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Jason Barker terminava de roer a unha de seu dedo mindinho, a última que lhe restava enquanto aguardava pacientemente sua irmã.
—Acalme-se , ou não lhe sobrará dedos. – Pediu Joy, a assistente social, enquanto colocava a mão sobre a do rapaz.
— Ela está atrasada. – Limitou a dizer Jason se levantando da cadeira. — Ellis deveria estar aqui há uma hora.
—Deve ser o trânsito. – Explicou Joy se levantando também. Ela caminhou até o rapaz e continuou dizendo: — Tenho certeza que Ellis teve um bom motivo para estar atrasada.
—Seja qual for o motivo, não sei se eles... – Começou Jason enquanto apontava com a cabeça em direção a dois policiais a paisana sentados no sofá. — Não sei se eles vão aceitar isso muito bem.
A porta da recepção da clínica foi praticamente derrubada por Ellis que se aproximava, ofegante. Sim, a jovem sabia que estava atrasada e que isso nem sequer deveria ter sido uma opção. Não hoje.
Ellis se aproximou do irmão que a encarava, nervoso, mas ainda assim emocionado. Ele caminhou mais apressado até abraçar sua irmã que também estava emocionada. Foram dois anos de muita provação, mas finalmente conseguiram. O momento poderia ter sido melhor aproveitado pelos dois, se não fosse a tosse seca proposital do policial Smith, interromper o abraço entre eles. O policial se aproximou acompanhado de sua parceira e então disse:
—Senhorita Barnes, como sabe seu irmão está em condicional ao ser pego em flagrante operando um jogo ilegal de pôquer e ainda com uma grande quantidade heroína.
— Eu já disse que a droga não era minha... – Rebateu Jason sendo contido pelo toque de sua irmã em seu braço. — O que foi?
— O acordo feito junto a promotoria determinou que ele ficasse dois anos internado em uma clínica de reabilitação, além de 300 horas de serviço comunitário. Ele também será monitorado por mim, seu oficial de condicional. – Continuou Smith encarando Ellis e Jason. — Todos os dias entrarei em contato nos números informados pela Senhorita Barnes para me comunicar com Jason e verificar sua localização, começando por hoje as vinte e três horas. Caso ele não atenda, entenderemos que ele está descumprindo sua condicional e ele será levado diretamente para a cadeia. Fui claro?
— Compreendo, senhor. – Disse Ellis.
— Qualquer coisa, Senhorita Barnes, peço que entre em contato comigo. – Pediu Smith entregando seu cartão para Ellis. Ele então se virou para Jason e disse: — Ande na linha , Barnes.
Os dois policiais saem deixando os irmãos se encarando. Joy se aproximou dos dois com seu belo sorriso e então falou com eles:
— Ellis, preciso que assine a liberação do seu irmão. E que depois saiam daqui e recomecem a vida de vocês. Vocês merecem essa nova chance.
—Obrigada, Joy. – Agradece Ellis abraçando Joy.
Aquele abraço era nada perto de tudo o que Joy havia feito pelos irmãos. Aquela senhora de sessenta anos de cabelos grisalhos e sorriso afetuoso havia sido a mãe que os dois precisavam durante aqueles dois anos. Era uma daquelas pessoas que Ellis fazia questão de levar para sempre em seu coração.
Ellis então se aproxima do balcão da recepção e assina a alta de seu irmão. Os dois sorriem um para o outro e então saem da clínica em direção a uma nova vida.
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Ao norte do Brooklyn, Brownsville é um gueto que tem a reputação de ser um dos bairros mais perigosos em Nova York. Seu nível de violência- entre crimes, contravenções, agressões, drogas, tiroteios - está entre os mais altos de Nova York. E era ali que Ellis e seu irmão Jason foram criados por seus pais. Muito diriam que era natural o caminho que Jason seguiu, devido a vizinhança. Porém, Ellis sabia o esforço que seu pai, Jack Barker, desempenhou para que seus filhos tivessem uma educação digna e não se aventurasse por aquele mundo que os cercava.
Parecia até que Jack havia conseguido, mas quando ele passou a fazer parte da estatística de tiroteio tudo mudou. Ellis tentou levar administrar a casa, mas Jason sabia que a irmã sozinha não daria conta. No início ele até foi atrás de emprego, mas recém havia terminado o high School, sem experiência e ainda era morador de Brownsville, ele sentiu na pele que não havia menor chance a não ser seguir pelo caminho mais prático.
No começo Jason não gerenciava os jogos, ele apenas recepcionava os jogadores, enviava as mensagens dos pontos de encontro. Porém, conforme foi adquirindo a confiança dos jogadores, decidiu assumir os negócios, mesmo sabendo que aquilo haveria consequências.
Ele passou a operar os jogos ilegais e ainda usou os contatos de seus ex-chefes para adquirir drogas , que era uma forma de estimular ainda mais os jogadores a permanecer nas mesas de poker.
Sua ambição falou mais alto e ele pagou o preço. Se for olhar com mais cuidado, foi um preço baixo, pois o pessoal de quem ele havia roubado os jogadores poderiam tê-lo matado.
— Sorte. – Sussurrou Jason enquanto olhava da janela do carro em direção a velha casa onde cresceu.
—O que disse? – Perguntou Ellis desligando o veículo.
—Disse que eu tenho sorte de estar vivo. – Respondeu Jason antes de descer do veículo.
—Sim. – Concordou Ellis descendo do veículo. Ela pulou nas costas do irmão e continuou falando: — Você tem agora uma grande oportunidade de recomeçar.
—Pois é. – Respondeu Jason carregando a irmã até a porta. — Só quero ver quem vai querer um condenado como funcionário.
—Primeiro você precisa focar no trabalho comunitário. – Recordou Ellis abrindo a porta da casa, com certa dificuldade. Aquilo a lembrava que precisava trocar a fechadura o quanto antes ou ficaria na rua. — Joy conseguiu uma vaga para você no centro comunitário do bairro. Vai ser o faxineiro deles.
—Nossa, que ótimo. – Respondeu Jason sem muita empolgação se jogando no sofá de casa. Ele pegou o controle da televisão e a ligou: — Não vejo a hora...
—Jason, você precisa enxergar tudo isso como algo bom. – Explicou Ellis parando em frente da televisão. Ela sentou na mesa de frente e então disse. — Maninho, você está livre!
—Livre, mas com a cabeça a prêmio. – Rebateu Jason. — Eles virão atrás de mim, Ellis.
— Não, eles não virão. – Respondeu Ellis segurando na mão do irmão.
— Como pode ter tanta certeza? – Questionou Jason sem entender como a irmã poderia estar tão segura de que os homens da quem Jason devia as drogas e roubou os clientes não se vingariam.
Antes que ela pudesse responder, a campainha da casa tocou. Provavelmente algum vizinho curioso deve ter visto eles chegando e veio confirmar a fofoca do dia. Ellis levantou da mesa de centro a contragosto e caminhou até a entrada, onde foi surpreendida com a visita de Troy Lamar.
Troy Lamar era um rapaz n***o franzino, totalmente oposto de Jason de quem era melhor amigo desde criança. Também diferente de Jason, Troy decidiu seguir a vida acadêmica e foi para faculdade comunitária fazer um curso de qual Ellis não conseguia se lembrar.
—Oi Troy, o que faz aqui? – Perguntou Ellis antes de abrir a porta totalmente.
— É verdade? Jason voltou? – Perguntou o rapaz, animado.
—Sim. – Respondeu Ellis.
Assim como um raio, Troy entrou na casa e caminhou em direção a sala encontrando seu melhor amigo. Os dois se abraçaram, uma cena que chegou a emocionar Ellis que viu tudo da porta da sala. Os dois botaram o papo em dia, Troy contou que estava bem perto de se formar enquanto Jason contou como era a vida na clínica. Enquanto isso Ellis foi preparar um lanche para os meninos, algo que já foi rotina em sua casa e que sentia saudade. Ela terminava de preparar o sanduíche de seu irmão quando o telefone da casa tocou. Ela caminhou em direção a sala onde estavam os dois meninos que agora se entretinham jogando vídeo game e então atendeu:
— Alô, quem fala? Olá, senhor Williams. – Cumprimentou Ellis ao reconhecer a voz implacável de seu chefe no restaurante. — Não, eu não estou na escala hoje, o meu irmão teve alta... Sim, já peguei o meu irmão... Ele já está em casa... Senhor Williams eu expliquei que não poderia... Eu sei que faltaram, mas eu não posso deixar o meu irmão sozinho... Eu sei que o senhor ... Eu entendo...
— O que foi? – Perguntou Jason que passou a prestar atenção na conversa.
—Meu chefe quer que eu vá trabalhar, mas eu já disse a ele que fui liberada para ficar com você hoje. – Explicou Ellis enquanto tampava o bocal do telefone. — Só que ele fica insistindo que faltaram dois funcionários e que ele precisa de mim. Já dobrou o preço da hora extra e tudo.
— Maninha, melhor você ir. – Falou Jason olhando para a televisão.
—E deixar você sozinho na sua primeira noite em casa? De jeito nenhum. – Recusou Ellis balançando a cabeça.
—Ele não está sozinho, eu estou aqui. – Argumentou Troy antes de fazer uma jogada que o faria vencer Jason. — E ganhando mais uma vez do Jason.
—Não sei... Não acho uma boa ideia.
—Mana, vai. A gente precisa de grana. – Disse Jason colocando o controle na mesa de centro. Ele se aproximou da irmã, segurou em seus ombros e disse: —Eu ficarei bem...
— Não sei...
— Ellis, são apenas algumas horas. Você sabe que eu e Troy jogamos por horas a fio. Quantas vezes o papai chegava e estávamos jogando ainda?
— Eu sei, mas é que agora as coisas são um pouquinho diferentes... – Começou Ellis a dizer quando notou a expressão de culpa tomar o rosto de seu irmão.
— Confie em mim, Ellis. – Pediu Jason encarando a irmã. — Por favor...
—Está bem. – Cedeu Ellis voltando ao telefone. — Senhor Williams, pode contar comigo.
Ela desligou o telefone, caminhou até o quarto e se arrumou. Em poucos minutos já estava na sala uniformizada passando todas as orientações aos dois rapazes que a escutava atentamente.
—Jason, não esqueça que Smith ligará as 23 horas, então por mais entretidos que estejam, por favor, atenda.
—Está bem. – Falou o irmão pela milésima vez.
—Ótimo. Estou indo, mas qualquer coisa me ligue, por favor. – Pediu Ellis mais uma vez.
Ela caminhou em direção a saída sendo acompanhada pelo irmão que trancou a porta com cuidado. Ellis vai até o carro com a sensação de que algo r**m estava prestes a acontecer.
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Hamburgueres, pedaços de pizzas, milk shakes , mesas cheias, eram essas coisas que preenchiam a mente de Ellis que estava a mil percorrendo o salão do restaurante tentando compensar os funcionários faltosos. A vantagem do restaurante cheio é que as horas passavam mais rápido. Ela nem sequer havia percebido que já haviam se passado 4 horas que estava ali.
— Barker. – Chamou o senhor Williams encostado no balcão do caixão.
Ellis se aproximou com seus patins e sua bandeja notando que seu chefe já estava separando sua parte da gorjeta do dia. Já imaginava que com aquele dinheiro levaria seu irmão para comprar roupas e sapatos novos.
— Obrigado pelo apoio. – Agradeceu Williams ante de a funcionária partir.
Ellis dirigiu a toda para chegar em casa antes das 23 horas. Em seu íntimo sabia que seu irmão provavelmente não escutaria o telefone tocar e acabaria preso por estar jogando videogame.
Assim que ela parou na frente da casa e viu todas as luzes apagadas, teve a plena certeza que o irmão estava totalmente focado no jogo. Pelo menos até chegar na porta e ver que ela estava apenas encostada. Tinha plena certeza de que viu seu irmão trancando...
— Jason?– Chamou Ellis entrando na casa e acendendo as luzes.
Não havia sinal do irmão na sala, então ela foi em direção ao quarto do irmão e ele também não estava.
— Jason! – Chamou Ellis mais uma vez entrando em seu quarto que também estava vazio. — Jason, cadê você?
Ellis procurou seu irmão por todos os cômodos enquanto chamava por ele sem resposta. Seu estômago já embrulhava, pensando no pior, mas o pior ainda estava por vir.
TRRIIIIIMM!! TRIMM! TRIM!! – começou a tocar o telefone da sala, indicando ser onze horas da noite.