, os de fora pensam que somos uns animais, mas não é tão mau assim, apenas temos de seguir regras e quem manda são os traficantes. Nunca me fizeram m*l, mas não frequento os sítios que eles param. Acabei a universidade e candidatei-me para as vagas para ser professora primaria, vamos la ver se para o ano consigo entrar, até lá trabalho numa loja de roupa no shopping. O meu pai é um grande homem, apenas não o posso deixar sozinho e preciso do convence-lo a tratar-se. Tenho 23anos e está na altura de ser eu a tomar conta dele... A nossa casa não é grande, mas é humilde e limpa, quando começo ouvir os gritos do meu pai e coisas a partir entro na sala sem pensar duas vezes... -Pai..... -Maria sai filha.... sai daqui.. A sala com 4 capangas armados, deviam pertencer ao contrabandista aqui do bairro, só não sei o que eles fazem aqui... sinto os meus cabelos a serem puxados, a força era tanta e a dor tão intensa que forçavam-me a ficar de joelhos enquanto gritava... -Onde está o dinheiro que deves ao patrão????  -Eu pago... só preciso de tempo, deixem a minha menina.. -Não imaginas o que somos capazes de lhe fazer... o patrão já te deu tempo... o dinheiro? -Por favor.... não lhe façam mal... O meu pai caiu de joelhos no chão as lágrimas escorriam pelo seu rosto e eu não conseguia fazer nada além de olhar para o teto, quase que sentia os meus cabelos a serem arrancados. -Pai... pai... está tudo bem pai... Levei uma bofetada enquanto alguém gritava -Cala-te... Por momentos pensei que não ia sair dali viva, não estava a perceber em que raio de negócio o meu pai se meteu, mas começava a ter medo do que nos ia acontecer, não queria chorar, mas precisava de ganhar tempo... antes que dissesse algo o silêncio ocupou a nossa casa, apenas se ouvia uns passos de alguém a entrar. -Vítor ... o meu dinheiro? -Por favor patrão... não o tenho, não me faça m*l, perdoe-me.. deixe a minha menina ir... Não conseguia ver o que se passava apenas o meu pai que estava a minha frente.. m*l mexia a cabeça devido a força que o brutamontes que me tinha agarrado fazia... -Patrão eu faço tudo, eu p**o, mas por favor, de-me tempo... -Tempo?! Vítor, faz 3 meses que me dizes sempre o mesmo.... sabes.. sou conhecido por ser justo... por isso eu vou fazer-te uma proposta... tens 2 meses... se não me pagares eu mato-te.... -Eu p**o, eu p**o, agora deixe a minha menina, por favor.... -Larguem-na.... dois meses viitor.. apenas dois meses... Cai no chão com um empurrão e quando a porta bateu solucei finalmente nos braços do meu pai, pensei que ia morrer, pensei que ia morrer...chorei sem saber como tinha tantas lágrimas enquanto o meu pai me pedia perdão e me abraçava... Estava tudo partido e quando me acalmei sem lhe conseguir olhar nos olhos fui buscar a vassoura para varrer os cacos.. estava desiludida, muito desiludida. O meu pai segurou-me pelo braço e fiquei quieta a olhar para ele, com 60 anos, o cabelo grisalho rapado, os seus olhos verdes e as suas rugas que mostravam tanto pesar. As mãos chias de calosidades de tanto trabalhar e as suas costas pesadas da dor que guarda por todos estes anos... -Desculpa filhota, eu estava a ganhar e perdi tudo , estava com sorte e pedi dinheiro, mas depois fiquei tão chateado que não consegui parar e pedi, eles avisaram, eu pedi, o filho do patrão tento impedir mas eu estava cego, queria voltar a ganhar e...  -Quanto pai? Quanto foi? -5500 EUROS.... -O quê pai? Como vamos pagar esse dinheiro? -Eu vou arranjar maneira... -Pai..... -Confia em mim, eu não te vou deixar mal... Eu queria confiar, mas sabia que era impossível ele conseguir fazê-lo, queria gritar-lhe e perguntar-lhe porquê, mas.. não era capaz, ele é meu pai e o respeito que tenho por ele é maior do que toda a tristeza e raiva que sentia naquele momento... -Não te preocupes pai.. nós os dois vamos conseguir.. Não tinha nenhuma certeza do que estava a dizer, mas, precisava do fazer acreditar que sim.. ele é meu pai e fez de tudo para que eu fosse feliz, agora é a altura de retribuir.. ele nunca me abandonou quando fiz asneiras, quando chegava a casa a chorar, quando trazia alguma má nota, ou até quando roubei um pacote de sugos na mercearia e fui apanhada, ele sempre lá esteve e agora, eu vou estar também. O pai é o primeiro herói da sua filha, é um gigante aos nossos olhos, a única pessoa que vai nos proteger e defender aconteça o que acontecer, é uma parte de nós, a nossa força, a nossa determinação, é de quem queremos um dia ouvir que tem orgulho de nós. É por quem o nosso coração bate porque é do nosso sangue... por mais que digam que nem sempre a família é o mais importante, o meu pai foi quem fez tudo por mim, mesmo que não tenha sido da melhor forma, foi da maneira que ele sabia fazer, por isso, por ele vou fazer de tudo Quando acabei de arrumar tudo, já ele dormia no sofá, nem o acordei, tapei-o com uma manta quentinha e fui para o quarto, olhei para as nossas paredes, escuras da humidade que tantas vezes limpei, em criança tudo parecia enorme, agora tudo é tão mais pequeno.. crescer não é fácil, mas é necessário. Abri o portátil que tenho desde que comecei na universidade e comecei a enviar currículos para todos os sítios que podia. Tenho de arranjar maneira de arranjar o dinheiro necessário para pagar a divida.. Este tipo de gente não brinca , apenas resolvem tudo com um tiro na cabeça.. Viver num bairro é mais do que todos pensa, não é só drogas, mortes, roubos... não.. aqui não nos roubamos uns aos outros, entre ajudámo-nos, a vizinhança acalma as nossas dificuldades, as festas ao fim de semana dão-nos coragem para continuar e acreditar que a vida tem mais cor.. As crianças brincam, correm descalças se for preciso, são ensinadas desde pequenas que a família é o mais importante, temos uma regra, não interferir nos negócios de droga e nunca mas nunca falarmos com a polícia. No bairro a comida é o que se arranja, mas do pouco que há tudo vira um pitéu, a musica é alta e os sorrisos também. A roupa limpa e estendida nas cordas que durante a noite se encheram de poeira.... As vezes ha o cheiro de sangue, outras as sirenes não nos deixam dormir.. o sono é leve devido as rusgas em demasia... mas quem acaba morto é sempre quem de pouco a vida tem a oferecer. O verdadeiro d***o deste bairro não é atingido e é ele que continua a suportar os vícios que a comunidade tanto não queria ter. A vida as vezes pode ser uma selva, cabe-nos a nós lutar para não sermos comidos por uma b***a.
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