Capítulo 49 - Quando a visão se concretiza

1930 Words
Andando em um longo e escuro corredor, Lucian só podia ouvir os sons dos próprios passos. Havia hesitação em seu caminhar, e seus olhos não desgrudaram da única porta do Palácio que lhe pertencia. O corredor foi iluminado por um relâmpago e o silêncio foi substituído por uma alta trovoada que tremeu as vidraças daquele palácio. O clarão do relâmpago iluminou a fresta da porta que deveria estar fechada, e ali Lucian sentiu o seu coração acelerar ainda mais. Contra o seu gosto, ele estendeu a mão quando se aproximou da fresta. Lucian empurrou a porta que rangeu anunciando a sua chegada. Na cadeira, um vulto estava sentado elegantemente enquanto alisava algum animal felpudo que Lucian não conseguiu distinguir direito. A boca daquele sujeito se moveu dizendo algo que Lucian não entendeu, contudo, teve algum efeito em seu corpo. Ele girou nos calcanhares e saiu correndo sentindo o seu coração pulando em seu peito. O desespero para sobreviver parecia gritar ainda mais do que o usual. Lucian tropeçava no tapete e se apoiava na parede e se empurrava, obrigando o próprio corpo a continuar a sua maratona para chegar a algum lugar. Olhando sobre o ombro, ele continuava a ver a porta entreaberta e o vulto sentado na cadeira o encarando enquanto achava graça de um palhaço sedento pra fugir do circo dos horrores. "Vou morrer". Era a única coisa que ele pensava enquanto corria para alguma saída, que parecia se distanciar a cada passo que ele dava. Sentando-se na cama repentinamente, Lucian acordava de outro pesadelo. O peito ardia novamente com a sua respiração ofegante, e seus cabelos grudaram em seu rosto suado. Os dedos longos e compridos tremiam quando ele ouviu batidas na porta. O mesmo ranger que ele ouviu naquele pesadelo ecoava pelo seu quarto mostrando a figura de Argus. — Bom dia, Vossa Alteza, vejo que já acordou. Passando os dedos pela testa, Lucian respirou fundo se acalmando. Foi um sonho. Era a segunda vez que sonhava com algo tão desesperador, e ele continuava não querendo pensar profundamente a respeito. — Aconteceu algo, Vossa Alteza? Está pálido… — Me traga água, por gentileza — Pediu o príncipe com sua rouca voz. O criado afastou-se preocupado e serviu um copo de água para o seu senhor. Entregando o copo, ele observou Lucian beber grandes goles e se acalmar até se recompor. — Está tudo bem, Vossa Alteza? Nos últimos dias parece que o sono tem sido agitado. — Não é nada com o que deva se preocupar, Argus. Me ajude a me preparar para o dia. — Como quiser, Vossa Alteza. Seguindo a sua rotina de tomar banho, se vestir apropriadamente e tomar café da manhã, Lucian não sentia nada de estranho. Enquanto ele degustava uma xícara de chá relaxante para os seus nervos, o seu olhar se perdia na vista da janela e sua mente ia para além das montanhas. Por que ele estava sonhando com a morte do oitavo príncipe? Será que sua própria consciência o alertava que não deveria perder tempo ao procurar as respostas que tanto anseia? Pousando a xícara silenciosamente sobre a mesa, Lucian cruzava as pernas e suspirava baixo massageando a sua têmpora. — Recebemos alguma coisa, Argus? — Apenas o jornal desta manhã, Vossa Alteza. Lucian apenas estendeu a mão para o criado lhe entregar o jornal. A matéria da primeira página não chamou a sua atenção, muito menos as colunas de fofocas que insistiam em maldizer as nobres famílias e expor várias mentiras que a alta sociedade adorava contar para se engrandecer. Virando as páginas, absolutamente nada prendia a sua atenção. Pelo menos não até ler uma pequena notícia. — Minha nossa… que assassinato brutal. Argus olhou por cima do ombro do seu mestre e também leu a coluna. — Ah, parece que ainda não terminaram de investigar esse caso — Argus comentou ocasionalmente, só o suficiente para Lucian olhá-lo curioso — Faz dois dias que ocorreu esse assassinato em massa. Dizem que foi briga por território entre mercenários. Voltando a encarar o jornal em mãos, Lucian relia a matéria com extrema atenção. — Hm… isso aconteceu fora dos portões da cidade. Não há motivos para rebeldes tentarem conquistar aquela região, já que quem vive ali são os plebeus. — Vossa Alteza, o senhor sabe que os mercenários e rebeldes estão praticamente se infiltrando na capital através dos bairros plebeus. Provavelmente eles devem ter disputado algum trajeto de fuga ou algo do tipo. Ouvir aquilo fez Lucian perceber um detalhe. Baixando o jornal, o príncipe virou-se na cadeira para encarar o seu criado. — Quando foi que visitamos a guilda? — Faz uma semana, Vossa Alteza. Por quê? Encarando o jornal novamente, Lucian suspirou. — Parece que eu estava certo. Fique atento para caso aquela mulher entre em contato. Me avise imediatamente se ela vir até aqui. — Tudo bem, Vossa Alteza, mas… sobre o que estava certo? — Você logo entenderá, meu bom Argus. Agora… o que eu preciso fazer mesmo? — Vossa Alteza precisa provar o seu traje cerimonial para o casamento. O mensageiro do Imperador enviou um aviso de que o templo já está iniciando os preparativos, e que espera a Vossa Alteza daqui uma semana para o ritual de purificação e… Argus continuou a citar cada compromisso e aviso que Lucian precisava lembrar. O seu dia a dia ficou agitado depois do noivado, já que o Imperador agora sofria pressão por parte dos nobres e outros sem vergonhas que, repentinamente, surgiram afirmando também terem dormido com o Grão-duque. Bem, isso era um problema que Magnus teria que resolver, ninguém mandou ser um gostoso que atrai a todos. Lucian estava bem contente por não ser alvo de tais fofocas, ninguém se atreveria! Em meio ao seu dia agitado de provação de roupas e escrever o modelo de convite para os nobres convidados, Argus logo lhe deu a notícia que mais esperava. — Ela está na sala de visitas, Vossa Alteza. — Muito bem — Lucian deixou a caneta sobre a mesa e se levantou seguindo o seu mordomo pelo corredor — Prepare um chá e alguns petiscos, por gentileza, Argus. — Como quiser, Vossa Alteza. Seguindo caminhos separados, Lucian se direcionou para a sala de visitas onde encontrou a mulher com um semblante tenso. Se o que ele estava pensando fosse certo, então aquela conversa seria delicada. — Estou surpreso que tenha vindo, Ethera. A mulher ergueu a cabeça para o príncipe sem demonstrar nenhuma alegria como das outras vezes. Pelo contrário, Ethera ficou de braços cruzados e até mesmo franziu a testa enquanto observava Lucian se sentar na poltrona à sua frente. — Irei direto ao ponto. Por acaso você está por trás disso? — Por trás do que, exatamente? — Do que aconteceu com os meus homens na entrada da cidade. — Eu te disse que não detenho poder o suficiente para ameaçar pessoas. Por que acha que estou por trás de um ato tão frio e brutal? — Você me contou aquela balela de "sonho" — Ethera apertou os dedos até seus nós ficarem brancos — Foi uma ameaça, não foi? Você praticamente me ameaçou para que eu concordasse com você… — Está me dizendo que aquilo que o jornal anunciou como uma briga territorial de mercenários, na verdade se tratava dos seus homens? — Vossa Alteza… Lucian ergueu a mão, silenciando a mulher. Apesar dele ser educado e gentil, não significava que Lucian deixaria as pessoas o tratarem abaixo do seu status social. Pelo oitavo príncipe que perdeu a vida por falta de posicionamento, Lucian mostraria a todos como tratá-lo com o devido respeito. — Por favor, Ethera. O que eu ganharia matando os seus homens? O seu favor? Se você não quiser aceitar a minha proposta, basta eu procurar por outra guilda. Estou trabalhando com você porque estou tendo uma resposta positiva. Eu te contratei e obtive o meu pedido, simples assim. Qualquer outra guilda pode fazer isso. Ethera pareceu hesitar com o posicionamento distante do príncipe. Não era para menos, Lucian tinha razão em suas palavras. Qualquer outra guilda poderia fazer uma lista de nomes das pessoas influentes do submundo, desde que ganhassem a bolada de moedas de ouro que Lucian estava disposto a pagar. A diferença na sua negociação com Ethera, é que ele propunha algo a mais. Esfregando as pontas dos dedos na testa, a mulher suspirou pesadamente antes de voltar a encarar o príncipe. — Foi como a Vossa Alteza disse. Uma brutalidade tão fria que chegou a ser assombrosa. Enquanto os meus homens tentavam conseguir um artefato para um cliente, foram emboscados por mercenários na saída da cidade. Foi um ataque tão… perfeito, que só consigo pensar que isso foi uma armadilha. De fato, parecia uma armadilha. Lucian levou a mão ao queixo enquanto lembrava que a guilda Nightshade tinha a própria rota de fuga, caminhos sinuosos que mantinham os seus homens fora do rastro de qualquer um. Isso requer não apenas um bom conhecimento de cada canto de Roveaven, como também pessoas habilidosas trabalhando em seu nome. Alguém emboscá-lo numa rota de fuga, e ainda mais que agora foi exposta ao mundo… era uma armadilha. Para piorar, Ethera parecia abatida demais com a morte daquelas pessoas. Provavelmente tratavam-se como uma grande família, e ela como líder sentia o peso de falhar em protegê-los. — Eu ainda não acredito que a Vossa Alteza seja alguém com… poder sobrenatural, mas não posso fazer vista grossa quando fui alertada a respeito. Você disse que tempos sombrios chegariam para o meu pessoal, e de fato chegou. Leves batidas na porta anunciavam a chegada de Argus com os aperitivos. Ethera encarou Argus por algum tempo e, novamente, ela franziu a testa. — O seu criado mencionou sobre a tal "visão", por acaso isso é recorrente? Argus hesitou e ergueu a cabeça para a mulher, em seguida encarou o oitavo príncipe. Lucian apenas sorriu docemente para o beta. — De certa forma. O que gostaria de saber? — Permissão para questionar o seu criado em outro momento, Vossa Alteza. Quero encontrar uma forma de garantir que somente palavras verdadeiras saiam de sua boca. — Como quiser. Há alguma outra coisa que deseje? — Quero a sua palavra de que conseguirá nos colocar dentro da alta sociedade. Ah… lá estava o seu desespero novamente. A perda dos seus companheiros e a sua reputação sendo manchada por causa das buscas e apreensões feitas por Cadec na busca pelos rebeldes deixaram Ethera encurralada. Pelo menos era um sinal de que a sua oferta era tentadora o suficiente para fazê-la ponderar. — Se quiser, podemos firmar algum tipo de contrato. Estou disposto a mostrar a minha sinceridade. — Antes de tomar qualquer decisão, quero confirmar as coisas com o seu criado em outro momento. Mas também quero saber como a Vossa Alteza pretende dar o que eu quero. Lucian se lembrou dos documentos sobre o mercado clandestino que ele leu algum tempo atrás. Parece que passar horas lendo aqueles documentos estupidamente enfadonhos renderam uma boa vantagem, já que poderiam lhe dar uma informação nova garantindo a sua sobrevivência. — Um nobre faliu depois de cair no golpe de um rebelde. Ao que parece, os seus bens serão leiloados. Te darei dinheiro para que vá para este leilão e compre a mansão desse nobre. — Somente a mansão não será o suficiente. As pessoas irão suspeitar se ninguém sem um título viver nela. — Exatamente. Por isso também quero que alguém do seu pessoal se torne um novo nobre e seja a fachada da guilda Nightshade.
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